Globalização é um fenômeno engraçado. Você vê uma coisa em um lugar e, quando menos percebe, você descobre que essa coisa na verdade é conseqüência de um outro negócio que ta acontecendo em outro lugar, que por sua vez é também uma conseqüência de mais outra coisa, de mais um outro lugar, e assim por diante.
Ok, não é um negócio muito engraçado.
De qualquer maneira, isso é reflexo de um mundo com pouquíssimas fronteiras, com amplo desenvolvimento tecnológico, com redes de informações globalmente disseminadas e tudo mais. Por um lado é legal, porque o mundo fica maior e mais interessante. Por outro lado, é muito ruim, porque você começa a sofrer com problemas que não são de fato seus. É a tal da história da borboleta que bate a asa nos Estados Unidos e causa um furacão no Japão. Borboleta desgraçada. Sorte dela que ela é estadunidense. Se fosse o contrário, certamente os Estados Unidos dariam um jeito pra invadir o Japão.
Coisa semelhante acontece com o Brasil, apesar de ele não ser, obviamente, uma borboleta. Mais especificamente, com o futebol brasileiro. Ainda não dá pra ver com muita clareza, mas uma crise braba pode estar se aproximando. Uma crise daquelas.
Tudo porque uns bancos estadunidenses ficaram empolgados com o momento econômico favorável que o mundo estava passando até o ano passado e resolveram abrir o caixa pra qualquer um que aparecesse pela frente e emprestaram dinheiro para quem não devia, sem perguntar pra esse alguém se ele teria condições de devolver esse dinheiro emprestado. Ele não tinha. E começou uma crise de crédito gigantesca nos Estados Unidos. As pessoas começaram a parar de pagar os bancos, que, sem perspectiva de reaver a grana, executou os bens das pessoas, principalmente os imobiliários. Com isso aumentou a oferta de imóveis a tal ponto que o mercado imobiliário, um dos mais fortes por aquelas bandas, começou a se desvalorizar. Aí veio o desespero. E quando os Estados Unidos se desespera, o mundo tem um faniquito.
A crise de crédito se espalhou pelo mundo todo, dos países mais desenvolvidos aos países emergentes. Afetou, principalmente, a Europa. A Espanha tem no mercado imobiliário um dos grandes combustíveis para seu desenvolvimento. Esse mercado entrou em colapso, o que afetou a capacidade econômica espanhola, que deixou de importar produtos de outros países por aquelas bandas, como Alemanha e Inglaterra. De processo em processo, a Europa se encontra quase à beira da recessão econômica. Isso significa menos dinheiro disponível no mercado, o que significa menos dinheiro para o futebol.
Com essa situação, os clubes e ligas da Europa precisaram rever seus planos. Alguns projetos de novos estádios foram adiados. Nem as más condições do mercado e muito menos a valorização do petróleo servem como incentivadores de grandes investimentos no momento. E estádio é um grande investimento que dificilmente se justifica economicamente. Então segura o projeto, assim como segura outros investimentos maiores, o que pode ser perfeitamente subentendido como valores de transferências mais polpudos. Ninguém, fora os clubes que tem os donos bilionários, vai investir em jogador, porque os grandes investimentos em jogadores chegaram a um patamar absurdo. Não é qualquer dia que você acha 20 milhões de euros pra comprar um jogador que nem é tão bom assim.
E isso tem reflexo direto no Brasil. Se o mercado tava começando a se acostumar com a idéia de ter transferências de jogadores novos por dezenas de milhões de euros, como foi o caso do Robinho, Breno e Pato, é possível que ele tenha que reaver esse posicionamento. Faltando 10 dias pra fechar a janela, foram poucos os jogadores que saíram do país, principalmente para jogar na Europa. A ascensão do mercado árabe se justifica por esses parâmetros apresentados.
Se bobear, voltou mais jogador do que foi embora. Se bobear mais ainda, é possível que alguns clubes fiquem melhores no segundo turno do que no primero. O São Paulo, por exemplo, que, descontando o Adriano que era um caso a parte, se reforçou com o André Lima e Anderson, os dois repatriados. Alex Silva, Miranda e Hernanes, que todo mundo meio que achava que iam pra Europa no meio do ano, não devem sair. Porque ninguém está disposto a pagar. Só os árabes, mas esses não são jogadores para o mercado árabe. São para a Europa. Mas a Europa não tem dinheiro.
Como a transferência de jogadores responde por uns 20% daquilo que um clube arrecada, há de se perguntar como ficarão os clubes que dependem tanto desse canal de receita.
A crise de crédito dos Estados Unidos pode fazer a indústria do futebol brasileiro enfrentar uma crise sem precedentes. Pelo menos não é o contrário. Senão seríamos invadidos por faniquitos estadunidenses.
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