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Meia-errata e necessidade dos clubes pensarem gestão de forma compartilhada

Olá amigos, na última coluna, alguns pontos que levantei geraram muita polêmica, nos emails que recebo dos colegas que acompanham os textos da Universidade do Futebol.

Pois bem, dentre os pontos, faço um esclarecimento: quando me referi ao contrato da Nike com o Corinthians no valor de 15 milhões, quantia praticamente igual a do patrocínio principal do São Paulo, me referi ao acordo divulgado pelo São Paulo com a LG em 2008, no valor de 16 milhões. Para 2009, esse contrato é de 18 milhões.

Fica uma meia-errata em relação aos valores e informações sobre o contrato de patrocínio da equipe do São Paulo. Reafirmo, como na semana passada, que utilizei as informações da Gazeta Press, e, como de costume, ainda verifiquei em outras fontes que também reafirmavam o valor mencionado.

Errei, e agradeço as correções dos leitores, dentre eles os e-mails assinados por Melveris Sas e Guilherme Mendes que corrigem os valores do patrocínio do São Paulo, baseando-se já em 2009, e ainda apresentam números em relação ao fornecimento de material da Reebok para o São Paulo, em cifras similares ou superiores (não colocarei informações mais precisas por falta de dados consensuais).

Esse é um ponto que gostaria de abordar. Cada veículo de informação divulga um valor diferenciado, por isso digo que é uma meia-errata. Mas, aprendendo com os erros, ficarei mais atento aos diferentes meios de comunicação, e também faço um apelo aos clubes brasileiros para tornarem cada vez mais transparentes (e que seja uma transparência de verdade) as informações (respeitando as necessidades e sigilos comerciais que lhes cabem) porque, assim, evitamos cair em armadilhas tal como eu caí.

No tocante a outro ponto polêmico, alguns concordaram com a preocupação com o demasiado egocentrismo do São Paulo e outros discordaram ressaltando que a equipe tricolor está muito a frente das demais.

São opiniões, e é nesse debate, que gosto de abrir com os colegas, que podemos contrapor visões e discutir, enfim, esse é um dos princípios de uma universidade tal qual a Universidade do Futebol se propõe.

Se todos concordássemos com uma única visão, o avanço seria mais lento, e é justamente a esse ponto que quis me referir em um breve espaço na última coluna. Está aí mais um erro, o espaço deveria ter sido maior para tal debate.

Ao fechar em si mesmo como modelo e referência nacional, e reafirmo que foi e que ainda é, o São Paulo tem realizado ações que, do ponto de vista estratégico, correm o risco de não acompanharem o que vem pela frente.

É como uma empresa pensar somente a curto prazo e realizar estratégias inovadoras e de excelente qualidade para obter resultados no presente, mas sem se preocupar com o que a concorrência pode apresentar, que por mais devastada que esteja no momento, alguma ação inteligente e proveitosa pode emergir e surpreender, afinal ela objetiva alcançar  e ultrapassar a referência do mercado.

Daí, a referência ao Palmeiras e ao Corinthians, nas figuras de dois excelentes e respeitadíssimos nomes que são Belluzo e Rosemberg (convido-os a consultar o currículo desses dois profissionais), e na busca que têm feito para dar alternativas aos seus clubes. Com idéias que visam a modernização de suas agremiações e que também partem da premissa de que, atuando em conjunto e em prol do futebol, seu clube só tem a ganhar. Poderia ter citado outros clubes, como, por exemplo, o Inter-RS com algumas ações recentes (tecnológicas e modernas).

Enquanto na Europa, os clubes se unem para facilitar a gestão, buscando uma organização em conjunto, na qual todos os integrantes são beneficiados, compartilhando tecnologia, informação e ações estratégicas, deixando que a competência e o trabalho diferenciado de cada um, isto é,  a forma como utilizam toda a estrutura conquistada (consequentemente diminuindo custos) seja o grande diferencial para sobrepor-se perante o outro, no São Paulo, percebe-se um certo egocentrismo, como dito anteriormente.

Essa observação, que tentei deixar mais clara, dada aos distintos e-mails que recebi, seja em concordância ou em discordância, é uma visão, outras tantas (cada um tem a sua) existem e acredito que, nessa troca, podemos ampliar nosso leque e aproveitar o que há de melhor numa universidade: aprender a ver o universo e a diversidade de opiniões acerca do mesmo fato.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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O melhor campeão brasileiro

O São Paulo de Muricy foi o primeiro tri, o único hexacampeão brasileiro. Tecnicamente, o Flamengo de 1982 foi o melhor time do país. Mas, por desempenho, ninguém superou os 84% de aproveitamento do Internacional de Rubens Minelli, bicampeão brasileiro.
 
Um papo com o mentor do time explica parte do sucesso colorado daquele que foi o melhor time do país nos anos 70:
 
Mauro – Você chegou ao Beira-Rio em janeiro de 1974, durante o BR-73. O Inter de 1975-76, de fato, começa em 1972, ainda com Dino Sani no banco. A base já estava lá. O Inter foi semifinalista do BR-72, e finalista dos quadrangulares de 1973 e 1974. A imprensa gaúcha detonava e dizia que o time só morria na praia – embora ganhasse tudo no campeonato estadual. Como foi o salto de um time “perdedor” para o maior vencedor brasileiro nos anos 70? Foi apenas a sua chegada, em janeiro de 1974, ou a vinda de reforços como Manga e Flávio (1975), Dario e Marinho Peres (1976), e a revelação de volantes como Batista e Caçapava?
 
Rubens Minelli – O meu sucesso no Inter é parecido com o do Muricy, hoje, no
São Paulo.  É a continuidade de um trabalho, de uma filosofia de jogo. É a manutenção de uma base. Pena que são poucos os dirigentes que entendem isso no futebol.
 
Fiquei três anos montando uma equipe, apurando a condição técnica e tática. Num time montado, qualquer reforço dá certo. Meu grande mérito foi a equipe ter uma grande obediência tática. Eram estrelas disciplinadas. A cada ano conseguíamos  jogadores melhor qualificados, e, por isso, tivemos o grande aproveitamento em 1976 [84% dos pontos conquistados, o maior campeão da história do Brasileirão]. Além disso, era um grupo raro, de estrelas sem vaidades. Eles compreendiam o que eu queria taticamente e conseguiam desenvolver esse futebol dentro de campo. O meu conceito sempre foi que o jogador tem liberdade para fazer o que quer quando tem a bola. Mas, sem a bola, vão jogar como eu quero.
 
Mauro – O time de 1976 foi o mais impressionante. Tecnicamente, só perde para o Flamengo de 1982, Mas, taticamente, era mais elaborado e competitivo. Qual o segredo?
 
Rubens Minelli – O grande segredo foi uma mudança tática que ninguém percebeu na época. Todos os times brasileiros atuavam no 4-3-3. Todos iguais, um volante e dois meias. Nós jogamos em 1976 no 1-3-1-2-3. O libero era o Marinho Peres, que havia jogado no Barcelona em função parecida, com o Rinus Michels. Ele ficava atrás da linha de três zagueiros: o Figueroa saía na caça, com o Cláudio e o Vacaria marcando os pontas adversários.

O Inter de 1976
 
Marinho Peres atuava como sobra, atrás da linha de três zagueiros

 
Mauro – Mas o Figueroa não saía tanto para cobrir as laterais… Esse era o maior problema tático da equipe?
 
Rubens Minelli – Sim. Quando o Cláudio avançava, por dentro, ficávamos um pouco desguarnecidos na lateral direita. O Figueroa era excepcional. Caçava o centroavante adversário, e deixava o Marinho na sobra. Até porque ele não tinha a mesma velocidade, embora tivesse bom passe. Mas o esquema funcionava. A grande sacaca era o triângulo no meio-campo, com o Caçapava na entrada da área marcando o meia-atacante adversário, e o Carpegiani ou o Batista pela direita e o Falcão pela esquerda. Quando todos os times atacavam, chegavam com dois meias. Um deles era marcado pelo único volante das equipes, e o outro era perseguido pelo quarto zagueiro.

Nós fazíamos diferente: quando o Inter tinha a bola, a base do nosso triângulo ficava voltada pro Manga, o nosso goleiro, e o ápice no ataque, com o Falcão, que eu adiantei mais; quando nos defendíamos, eu trazia o Falcão pra trás, e invertia a base do triângulo. Os nossos dois volantes marcavam os dois meias dos rivais que sempre vinham, e sobrava o Falcão. Nossa marcação começava mais à frente. Esse detalhe deu ao Inter toda a diferença em 1976.
 
Além disso, aperfeiçoamos a linha de impedimento que eu e o Marinho já fazíamos  desde a Portuguesa, e ele aprimorou no Barcelona. Nós marcávamos mais à frente, abafando o adversário.
 
Mauro – Não esqueço aquele gol contra o Coritiba, no Couto Pereira. Eram oito colorados contra dois coxas. Parecia a Holanda-74.
 
Rubens Minelli – Teve um gol mais impressionante, contra o Ceará, no Castelão. O zagueiro deles, o Artur, gostava de sair jogando. Mas, quando viu, tinha uma tropa em cima dele. Em vez de dar um bico na bola, tentou fazer o lance, trombou com o goleiro, e nós fizemos um gol muito engraçado. Esse era o nosso jeito de jogar. Atacávamos muito e nos defendíamos maravilhosamente bem.
 
Mauro – Esse 1-3-1-2-3 dava liberdade para os laterais?
 
Rubens Minelli – O Marinho ficava atrás da linha de três zagueiros. O Cláudio, quando avançava, ia por dentro, porque o Valdomiro jogava bem aberto, como ponta mesmo, e ainda marcava o lateral adversário quando ele apoiava. O Valdomiro era um monstro, com uma disposição tremenda, e um cruzamento perfeito, com a bola parada ou rolando. Ele fez o Flávio artilheiro em 1975, e o Dario, em 1976. Fora os escanteios que eram muito bem treinados. O Valdomiro batia onde estava o Carpegiani. Ele, de fato, servia de mira. Porque a bola ia até ele, mas quem chegava para cabecear vindo de fora da área era o Figueroa. Como o foi o gol do título do BR-75, contra o Cruzeiro.
 
Mauro – O Carpegiani era só “alvo” naquele time [risos]?
 
Rubens Minelli – Não. Ele era a referência técnica daquela equipe.
 
Mauro – Mais que o Falcão?
 
Rubens Minelli – Sim. O Carpegiani era quem ditava o ritmo da equipe.
 
Mauro – Aquele timaço não era só marcação. Sabia atacar. E muito, para um time gaúcho.
 
Rubens Minelli – O Vacaria tinha sido ponta-esquerda e cruzava muito bem. Ele avançava reto, ia bem ao fundo – isso quando o Lula fechava, ou trocava de posição com o Dario, que caía um pouco mais para a esquerda. Era uma das tantas jogadas que fazíamos. Mas, de fato, por ser tão ofensivo, era um time, digamos, pouco gaúcho. Era um time praticamente sem falhas. Muito técnico, forte e resistente. E que sabia entender as alternativas táticas.
 
Quando cheguei ao time, em 1974, no Sul só havia o Grêmio de rival de qualidade. E, mesmo assim, jogando fora de casa, 1 x 0 era goleada. Joguei o time pro ataque em todos os lugares, tentando mudar essa mentalidade de atuar apenas para não tomar gols, indepedente da qualidade do rival. Os grandes faziam 1 x 0 e terminavam atrás, dando bico pra frente. Consegui incutir de tal modo essa vontade de atacar que conseguimos ganhar o campeonato gaúcho de 1974 com 100% de aproveitamento.
 
Ganhamos os 18 jogos. Todos eles. Só tomamos dois gols. Mas o torcedor é gozado… Um frentista colorado me parabenizou pela conquista do Gauchão. Mas me cobrou para o ano seguinte que a gente não só ganhasse todos os jogos, como também não levasse nenhum gol! [risos].

Na defesa
 
Sem a bola, Falcão sobrava à frente da zaga, e os dois volantes marcavam os meias rivais

 
Mauro – O trabalho deu certo no Inter também por conta do preparador físico Gilberto Tim?
 
Rubens Minelli – Claro! E o pior é que o Inter queria trocar o Tim quando eu cheguei. Ele havia ganho todos os títulos estaduais… Mas eu resolvi apostar nele pela competência, além de ter um auxiliar gaúcho. Deu muito certo. Ele foi o primeiro no país a apostar na musculação para os atletas, para deixá-los mais fortes e resistentes.
 
Mauro – E quando não estava dando certo o Inter, entrava o Escurinho para decidir os jogos.
 
Rubens Minelli – Ele era o meu 12º. titular. Sempre jogava meia hora. E jogava bem. Tínhamos um lance forte, quando o Vacaria cruzava da esquerda para o segundo pau, e o Escurinho preparava para o centroavante ou para o Falcão. Dava sempre certo. Mas o Escurinho reclamava de só jogar meia hora. E eu respondia que, de fato, ele só jogava 15 minutos. E olhe lá [risos]…
 
Mauro – Para um treinador detalhista, como era estudar os rivais nos anos 70?
 
Rubens Minelli – Como sempre, a conversa com amigos ajuda bastante. Mas eu tinha o hábito de fotografar os adversários. Isso ajudava demais. Um fotógrafo tirava uns 60, 70 slides de jogos dos adversários. Na preleção, mostrava para o grupo, projetando as fotos na parede da cozinha. Todos gostavam e entendiam, menos o[ponta-esquerda] Lula.. Até que os próprios companheiros o alertavam, e tudo acabava dando certo. Eu também fui o primeiro treinador no Brasil a ter um videocassete. Isso foi essencial na montagem do São Paulo, campeão brasileiro em 1977.
 
Mauro – Aliás, o Muricy era seu jogador, e disse que você foi o mais completo treinador que ele teve. Você imaginava que ele pudesse virar o treinador que virou?
 
Rubens Minelli – Honestamente… [risos]. Ele já era meio turrão, ranzinza…
 
Mauro – Como todo bom treinador…
 
Rubens Minelli – Isso [risos]. Mas não esperava o sucesso que ele está tendo. E que merece por ser trabalhador e ranzinza. O técnico precisa ser assim. Porque o futebol é o único lugar onde o trabalhador manda no patrão. É preciso ter um comando firme.