Assistindo ao programa “Linha de Passe” da ESPN Brasil, na última segunda-feira, chamou-me a atenção a explicação que o jornalista José Trajano dava aos telespectadores sobre a transmissão dos jogos do Campeonato Espanhol pelo canal.
Dizia que, por contrato, o canal poderia transmitir, em rodadas alternadas, os dois melhores jogos – que, naturalmente, incluem Barcelona e Real Madrid – sendo um ao vivo e outro em VT.
E que no contrato isso, e aquilo…
Ainda mencionou a obrigatoriedade do canal em fazer referência, em jogos e em reportagens, à maior competição mundial de clubes como Uefa Champions League, e não como Copa dos Campeões da Europa ou outra denominação qualquer. Isso tudo porque “tá” no contrato.
Um dos princípios mais importantes previstos no conjunto normativo e regulamentar da Fifa diz respeito à estabilidade contratual. A partir dele, todos os protagonistas da “família futebol” – jogadores, clubes, agentes, associações nacionais – devem respeitar, mutuamente, aquilo que for negociado e pactuado por meio dos contratos.
Os contratos nada mais são do que acordos que racionalizam e formalizam a vontade das partes, sujeitando-as ao equilíbrio, transparência e previsibilidade quando da necessidade de invocar e exigir o cumprimento de obrigações reciprocamente assumidas.
Bastante apropriada parece a analogia à evolução dos princípios, das regras, das práticas e dos costumes ocorrida no comércio internacional, especialmente a partir do século XV e o que vivenciou o futebol internacional no século XX.
Da realidade das trocas comerciais efetuadas por povos de distintas nacionalidades, com costumes e práticas distintas, moedas e meios de troca diversos, além da discrepância normativa e da falta de mecanismos capazes de dirimir os conflitos, os protagonistas do comércio internacional trataram de criar soluções especializadas as suas necessidades.
O auge desta evolução e organização internacionais pode ser resumida na formação da Organização Mundial do Comércio, que baliza o relacionamento entre os Estados e também inspira as regras de conduta dos atos praticados entre os particulares da iniciativa privada.
Não à toa, a previsibilidade e segurança jurídica, que também passam por meios de solução de controvérsias adequados e especializados, aumentam e aceleram o intercâmbio internacional de negócios. E o futebol tem se beneficiado desta cultura regulatória internacional desde meados da década de 1990, a partir do estabelecimento dos Estatutos e Regulamentos da Fifa e sua Câmara de Resolução de Disputas e da invocação do Tribunal Arbitral do Esporte (CAS).
O fato de que a Liga Espanhola ou quem comercializa seus direitos de transmissão terem determinado quais jogos e quando poderão ser transmitidos não é à toa, aleatoriamente determinado. Isso é fruto do conhecimento profundo daquilo que se vende e do seu devido valor comercial agregado pela organização dos eventos – coisa que o futebol brasileiro ainda está engatinhando e sofre para vender seus campeonatos fora daqui.
A própria Uefa Champions League desenvolveu um trabalho extremamente minucioso de roteirização da competição, criando hino oficial, entrada e perfilamento das equipes em campo, logomarca, abertura das transmissões dos jogos, transformando seus eventos em experiência, não apenas em jogos de futebol. Daí a necessidade de preservar a identidade dos fatos com a marca e exigir esta observância dos parceiros em nível contratual.
Portanto, vale lembrar um ditado no Direito: quem entra num mau acordo, provavelmente acabará numa boa briga.
No meio disso, estão os contratos, justamente para equilibrar as forças dos que negociam e evitar maus acordos e, ainda mais, boas brigas.
Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br