Caros amigos da Universidade do Futebol,
Mais uma vez, neste espaço, vamos tratar da tão importante manutenção e preservação da verdade desportiva em prol da credibilidade e sobrevivência do esporte. O doping, as apostas ilegais, o anti-jogo, a falta de fair play, entre outros, contribuem para danificar a imagem do esporte, afastando torcedores, mídia, patrocinadores e investidores, tão importantes para o cumprimento da função social do esporte e também para garantir a viabilidade financeira das organizações desportivas (clubes, federações, ligas, etc).
Ontem, acompanhamos em Monza, o depoimento de Nelsinho Piquet sobre a farsa do acidente que contribuiu para a vitória do seu ex-companheiro de equipe, Fernando Alonso. Segundo o brasileiro, aquele acidente teria sido premeditado pela equipe para beneficiar o piloto espanhol na sua trajetória para a conquista do título mundial de Fórmula 1.
Neste episódio, temos dois fatos a serem abordados, de igual importância e relevância para a questão levantada no primeiro parágrafo desta coluna. Tais fatos podem e devem servir de exemplo para qualquer outro esporte e, principalmente, para o nosso futebol.
Em primeiro lugar, houve uma ordem da equipe para que o piloto praticasse um ato contrário ao princípio basilar do esporte, segundo o qual todos os competidores, sem exceção, devem entrar no torneio para vencê-lo.
Uma ordem dessa natureza pode ter várias motivações. No caso em comento, havia uma preocupação em favorecer outro piloto. Mas existem outras motivações clássicas no futebol, por exemplo, que poderiam acarretar em uma ordem dessa natureza: ajudar ou atrapalhar os planos de outro clube, manipular resultados para fins de apostas desportivas, ou mesmo para favorecer o próprio clube em fases subsequentes da competição.
Independentemente da motivação, temos que repudiar com todas as forças uma ordem dessa natureza. Vale lembrar que cada corrida, cada jogo, cada disputa, individualmente considerados, têm o seu valor, que é literalmente pago por torcedores, mídia, patrocinadores, etc. Esse valor individual não pode ser desconsiderado em prol de toda uma competição. Um torcedor, por exemplo, que vai assistir um jogo de seu time, que está em primeiro lugar, não gostaria de saber que naquele jogo específico o time não vai entrar para ganhar.
Temos que examinar também o cumprimento dessa ordem. No calor dos acontecimentos, os atletas, pilotos, etc, ficam muitas vezes à mercê dessas ordens manifestamente irregulares por conta de pressões de todos os lados, inclusive financeira (e.g. risco de perder o emprego). Sabemos que o ideal seria que essa ordem não fosse cumprida pelos atletas. Mas entendemos também a situação difícil deles, de forma que, apesar de não podermos isentá-los, temos que reconhecer que a culpa mais grave está com quem emite a ordem viciada.
O segundo momento importante desse episódio que gostaríamos de comentar é a posterior denúncia de Nelsinho Piquet. Esse fato (a denúncia) tem um contexto psicológico semelhante ao ato de obedecer ou não a ordem dada. Mas nesse caso, a confissão a posteriori permite que o atleta ouça conselhos de seus assessores, amigos e familiares, e possa tomar uma decisão com mais tempo e calma.
Não é nada fácil abrir o jogo, mesmo porque os atletas sabem que, anos depois, serão eles os mais lembrados pelo ato equivocado, e, eventualmente, os únicos a serem efetivamente punidos.
Nesta medida, temos que incentivar os atletas para levarem a diante tais denúncias, promovendo, na medida do razoável, a redução de pena para o atleta confesso. O importante é cercar o mal, e cortá-lo pela raiz, ou seja, punir e eventualmente eliminar as pessoas que costumeiramente emanam tais ordens contrárias à natureza do esporte, bem como punir os atletas envolvidos, mas garantindo a eles a possibilidade da justa reinserção no esporte.
É por isso que esta coluna é dedicada ao Nelsinho Piquet. E que ele sirva de exemplo para todos os outros atletas. Não por conta do seu envolvimento no acidente alegadamente forjado. Mas pelo ato corajoso de trazer a verdade à baila e permitir que os culpados sejam devidamente punidos.
Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br