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Um pouco da minha história…

Na revista Ludens (Outubro-Dezembro de 1979) do ISEF de Lisboa, escrevi um artigo intitulado “Prolegómenos a uma ciência do homem”, isto é, há trinta anos, onde defendia que “o desportista do futuro não vai ser aquele que pratica tão-só, mas aquele que compreende as práticas corporais como formas universais de inteligibilidade” e portanto com a consciência também da necessidade de uma ciência que confira paradigma científico e dignidade universitária aos jogos, aos desportos (e ao treino desportivo), à ginástica. A essa ciência, proveniente de um corte epistemológico, no seio da educação física, entrei de chamar ciência do movimento humano, referindo que se tratava de uma ciência humana, mas confundindo movimento com motricidade, pois que acrescentava que o objecto de estudo deste novo paradigma é o ser humano em movimento intencional.

Ora, movimento com intencionalidade, segundo a fenomenologia, é motricidade. Três anos depois, já falava, nas minhas aulas, na ciência da motricidade humana (CMH) e apresentava o método integrativo (ou da complexidade) como o adequado a esta área do conhecimento.

De acordo com Louis Althusser, se há uma nova ciência, há uma nova teoria, uma nova metodologia e uma nova prática. A teoria é a CMH, a complexidade é o método, e a prática é a totalidade humana, em movimento intencional e não o físico tão-só. Eu sei que nada do que adianto neste artigo é novidade. Mas foi-o, há trinta anos, quando se escrevia: “É no âmbito da fisiologia aplicada, fisiologia do trabalho muscular e fisiologia do exercício que a metodologia do treino desportivo tem a sua fundamentação científica” (Teotónio Lima, Alta Competição – desporto de dimensões humanas, Livros Horizonte, Lisboa, 1981, p. 122). Nesta altura, já eu adiantava que a fundamentação científica do desporto era uma nova ciência humana, onde o físico está integral, mas superado.

Assim, se o desporto é um sistema de acção complexo que exige uma análise sistémica de causalidades múltiplas – na visão global do desporto e na preparação do desportista há muitas dimensões a ter em conta, para além do que geneticamente se é: a física, a psicológica, a sentimental, a moral, a social, a política -, todas elas elementos irrecusáveis do desporto e do desportista! Era o tempo em que se valorizava, com admiração incontida, o futebol-total holandês do treinador Rinus Michels e do jogador Johan Cruyff.

Também, inspirado no futebol-total, os treinadores russos Lobanovsky e Vassiliev criaram, na década de 70, o chamado futebol científico, onde Blokhine era, de facto, um intérprete genial. “Flecha da Ucrânia” assim o cognominavam os jornalistas. E, não sendo um Cruyff, mostrava uma intuição genial. Com mais poder físico do que Messi, aproximava-se dele (sem o igualar), no improviso das fintas. Em 1975, foi distinguido com a Bola de Ouro, sendo assim considerado o melhor jogador da Europa. Mas o futebol científico morreu, logo que Blokhine deixou o futebol.

 

Conheça um pouco mais da história de Oleg Blokhine

 

É que o futebol científico fundamentava-se nos Fundamentos do treino desportivo e em O processo do treino desportivo, de Metvéiev, onde a importância dos factores técnico e táctico se subordinavam à lógica da adaptação funcional do praticante.

“À medida que se aperfeiçoa o processo de treino desportivo, especialmente as suas bases científicas e metodológicas, o seu conteúdo, a sua orgânica, as disponibilidades materiais e técnicas aumentaram o seu efeito, no nível geral dos resultados desportivos” escreveu este autor nos Fundamentos do treino desportivo (1977). Só que os factores dinâmicos da adaptação funcional são simples elementos, ao lado de uma multiplicidade doutros factores que compõe a complexidade humana. No conhecimento científico, hoje, sempre que se pensa em um aspecto da realidade, há muitíssimos outros a ter em conta, sem os quais ele não se entende. A ideia de relação é, hoje, uma ideia nodal. A complexidade é a multiplicidade dos elementos, em relação incontornável, constante.

Portanto, no desporto, o que é humano comporta uma dimensão físico-biológica e o que é físico-biológico integra uma dimensão humana. Criar um novo paradigma (neste caso, uma ciência humana), organizar o desporto à luz deste novo paradigma e apontar a necessidade de aprender a pensar de forma relacional, no desporto, foi talvez a grande novidade que eu, com o pouco que tenho e o quase nada que sou, trouxe para o desporto, há trinta anos. Nós isolamos os factores, para podermos estudá-los. A complexidade, ao invés, diz-nos que tudo está ligado, nada está isolado, tudo é interdependente.

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br

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Com o dinheiro dos outros

Desde logo, recomendo a quem não assistiu ao filme “Com o dinheiro dos outros”, que inspira a coluna desta semana, que o faça, para ajudar na compreensão da realidade financeira de nosso futebol, num paralelo interessante.

No longa metragem, Danny de Vito interpreta Larry Garfield, um investidor inescrupuloso de Wall Street, especializado em adquirir o controle acionário de empresas à beira da falência.

Para Larry, a única coisa que interessa é o lucro: quanto maior e mais imediato, melhor. Seu apelido é “o Liquidador”, pois compra e liquida empresas que não estejam sendo extremamente lucrativas.

Larry, o Liquidador, quer comprar ações da fábrica dirigida por Gregory Peck no filme – com a intenção final de fechá-la, vender as máquinas, e usar o terreno em alguma outra atividade na qual possa lucrar mais. Milhares de trabalhadores perderão seus empregos? Sem problema, diz Larry, pois o compromisso dele é com os acionistas.

Clubes de futebol, no Brasil, são, em sua maioria absoluta, associações civis sem fins lucrativos.

Isso não significa que não possam perseguir fontes de receita planejadas e duradouras, bem como financiamentos com bancos ou investidores capitalistas. A pergunta não é por que, mas, sim, como isso é feito.

Nessa semana, fiquei surpreso ao ler no jornal Zero Hora que até o cantor Gabriel, o Pensador, é parceiro investidor do Inter e tem jogadores no elenco sub-20 do clube. Disse que gostou da brincadeira e quer ampliar seus investimentos.

Diversos são os exemplos do futebol sendo destino de investidores. O Banco BMG já declarou que organiza um fundo de R$ 50 milhões, voltado ao mercado de direitos econômicos sobre jogadores. O Coritiba seria um dos clubes beneficiados.

A Traffic já realiza este modelo de negócios junto ao Palmeiras. O Grupo Sonda também desenvolve negócio similar com Santos e Inter. LA Sports opera no Paraná Clube e no Avaí.

Existem fatores importantes para atração de investidores, seja qual for o ramo de atividade econômica – o futebol não foge disso. A gigantesca captação na Bovespa, realizada pelo Santander, traduz o grau de confiabilidade dos acionistas na gestão do banco, na sua história, no seu planejamento de curto, médio e longo prazo, além do contexto macroeconômico do país e a perspectiva de realização de lucros e conseqüente distribuição de dividendos.

Quando se investe num clube de futebol, particularmente nos ativos de mais rápida valorização (jogadores), espera-se obter lucro dentro de um prazo contratual estipulado.

Os clubes, em geral, estão numa posição financeira fragilizada e necessitam de financiamento para suas operações, direta (dinheiro) ou indiretamente (projetos co perspectiva de receita futura). Eis a margem de especulações e descaminhos.

O clube não almeja o lucro. Almeja a sustentabilidade financeira. O investidor visa o lucro.

A acomodação destes interesses e dos prováveis conflitos não é simplória. Mas quanto mais transparente e regulamentada for (contratualmente), melhor.

Quem faz o quê. Quem investe. Quem administra. Quem vende. O que se vende. Quando se vende. Como se faz tudo isso.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br