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Jogos de poder

Tem alguma coisa estranha acontecendo. Muito estranha.

O futebol brasileiro, nos últimos tempos, tem se configurado pela divisão de poder entre três principais agentes: a CBF, o Governo Federal e a Rede Globo. A convivência entre eles é sensivelmente estável e tem lá seus benefícios para aqueles indiretamente envolvidos. Ora um se rebela, ora outro, mas nada que crie maiores rupturas.

No final dos anos 90 e começo do século XXI, quem se rebelou foi o governo. CPIs foram realizadas, a CBF foi investigada e pessoas foram indiciadas. Abriu-se espaço para a criação de novos marcos legislativos e se imaginou um novo amanhecer, mas aí, veio uma missão pacificadora da ONU no Haiti e tudo voltou ao que era antes.

Nesse meio tempo, aconteceu também um pequeno incidente. Livros e reportagens dão conta de um pagamento de US$ 60 milhões feito pela Globo à Fifa, em 2001, pelos direitos da Copa de 2002, que acabou nunca chegando ao seu destinatário final, uma vez que o pagamento havia sido feito à ISL, que comercializava os direitos da Copa na época, e a empresa faliu, o que fez com que o dinheiro sumisse. Com a empresa falida e sem o dinheiro em mãos, a Fifa não reconheceu o pagamento e exigiu que a Globo efetuasse outro pagamento, coisa que a empresa, aparentemente, se recusou a fazer. A Fifa insistiu. E a Globo, conforme sugerem reportagens veiculadas pela imprensa na época, aparentemente contra-atacou com o famoso Globo Repórter sobre o Ricardo Teixeira, que, por sua vez, ameaçou e de fato adiantou o horário de um jogo de meio de semana da seleção brasileira contra a seleção argentina para as 20h, o que fez com que a Globo tivesse que alterar o horário dos seus dois principais programas diários, atrasando a exibição do Jornal Nacional e da posterior novela. Pouco tempo depois, a Fifa reconheceu o pagamento e todo mundo se acertou.

Naquela época, a CBF estava fragilizada pela derrota da seleção na França, pela derrota da seleção na Austrália e por duas CPIs. Além disso, a cúpula do futebol brasileiro não desfrutava de boas relações com o governo. Ainda assim, tudo se acertou, mas a relação, assim como a grande maioria das relações humanas, senão todas – dependendo do ponto de vista, baseava-se essencialmente na busca por interesses individuais dos três principais agentes envolvidos no sistema. Teoria do jogo, pura e simples. Era um triângulo do eu-faço-o-meu-até-o-limite-que-incomode-o-seu, e vice-versa.

Mas eis que agora as coisas parecem caminhar de uma maneira diferente. A CBF nunca, jamais, foi tão poderosa quanto é hoje. E ela mesma deve saber disso. E também nunca desfrutou de um caminho tão aberto ao Governo Federal desde os tempos do Brasil pós-Real. CBF e Governo Federal, hoje, são carne e unha, uma vez que há um evento com uma série de complicações que precisa ser realizado, e qualquer coisa que dê errado, certamente, afetará enormemente a atual boa reputação de ambos e seus respectivos planos para o futuro.

Sobra a Globo que, aparentemente, goza de menos prestígio e poder do que anteriormente. Seus executivos propõem mudanças no sistema de disputa do campeonato, possivelmente por conta da demanda de seus superiores no aumento imediato de audiência. A empresa quase que dobrou o valor pago pela transmissão do campeonato brasileiro, e imagino que se espere que o aumento no gasto também signifique um aumento minimamente proporcional na receita e na audiência com a transmissão do futebol, o que, por sua vez, não aparenta estar acontecendo.

Tudo isso pode motivar a Globo a anunciar publicamente propostas de mudanças no formato da competição. Em outro momento, a CBF também possivelmente daria ouvidos. Hoje não. Ao que tudo indica, atualmente, a CBF precisa muito menos da Globo do que a Globo precisa da CBF.

E isso é muito, muito estranho mesmo.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br