Categorias
Sem categoria

III Conferência Nacional de Esporte e Lazer: intervir é preciso!

Era uma vez, um general que não deixava seus “colegas de farda” do QG em paz… Para ele, princípios e ética eram inegociáveis, e nada no mundo justificava abrir mão deles em nome de interesses políticos. Longe de se perceber “apolítico”, era daqueles poucos que sabiam discernir entre política e politicagem

Pois bem… Irritados com aquele general, puseram-se os demais a pensar uma maneira de retirá-lo do jogo… Pensa daqui, pensa dali e… Alguém traz uma ideia genial, logo aprovada por todos.

– Por que não envolver o general em uma guerra de mentirinha, camuflando-a de modo a parecer verdadeira a seus olhos? Assim pensaram e assim fizeram, e daquele dia em diante o general, crédulo na humanidade e absorto em sua importante missão, nunca mais os incomodou em suas ações e estratégias voltadas para o mundo da política real…

Lembrei-me dessa pequena estória por conta de alguns acontecimentos no campo esportivo… Estamos (quase) todos com as atenções voltadas para a África do Sul, não por conta dos problemas que a afligem e ao continente africano, mas sim pela Copa do Mundo de futebol que lá acontece, deixando em segundo plano tudo o mais… Das eleições presidenciais até outros assuntos do próprio universo esportivo, como a realização da III Conferência Nacional de Esporte e Lazer, organizada pelo Ministério do Esporte.

O modelo conceitual da Conferência não poderia ser mais bem desenhado: trata-se de ampliar a participação da sociedade civil organizada nas questões afetas à definição das políticas esportiva e de lazer brasileiras, trazendo para esse espaço aquilo que já se encontra enraizado na cultura política de outros campos/segmentos sociais, qual seja, a imperiosa necessidade da presença do controle social e da participação popular na definição das ações do poder público voltadas para a elaboração e execução de suas políticas.

Sua primeira edição, em 2004, deu-nos a impressão de que ela viria pra valer. Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano foi seu tema central. Experiência impar, dada a ausência quase que absoluta da tradição de espaços de construção coletiva e colegiada das decisões tomadas na história esportiva brasileira, mais acostumada com conferencistas que se recusavam a dialogar com o público, seja lá o sentido que queiram dar a esta expressão.

A segunda, em 2006, embora já carregasse o peso da desconfiança pela ausência de implementação das deliberações havidas por ocasião da 1ª, ainda mobilizaram municípios, estados e regiões em fases que antecederam sua etapa nacional, colocando todos refletindo sobre o sistema esportivo e de lazer brasileiros. Construindo o Sistema Nacional de Esporte e Lazer foi seu nome de batismo, expressando nele próprio o reconhecimento do atraso da área diante da mera constatação dos 18 anos que então completava o sistema nacional de saúde e os outros tantos da educação, ao lado de um debate no campo da cultura que já a colocava à frente da esfera esportiva.

A não realização de sua 3ª versão em 2008, ou mesmo em 2009, já anunciava algo pouco promissor. A falta de vontade política do Ministério do Esporte de dar vazão à construção das condições objetivas para a consecução das deliberações tomadas naquele fórum ficou evidente tanto com o simples enumerar das deliberações que vieram a se materializar em política de governo, quanto com o próprio anúncio do tema central da III Conferência, convenientemente pensada para 2010, ano eleitoral: Plano Decenal do Esporte e Lazer: 10 pontos em 10 anos para projetar o Brasil entre os 10 mais.

Aquilo que era central na 2ª Conferência se mistura a outros eixos de debate, numa clara perda de importância facilmente compreendida pela ausência de disposição dos senhores dos anéis de debaterem mudanças em uma estrutura que lhes vem servindo como se feita sob medida a seus interesses de manutenção do status quo… Quem se habilita a fazer um levantamento dos anos de empoderamento desses senhores à frente de suas entidades? É um acinte à lógica democrática!

O documento que a anuncia é forjado em uma matriz aparentemente ousada, mas tacanha quando revelada sua base paradigmática – a do alto rendimento – e sua perversa materialização em políticas de governo só não é percebida pelos… Que se envolveram na guerra de mentirinha, tal qual o general de nossa estorinha…

Se não ficarmos atentos, seremos vítimas de engodo, legitimando aquilo já decidido na guerra de verdade, na política real… Peguemos, por exemplo, a realização, em nosso país, da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, de cuja decisão participaram Fifa e CBF e COI e COB, respectivamente, bem como a política de financiamento do esporte desavergonhadamente voltada para o alto rendimento em detrimento da compreensão do direito ao acesso ao esporte e ao lazer por parte da sociedade brasileira… A quem duvida, convido a fazer uma breve análise da execução orçamentária do Ministério do Esporte desde sua criação até os dias atuais, triste constatação para quem acreditava na mudança…

Engodo, segundo o “Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa”, é “coisa com que se seduz alguém…”. Deixa-se engodar aquele que permite ser enganado com promessas vãs. Não podemos permitir sermos empulhados, alvos de zombarias…

Voltemos nossas atenções para o lócus da política concreta; reconheçamos o caráter conservador, retrógrado e reacionário do campo esportivo e a aliança com ele construída por setores aparentemente progressistas; identifiquemos no projeto Brasil potência esportiva o modelo que dá as costas às desigualdades sociais que nos fazem, aí sim, imbatíveis; reconheçamos em nossos jovens futebolistas, “pé-de-obra” vendida no mercado internacional da bola por empresários que nada ficam devendo aos donos de escravos de um passado não tão remoto como parece ser.

Mas também reconheçamos, lançando mão do princípio da contradição, o caráter não monolítico das instituições, buscando fortalecer seus setores dotados de postura contra-hegemônica capaz de subverter a relação de poder hoje configurada, única possibilidade de darmos sentido emancipatório ao processo de participação popular na construção da política esportiva e de lazer brasileira.

Que a resposta à pergunta sobre qual conferência queremos – a do engodo ou a da qualificação da participação popular/controle social na elaboração e execução de políticas de esporte e lazer – não só não deixe dúvidas quanto ao compromisso com a defesa da segunda premissa, como também contribua na mudança da correlação de forças historicamente presente no campo esportivo, condição indispensável para que, arejando-o, oxigenando-o, também nele possamos afirmar que a esperança venceu o medo.

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

A Fifa e o Marketing de Emboscada

A emboscada é tão antiga quanto as batalhas. A partir do momento em que diferentes grupos começaram a entrar em combate, a emboscada foi adotada como estratégia.

A idéia da emboscada é simples. Se você tem um grupo forte e vai entrar em conflito contra um grupo fraco, você vai pra cima no combate direto. Se você tem um grupo fraco que vai entrar em combate contra um grupo forte, porém, você precisa adotar uma estratégia que permita anular a força do inimigo e fazer com que a situação lhe dê alguma vantagem no combate. Daí, então, você tenta a emboscada, que consiste em uma ação planejada que faz uso do elemento surpresa e das condições ambientais para colocar o inimigo em uma situação de inferioridade, mesmo que ele seja mais poderoso ou em maior número.

Para uma emboscada dar certo, ela precisa ser muito bem planejada, muito bem organizada e muito bem executada, além de ter que contar com uma certa dose de ingenuidade do inimigo. E foi tudo isso que a cervejaria holandesa Bavaria fez nessa Copa. Foi uma ação de marketing de emboscada primorosa.

Quando as câmeras do estádio que era palco de Holanda x Dinamarca mostraram o grupo de torcedoras holandesas trajando micro-vestidos alaranjados, ninguém que não fosse da Holanda imaginava que aquele era um grupo de torcedoras organizado por uma empresa. Aos olhos internacionais, era apenas um grupo de amigas que deveria ter viajado para a Holanda para festar durante a Copa do Mundo. Aos olhos da Fifa, era uma ameaça à Ambev, dona da Budweiser e patrocinadora oficial do evento. Tanto era uma ameaça que o grupo de meninas foi arrastado com certa violência para longe de suas cadeiras e levado a uma sala do estádio onde ficaram trancadas por algumas horas. Duas delas, supostamente as organizadoras e de fato as únicas holandesas do grupo, foram inclusive presas posteriormente, acusadas de infrigir a nova lei que a África do Sul criou para a Copa que torna o marketing de emboscada crime.

E foi aí, bem aí, que a Fifa caiu na emboscada armada pela Bavaria. A verdade é que se a Fifa não tivesse feito nada, ninguém ia saber que os vestidos que as meninas usavam eram parte de um brinde distribuído pela Bavaria na Holanda, afinal nem marca eles tinham – diferente das calças que a mesma empresa distribuiu em 2006 e que fez com que alguns torcedores tivessesm que assistir a um jogo da Holanda de cuecas. Mas como a Fifa tomou uma contra-medida desproporcional, algo que era previsível, o caso teve repercussão mundial, e os poucos milhares de euros gastos pela Bavaria na confecção dos vestidos e na contratação das meninas, se transformou em milhões de euros ganhos com exposição espontânea. A Fifa caiu como um patinho. A ação foi rápida, bem planejada e organizada, e o inimigo foi extremamente ingênuo. Típica emboscada.

Uma marca de jeans, que eu não sei qual é, tentou fazer a mesma coisa ao estender uma camisa gigante na torcida do Brasil durante o primeiro jogo. O programa Pânico também, aparentemente, colocou uma faixa na beira do gramado. Como não houve uma reação desproporcional, os casos não ganharam maior repercussão.

O da Bavaria não. Foi no ponto. Be-a-bá do marketing de guerrilha. Case de estudo para faculdades.

Pena que a cerveja é ruim.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br