Não é verdade. Ronaldo não parou de fazer gols. Porque ele é artilheiro, o maior das Copas, não precisa ser o craque que foi. Ele é goleador. É Ronaldo. Não precisa parar com a bola, ainda que viesse parando a cada gol perdido, a cada lance não corrido, a cada jogo que empurrava com a barriga.
Ronaldo não parou com a bola. Nem ela parou com ele. É mentira. Como só pode ser história da carochinha o cara ter ficado quase dois anos parado com o joelho detonado e voltar como campeão do mundo e artilheiro da Copa-02. É coisa de cinema. E foi cinematográfica como aquelas jogadas de videogame, aqueles gols de futebol de botão, aqueles jogos que pareciam virtuais pelo Cruzeiro, PSV, Barcelona, Internazionale, Real Madrid, Milan e Corinthians.
Não sei se Ronaldo decidiu na hora certa a saída de campo. Mas sei que, no gramado, desde 1993, para não escrever desde 1863, quase ninguém decidiu melhor que o Fenômeno. Tão fenomenal que valia quanto pesava mesmo quando, a partir de 2004, teve de brigar com rivais, quilos e línguas malignas. Nenhum outro gênio teve de driblar tantas lesões quanto ele.
Campeão do mundo com 17 anos sem jogar. Vice-campeão do mundo absurdamente escalado depois de ter convulsionado no dia da final. Penta e artilheiro em 2002. Um dos que se salvaram ao final das contas em 2006. Um que mais uma vez goleou críticos e cricris ganhando o Paulistão invicto e a Copa do Brasil em 2009. Um que trouxe muito dinheiro ao banco do Corinthians. Mais um que rapidamente virou louco no bando. Mais um dos que foram menos na eliminação prematura para o Tolima.
Pelos últimos meses, Ronaldo deveria ter parado, se é que já não havia parado. Por todos esses 18 anos de carreira, Ronaldo será sempre eterno. Precisa ser respeitado e admirado. Até quando pisou na bola, muito mais fora que dentro de campo, Ronaldo sempre foi mais humano. Mais humilde. Mais fenomenal.
Um marco que virou marca. O primeiro e maior dos Ronaldos. Um mito que, neste planeta um dia habitado por Pelé, foi o maior dos craques e dos cracketings. Gênio da bola e das boladas.
Dizem que não soube a hora de parar. E, por acaso, alguém sabe? Certamente não os que o aposentavam na Seleção depois de 1998 por suposta “falta de espírito de decisão”. Certamente não os que o achavam uma lata velha e enferrujada em 2002. Certamente não os que não quiseram ver a evolução dele durante a Copa de 2006. Certamente não os que achavam que não daria certo no Corinthians de 2009. Certamente não os que acham que futebol é apenas matemática e medicina.
Ronaldo driblou a medicina e fez números que nem a matemática soube calcular. Nem as finanças sabem contabilizar o que ganhou e o que fez muita gente ganhar e sorrir escancarado.
A tristeza não é pelo modo como Ronaldo parou ou foi parado pela falta de modos. A dor é por saber que, gordo ou magro, velho ou jovem, parado ou correndo, a esperança de que dali sairia algo fenomenal ninguém vai ter mais. Porque poucos, na história, foram tão imprevisíveis quanto ele na previsibilidade de que, de algum jeito, a bola pararia no fundo da rede.
O previsível fim chegou. Não há quem não fique doído como os joelhos destroçados dele. A dor de imaginar quanto mais ele não faria se não fosse o peso das dores patelares dos últimos 12 anos e dos quilos a mais nos últimos sete. A dor de ter certeza que dali não vai mais sair gol.
Ronaldo é um fenômeno não pelo insólito e pelo inédito. Mas pelo fenômeno de ser sempre fenomenal.
Tente ser um mito com aquele peso sobre as costas e sobre as pernas. Tente fazer tudo que ele fez pelos clubes e pelo Brasil e pelos cofres. Tente superar lesões e lesados. Tente ser Ronaldo.
Tantos tentam. Tantos caem em tentações. Até ele. Mas, no final que chegou, só havia ele cruzando a linha fatal. Só havia um Ronaldo.
Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br
*Texto publicado originalmente no blog do autor, no portal Lancenet.