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Segundo conto

Ela saiu da água com a naturalidade de uma sereia habituada ao livre trânsito entre o mar e a terra. No caminho até o guarda-sol azul das velhas senhoras, foi derrubando, um a um, os queixos dos craques do Jura Que Sabe. Com elas riu, tirou fotos, aceitou a caipirinha e sentou-se na cadeira de pano. Deviam ser suas tias as tais senhoras. Ficou pouco por ali. Inquieta, levantou-se e caminhou, como em câmera lenta, na direção de Guimba. A meio metro do craque, Dolores – era o seu nome – pediu:

– Tio, o senhor tem fogo? – ela segurava o cigarro na mão direita.

Tio! Foi como matá-lo. Tio! Um golpe certeiro, xeque-mate, a classificação final.

Foi a única vez que Guimba lamentou ter largado o vício. Não poderia servi-la, mas André, o antropólogo, sim. O jovem barbudo correu a acender-lhe o cigarro. Dolores agradeceu com um sorriso e voltou às tias, dando-lhes as costas.

Por alguns segundos ouviu-se um profundo silêncio de contemplação. Como se tivessem combinado, os craques respiraram fundo e retomaram, aos poucos, o fôlego e a fala. O assunto voltou a ser o jogo. Vieram a Suarão, ali no litoral Sul de São Paulo, para jogar contra uma equipe local. Apanharam no campo e fora dele. Os adversários eram violentos e o juiz mal intencionado. Depois da partida foram curar as dores da derrota na praia. Bramas e caipirinhas tinham poder de bálsamo. Dolores surgiu como um colírio inesperado, mas apenas para os olhos. Só que André não pensava assim. Os craques duvidando dele, diziam em tom de chacota, “vai lá, vai lá”. E ele foi. Aproximou-se tímido, sorriso amarelo, as tias olhando. E porque não sabia o que dizer, falou:

– Me dá um autógrafo?

E as tias riram, Dolores riu, as senhoras disseram “que gracinha!”, e isso animou André, que repetiu a pergunta.

– Me dá um autógrafo?

– Onde? – perguntou Dolores.

– Na minha mão.

E ela deu, escreveu um D bem grande seguido de seis letras pequenininhas. Por alguns segundos Dolores teve a mão de André entre as suas e ele pôde sentir-lhe o calor e a maciez. Adiou tirar a mão, esboçou um sorriso e um obrigado e voltou ao grupo, cabeça erguida, orgulhoso. Curiosos, os amigos serviram-lhe cerveja, queriam que ele contasse tudo, e André assim, assim, retardando a descrição, fazendo-se de difícil, curtindo o momento de glória!

– A boca, vocês viram? – dizia André. – Os lábios, o que é aquilo? Os olhinhos apertados, o cabelo caindo em cascatas pelos ombros.

– Volta lá, volta lá – diziam todos.

E ele foi. Foi e a convidou para tomar um picolé. As tias fizeram que sim com a cabeça e Dolores aceitou. E saíram os jovens pela praia, arrastando os pés pela areia. Pediram de uva. O sol era forte e o picolé pingou na mãozinha de Dolores. André pediu para limpar e o fez com a boca. Dolores riu. E assim eles andaram pela praia, os amigos acompanhando de longe. Foi quando um rapaz chegou onde estavam as tias e perguntou por ela. O moço era grande, do tipo sarado, um atleta. Disseram-lhe que Dolores tinha ido buscar um picolé, estava quente, que ele fosse dar uma volta, ela já voltava. O moço era calado e grande, e disse que preferia esperar ali.

– Ele vai matar o André – disse o Zoca.

– Se ele engrossar, a gente vai lá – falou o Guimba -, eu bato em cima e você pega por baixo – disse, dirigindo-se ao Zoca.

– Não sei, não – falou o Zoca -, o cara é muito grande.

– É grande mas não é dois. A gente pega ele se ele engrossar com o André – completou o Pé de Valsa, animado pelas bramas.

Daí a pouco chegou o casal.

– Oi, Du, esse é o André, um amigo que conheci aqui na praia. Ele me comprou um picolé.

E Dolores dizia isso como se fosse a coisa mais natural do mundo. André, pela cor do rosto, não parecia achar isso tão natural assim. Foi quando o moço resolveu levantar. E não parava mais de crescer. Olhou André lá de cima e disse:

– Faz o seguinte André, me busca um desse, de uva. Quanto é?

– Nada, não é nada – disse o nosso antropólogo. – Eu busco, eu busco.

E André ainda pôde ver o moço enlaçando a cintura de Dolores, que se entregava ao beijo com ardor.

Do lado do Jura Que Sabe a tensão se estabelecera. Eles eram muitos. Por mais que o moço fosse grande, se tivessem que defender André, o torcedor mais fervoroso do esquadrão, embora não jogasse nada, o fariam destemidamente.

André voltou correndo, para não dar tempo do picolé derreter. Tremia de apreensão quando entregou o sorvete ao moço. O pior de tudo era a calma do rapaz. Ele bem poderia ter visto André limpar o pingo do picolé com a boca.

Mas não, o moço não se alterou. Com Dolores enganchada em seu pescoço disse, simplesmente:

– Obrigado. Pode ir.

E André foi, um tanto cabisbaixo, em direção aos amigos. Chegou, sentou-se, pegou uma brama e bebeu direto da garrafa. Os amigos, indignados, comentavam, “Ele vai deixar barato?”, “Não vai reagir?”, “É muita humilhação, seria melhor apanhar”, “Foi tratado como menino de recados”. André tomava sua cerveja indiferente aos comentários. No guarda-sol das tias, Dolores, enganchada no pescoço do grandão, desfilava sua graça.

Guimba não aguentou. Sentou-se ao lado do jovem antropólogo, prestou solidariedade e perguntou se ele queria ajuda. Ele, Guimba, caso André quisesse, iria ao espaço das tias e chamaria o grandão às falas. Aquilo não se faz, dizia ele, e tamanho não é documento. Um membro do Jura Que Sabe não se curva a humilhações.

Estranha era a calma de André, a tal ponto que irritou Guimba. Quando o craque do Jura Que Sabe já se levantava para ir embora, André abriu lentamente sua mão direita e mostrou-a a Guimba. Lia-se, abaixo de Dolores, escrito em números pequenininhos e delicados, o celular da sereia.

Para interagir com o autor: jbfreire@universidadedofutebol.com.br

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Lealdade

Diz-se que o torcedor de futebol é dos consumidores mais leais a uma marca se comparado a outras plataformas de consumo. Esse fato pode ser evidenciado ao observarmos que muitos clubes possuem representatividade global, com marcas mundialmente conhecidas, sendo que tanto seu faturamento quanto o número de funcionários o enquadraria em uma classificação de organização de médio porte e não como multinacional.

Sue Bridgewater*, no livro “Football Brands”, cita Reichheld (1997) ao analisar o que seria a evolução de um cliente em relação à marca de um clube de futebol ao passar por estágios de valor crescente ao longo do tempo:

- Retorno inicial (venda de ingressos);

- Aumento do volume da atividade (frequência mais regular de consumo; compra de réplica de camisa oficial ou consumo de produtos em promoção);

- Custos de marketing reduzidos (compra de ingressos para a temporada, com custos de comunicação mais baixos; envolvimento em atividades do clube de forma espontânea);

- Indicações (o cliente traz e pode influenciar positivamente outros clientes);

- Mais valia (indivíduos com mais recursos podem se envolver em patrocínio, eventos e ações corporativas e até mesmo investir no clube)

Essa classificação e evolução sistemática do consumo por parte dos torcedores em relação ao clube chamou minha atenção por perceber que, no Brasil, trabalhamos a partir de um conceito pouco customizado, ou seja, tratamos todos os torcedores de maneira idêntica e, consequentemente, subjugamos todo o potencial que alguns indivíduos podem ter em relação à marca do clube.

A gestão das informações também é falha. Desconheço clubes que alimentem um banco de dados com informações fidedignas sobre os movimentos de consumo de seus torcedores, contemplando uma visão geral sobre estes (ou outros quaisquer) fatores levantados e propostos por Reichheld.

As ferramentas para controle e acompanhamento dos consumidores são fundamentais para otimizar recursos e potencializar a relação de troca com os torcedores. Este é apenas mais um exemplo daquilo que muitos especialistas da área de marketing e gestão do esporte percebem como uma lacuna ainda mal explorada nos clubes brasileiros, havendo enormes possibilidades de avanço com a finalidade de se incrementar novas e duradouras receitas.

*BRIDGEWATER, Sue. (2010). Football Brands. Hampshire: Marwick Business School.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br