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Você vai montar o seu treino? Não esqueça (e cuidado com) o princípio das propensões

Pensar a semana de treinamento é tarefa das mais trabalhosas. Das situações hipotéticas para os pós-graduandos da disciplina que ministro às conversas com o treinador com o qual trabalho, as discussões, reflexões, questionamentos e definições de atividades duram, pelo menos, uma hora.

Na situação hipotética, não existe a transferência real para a prática, porém, nas discussões com meu companheiro de trabalho atual (e nas centenas de reuniões de planejamento já realizadas com outros profissionais), diversos pontos são considerados, pois interferem diretamente no jogo seguinte.

O desempenho da equipe na última partida, o nível de aplicação do Modelo de Jogo, o Modelo que se pretende, o desempenho individual, as “baixas”, problemas extra-campo e o próximo adversário, são algumas das questões que norteiam a discussão da próxima semana de treinamento.

Na definição das atividades, o aprendizado teórico-prático adquirido ao longo dos anos é o que fundamenta as opiniões emitidas durante a reunião. O aprendizado teórico, obtido em leituras sobre complexidade, teoria dos jogos, ensino dos JDC, treinamento desportivo, treinamento em futebol, periodização tática, entre outros assuntos (a partir de livros, teses, monografias, artigos, vídeos e até ouvidas em arquivos de áudio conseguidos com um companheiro de profissão), complementa a longa vivência prática como atleta e a ainda curta, mas relevante, experiência como treinador/treinador adjunto.

E, de toda corrente teórica que baliza as opiniões para a discussão de um dia da sessão de treinamento, a coluna desta semana destacará um dos princípios metodológicos da Periodização Tática e sua importância na elaboração de um determinado jogo.

O pressuposto metodológico em questão se refere ao Princípio das Propensões. De acordo com ele, numa determinada atividade de aquisição de princípios, sub-princípios ou sub-princípios dos sub-princípios de jogo, a densidade do que se pretende treinar precisa acontecer em um valor significativo de modo que determinados comportamentos esperados para aplicação do Modelo de Jogo tornem-se hábitos.

Em uma análise rápida do princípio e do seu significado, uma maneira de tornar propensa a finalização em um determinado exercício é elevar a quantidade de alvos. Outro exemplo, agora para tornar propenso o fechamento de linhas de passe, é criar um exercício de troca de passes em que uma equipe em inferioridade numérica a impede. E, para aperfeiçoar a circulação da posse com ampliação de campo efetivo de jogo, um 11×0, respeitando a distribuição espacial da plataforma de jogo, pode ser uma opção.

Posto isso, eis o embate: nem todo exercício criado de acordo com o que preconiza a Periodização Tática é jogo e nem todo jogo, criado por quem o utiliza como método, fundamenta-se no Princípio das Propensões.

O resultado: treinamentos distantes do jogo que se quer jogar!

Para adeptos da Periodização Tática, alguns exercícios têm coerente relação com o Modelo de Jogo, mas significativa distância do próprio jogo, ou seja, do futebol. Na elaboração da atividade, elementos básicos que deveriam caracterizá-la como jogo são ignorados. Logo, na repetição sistemática de determinado princípio, sub-princípio ou sub-princípio do sub-princípio do Modelo de Jogo adotado, é comum a observação de atividades que, na prática, não são desafiadoras, não geram desequilíbrios, não permitem a representação e, acima de tudo, não são imprevisíveis. Este é um grande problema para quem objetiva a especificidade e que precisa proporcionar o “estado de jogo”, já abordado semanas atrás.

Porém, para quem já utiliza o jogo enquanto método de treinamento o problema é outro. É comum que na definição das regras do jogo se esqueça o Princípio das Propensões e sua relevância na evolução do jogar da equipe. Como consequência, a definição de regras que criam uma Lógica do Jogo não condizente com os comportamentos que se pretende treinar. Exemplificando, ao criar um jogo para aperfeiçoar a organização defensiva da equipe no que tange a flutuação, a simples regra “dois toques na bola no campo de ataque”, não irá favorecê-la. Dar um ponto a equipe se ela estiver “flutuando bem”, é igualmente equivocado. Onde estão as regras do jogo que definirão se, de fato, a equipe está flutuando bem?

Para otimizar o desempenho de sua equipe, é indispensável que uma sessão de treinamento seja a todo momento, para todos os jogadores, a resposta tática-técnica-física-emocional para os problemas que você criou. Os problemas criados têm que ser jogo e o jogo tenderá ser vencido por quem melhor cumprir suas regras.

São estas regras que devem orientar a equipe para o cumprimento da Lógica do Jogo. E, além disso, devem obrigatoriamente, considerar o Princípio das Propensões para que a densidade de problemas que surjam no jogo evidencie a necessidade das respostas coletivas adequadas para vencê-lo.

Sendo assim, é possível tornar propensos: a finalização sem necessariamente aumentar o número de alvos (e assim não se distanciar da Lógica do Jogo de futebol), o fechamento de linhas de passe sem reduzir o número de defensores e a ampliação do campo efetivo num jogo de 11×11.

Pensar a semana de treino é tarefa das mais trabalhosas. Mãos à obra!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br