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Além do escudo: os clubes de futebol como marca

A definição de marca acompanhou a transformação de hábitos de consumo da sociedade e a evolução do mercado publicitário. Deixou de ser apenas “um nome, símbolo ou design que identifica o produto ou serviço de uma empresa” para ser “o que pessoas falam, sentem e pensam sobre seu produto, serviços ou empresa”.

Os casos mais bem sucedidos de empresas que nos últimos anos transformaram suas marcas em conceitos e experiências incluem Coca-Cola, Disney e Red Bull. Sua marcas vão muito além de sua logomarcas e conseguem despertar nas pessoas visões de alegria, magia e ação, tudo graças a ações publicitárias, conteúdo de mídia e ativações criativas.

Pense na marca de cerveja Skol. O que vem a sua cabeça? A seta vermelha rodopiando em formato de “O” ou a visão de verão, praia, gente jovem e amigos? Ou será que é a visão daquela tremenda ressaca que você teve no último churrasco? Sim, porque marcas também estão ligadas a experiências do consumidor.

Foi justamente definindo suas marcas e mantendo suas ações de marketing fiéis a conceitos estruturados que as principais organizações com foco no consumidor conseguiram estabelecer um relacionamento que vai além da simples compra para incorporar conceitos de fidelidade, advocacia e admiração. Com clubes de futebol não deveria ser diferente. Pelo contrário, o esporte proporciona valores experiências tão fortes que são capazes de fortalecer até marcas através da simples associação. O chamado patrocínio esportivo.

Porém, enquanto empresas se esforçam para agregar valores a suas marcas através do esporte, a maioria dos clubes brasileiros parece estar presa à velha definição de marca. De fato, me proponho a dizer que a maioria dos clubes brasileiros não possui uma verdadeira marca.

Imagino agora os protestos de alguns dirigentes: “o clube possui mais de 500 produtos licenciados, como assim não temos marca?”. Ou alguns especialistas financeiros dizendo: “li um relatório que dizia que o valor da marca do Corinthians era quase R$ 1 bilhão!”. Ou até mesmo alguns torcedores esbravejando: “meu clube é paixão, não é marca!”. Esses três argumentos exemplificam bem os equívocos formados quando tratamos de marcas de clubes de futebol.

1. Marca não é escudo

Toda marca possui símbolos que são registrados em seu nome. Com clubes de futebol não é diferente. Escudos, uniformes e até hinos são elementos de sua marca que podem ser licenciados. O símbolo do clube estampado em uma caneca gera receita para o clube, mas o que a construção da marca faz é garantir que o valor que eu atribua a essa caneca seja maior.

Licenciamento não constroi ou define uma marca, ele apenas explora símbolos do clube que podem ter mais ou menos valor para o consumidor dependendo dos atributos intangíveis que estejam associados à marca.

2. Marca não é valor econômico

Todo ano a BDO RCS publica seu estudo avaliando as marcas dos maiores clubes de futebol do Brasil. O estudo adota metodologia semelhante àquela aplicada pela empresa Brand Finance no mercado europeu e vem se tornando referência na avaliação do potencial comercial dos clubes brasileiros. Entretanto, a marca de um clube de futebol não é definida por dados financeiros históricos dos clubes ou informações sociais e econômicas de sua torcida. Marcas são definidas por elementos intangíveis como percepções, mensagens e ações.

3. Marca não é campanha

O torcedor está absolutamente correto. Na visão dele, o seu clube é paixão, e não marca. Porém, é justamente essa conexão emocional que torna a marca dos clubes tão poderosas, podendo obter níveis de fidelidade acima de qualquer produto comum.

Marcas refletem experiências. O escudo do clube representa para o torcedor todo o sofrimento e alegria que ele já teve seguindo o time. O equívoco neste caso está em como o clube explora essa paixão para tranformá-la em resultados.

Fazer campanhas pontuais, de curto prazo e cada vez explorando ângulos diferentes pode trazer resultados esporádicos, mas não contribui para a lealdade do torcedor (lealdade nesse caso não é torcer ou não para o time, mas sim a propensão para comparecer a jogos, acessar informações sobre o clube e comprar produtos).

Criar uma marca não é questão de sentar na mesa e escrever “somos um clube de tradição”. Em conversa com Esteve Calzada, ex-diretor de marketing do Barcelona, ele me contou que o clube demorou mais de 50 anos para definir seu slogan “Més que un clube”, e que mesmo assim a marca vem sendo gradualmente construída ao longo dos anos, se adaptando ao estilo de jogar do time e às ações fora de campo, como a parceria com a Unicef.

Trabalhando no Manchester City, tive o prazer de ver uma das maiores transformações já ocorridas em um clube no futebol mundial. A construção de uma marca que refletisse a história do clube e sua ambição, além de sustentar o crescimento tanto em torcida global, quanto em receitas, obteve prioridade máxima para a diretoria.

A definição clara da marca foi feita através de duas etapas: a primeira foi definir como o clube era visto por sua torcida e até mesmo por rivais. Um processo minicioso que envolveu a torcida e pesquisas de marketing, grupos de foco e análises históricas.

A segunda etapa envolveu dirigentes e pesquisas de mercado para definir onde o clube queria chegar e como queria ser visto. O resultado foi uma estrutura de marca que envolve definições como essência, personalidades, pilastras de suporte e representações.

No caso dos clubes brasileiros as marcas estão em muitos casos escondidas sobre uma camada de campanhas pontuais, esperando que profissionais de marketing esportivo qualificados a tragam a tona e colhem os resultados. Felizmente o recente ingresso de profissionais publicitários nos principais clubes brasileiros ajudará esse processo.

Cada clube brasileiro terá valores específicos que podem ser explorados de forma consistente, seja o Vasco com a sua história de luta contra a discriminação ou o Flamengo com a conexão com o “povão”. O importante é que o ângulo explorado seja legítimo e com base no potencial de diferenciação.

A marca cria expectativas. Ela define quem você é e como você opera. Em essência, a marca é uma promessa – uma promessa que precisa ser mantida. A experiência fornecida ao torcedor e ao patrocinador e à comunicação adotada é o cumprimento dessa promessa. Cabe aos clubes destacarem o que eles representam e utilizar esses valores para criar um relacionamento ainda mais profundo com o torcedor e seus parceiros.

Para interagir com o autor: claudio@universidadedofutebol.com.br
 

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Inconstância não é regra

Inconstância não é regra, não serve como parâmetro e não deve ser modelo a ser seguido. Primeiro, que o próprio nome já diz tudo, sendo sinônimo de instabilidade, variação, diversidade e por aí vai.

Contudo, a opinião pública, de um modo geral, ignora completamente esta prerrogativa. Trata resultados extraordinários como ordinários, tanto quando algum clube sobe ou desce de divisão ou mesmo faz uma campanha pontual com algum destaque.

Os casos mais recentes, de Ponte Preta, Guarani e Portuguesa, são os que mais saltam os olhos. Até dezembro, a Lusa (ou “Barcelusa”) era exemplo de gestão, por conta da campanha feita na Série B, que a trouxe novamente para a Série A. Hoje, pouco mais de quatro meses depois, críticas duras são feitas ao clube pelo rebaixamento no Campeonato Paulista.

Os tradicionais clubes de Campinas seguem uma máxima muito semelhante. Ponte Preta e Guarani vivem momentos de fama após alguns anos no ostracismo. O Bugre, mesmo, esteve mais próximo das páginas policiais ao invés dos cadernos esportivos – isto há pouco tempo.

Enfim, ficamos nos exemplos paulistas apenas para não ultrapassar o espaço desta coluna, mas a narrativa e os casos neste nível são vastos. Serve para reforçar que o conceito de gestão profissional é complexo, ao contrário do que muita gente pensa, e está longe de ser sinônimo de semifinal de campeonato ou resultado pontual em competições em um espaço curto de tempo.

Gestão profissional é fruto de um processo linear e constante. Tende a seguir um padrão ao longo do tempo. É, de fato, uma forma contínua de conhecimento interno e externo visando ao desenvolvimento organizacional no longo prazo.

Assim, como ninguém (ou poucos clubes) adota um modelo de gestão profissional, sendo que até mesmo os grandes clubes possuem dificuldade de a implantar de maneira perene, é possível, sim, imaginar que juntando alguns bons jogadores com um treinador que “grita bem alto” na beira do campo pode-se acabar conquistando resultados pontuais de expressão.

Mas não se espantem se os mesmos jogadores, com o mesmo treinador, forem rebaixados no ano seguinte. Aquele velho ditado serve muito bem: “em terra de cegos, quem tem olho é rei”.

O fato é que inúmeros fatores conduzem a um resultado extraordinário e o mesmo não está intrinsecamente ligado aos 11 (ou 30) jogadores e sua respectiva comissão técnica. Todas as vezes que temos o componente humano como o ponto central para que isto ocorra, a instabilidade está presente permanentemente. A forma de controlá-la (ou minimizar os sobressaltos) em um ambiente instável como o futebol é a partir de um longo processo de gestão, que abrace desde a parte técnica até a área administrativa e de negócios do clube.

Desta maneira, encerramos para dizer que pode ser verdade que os resultados extraordinários de hoje dos exemplos citados podem ser um indicador de início de um trabalho sério de profissionalização. Mas esta resposta só conseguiremos dar daqui a pelo menos 10 anos, que é um período razoável para a inserção de uma cultura de administração profissional. Aos colegas do Estado de São Paulo, será que conseguimos perceber este indício aí nos clubes citados como exemplo?

E que tratemos a inconstância tal e qual ela é: INCONSTANTE.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br