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Rótulo

Um dos fenômenos mais curiosos do processo eleitoral é o quanto a corrida é baseada em rótulos. Durante a disputa, tudo vira adjetivo. E adjetivos pespegam em candidatos como se fossem congênitos.

Análises sobre futebol também são assim. Não são raros os exemplos de jogadores que ficam marcados como “violentos”, “técnicos”, “decisivos” ou “inconstantes”. E não são raros os exemplos em que esses rótulos são construídos somente por um lance, um jogo ou uma fase.

Quando os rótulos influenciam análises, isso cria inconsistências e contradições. É o que acontece em muitas opiniões sobre substituições que os técnicos fazem durante jogos de futebol.

No último sábado, Náutico e Corinthians empatavam por 1 a 1 em Recife. O jogo era válido pelo Campeonato Brasileiro e, aos 18 minutos do segundo tempo, o técnico Tite, comandante da equipe alvinegra, fez uma modificação: tirou Danilo e colocou Edenílson em campo.

“Ele tirou um meia e colocou um volante. Isso chamou o Náutico para o campo de defesa do Corinthians”. Vi e ouvi muitos comentários com conteúdo próximo disso.

No entanto, na comparação entre os dois atletas, Danilo tem médias superiores a Edenílson em desarmes (7,3 contra 4,1) e faltas cometidas (1,9 contra 0,4) no Campeonato Brasileiro de 2012. O que faz com que a alteração seja taxada de defensivista, então?

A resposta é o rótulo. Edenílson é rotulado como um volante, ainda que seja usado frequentemente na linha de três armadores. Danilo é tratado como um meia, a despeito de auxiliar o sistema de marcação, fechar espaços e se posicionar no comando do ataque em muitos momentos de algumas partidas.

Há casos ainda mais contundentes. Júlio Baptista foi tratado durante muitos anos como um brucutu ou um meio-campista defensivo, talvez pela imagem que construiu quando defendia o São Paulo. Ele precisou de muitas temporadas (e muitos gols) na Europa para derrubar um pouco esse estigma.

Cesc Fàbregas, do Barcelona, pode ser atacante, meia-atacante ou armador, mas o posicionamento em campo ainda importa pouco para quem o rotulou como um segundo volante.

Esse tipo de estigma pode disseminar análises totalmente distorcidas. Dizer que um técnico recuou o time apenas porque colocou mais um zagueiro em campo é recorrente, mas nem sempre condiz com a realidade.

No futebol, assim como na vida, não há pessoas com apenas uma faceta. Além disso, um time não se faz de características individuais. Colocar um marcador a mais não torna um time necessariamente mais cauteloso. Isso pode, por exemplo, dar mais liberdade para outros atletas. Ou até contribuir para adiantar a linha de marcação.

A postura de uma equipe é um conceito muito mais complexo do que um simples somatório entre o número de volantes, o número de zagueiros e o número de atacantes. E o comportamento dos atletas em campo também é muito mais complexo do que os nomes das funções que eles originalmente desempenham.

Isso aconteceu quando o técnico Mano Menezes decidiu fazer uma alteração na escalação da seleção brasileira entre os amistosos contra África do Sul (vitória por 1 a 0 no Morumbi) e China (triunfo por 8 a 0 no estádio Arruda). O comandante tirou da equipe o centroavante Leandro Damião e escalou Hulk como titular.

Até o início do jogo, quase todas as análises previam Hulk como centroavante. O atacante do Zenit, que costuma atuar aberto no lado direito do campo, era a opção mais lógica para a função. Afinal, é forte, alto e tem potencial de finalização.

O que se viu em campo, porém, foi Hulk aberto. Neymar, outro que tradicionalmente joga pelos lados, foi o jogador com mais presença de área entre os atacantes do Brasil.

Aliás, “atacantes” é outro rótulo muitas vezes desnecessário. Lucas, jogador do São Paulo, é um meia que atua aberto pelos lados e aparece muito na área adversária ou um atacante que ajuda na marcação e se aproxima muito da linha de meio-campistas?

O que determina se um time é ofensivo não é o número de atacantes. O que determina se um jogador é atacante não é a posição que aparece na ficha técnica. Como qualquer jogo, o futebol tem alternância constante de ações. Muitas vezes, a explicação para um lance é mais complexa do que os limites do jogo ou do plano tático. Em outras situações, procuramos detalhes ou minúcias para sustentar argumentos que são apenas teorias. É difícil sintetizar o acaso.

Sobre rótulos, está nos cinemas brasileiros uma análise muito pertinente e delicada. É o filme “Intocáveis”, dirigido por Olivier Nakache e Eric Toledano. Baseada em uma história real, a obra francesa acompanha a relação entre um ricaço tetraplégico e um rapaz contratado para tomar conta dele. Vale a pena notar o quanto o roteiro desconstrói as ideias feitas de um lado e de outro.

No filme, assim como na política e no futebol, nenhum personagem é puro. Toda análise tem de considerar diversos aspectos que a influenciam. Rotular empobrece.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br