Uma das grandes justificativas para a utilização do jogo no processo de treinamento em futebol deve-se à possibilidade de, através dele, induzir os jogadores, por meio de adequadas intervenções, a um nível de aplicação de comportamentos de jogo individuais e coletivos que, com outros métodos de treino, demorariam muito mais tempo para serem construídos.
Nesse sentido, as ações de cada elemento da equipe respeitam certos princípios e regras que tendem a dar ordem ao sistema e que, se estiverem em direção à lógica do jogo criado, irão aproximar a equipe da vitória.
Incontestavelmente, treina-se futebol para aperfeiçoar o nível de desempenho atual. Em contrapartida, o que já não pode ser definido como consenso é o modo que as comissões técnicas do futebol brasileiro desenvolvem suas periodizações e as operacionalizam. A julgar pelo baixo número de referências coletivas comuns apresentadas por nossas equipes na atualidade é possível concluir que os jogos (e a necessária indução) não estão sendo utilizados.
Conforme discussão semelhante de semanas atrás, quando nossas equipes recuperam a posse de bola no setor defensivo, é comum observarmos em muitas delas, dois ou três jogadores se omitirem da ação de transição ofensiva e posterior ação ofensiva. Se, por circunstância do jogo os omissos acabam sendo acionados, restam-lhe os chutões – comportamento que não precisa de jogo qualificado para ser treinado.
Outro grande problema que escancara nossa distância do nível de jogo elaborado é a ação realizada após a perda da posse de bola no campo de ataque. Enquanto dois, três ou até quatro jogadores arriscam uma pressão desordenada no portador da posse de bola (o que pede uma distância não excessiva entre linhas da equipe de modo que a mesma não fique “espaçada”), um outro grupo de jogadores (que já não subiu o bloco) recua ainda mais na ânsia de proteger o gol, ou então, procura adversários distantes da bola para “ir à caça”.
Em organização defensiva a situação é deprimente. Não é difícil observar uma distribuição semelhante a que será identificada a seguir em relação à estratégia defensiva adotada: dos dez jogadores de linha, um não marca ninguém e, quando marca, ataca o portador da bola de qualquer maneira; três ocupam o espaço e marcam individualmente os jogadores que estão na sua área de atuação; dois acompanham até o final a descida dos laterais adversários e outros quatro alternam aleatoriamente combates desordenados, proteção do gol e marcações individuais.
Mas como modificar esses comportamentos de jogo? Qual a solução que pode ser posta em prática afim de melhorar o nível de organização do nosso futebol?
A solução está no elemento central da periodização: o nível de jogo atual da equipe. Hipoteticamente, uma determinada equipe apresenta um nível de jogo “X” identificado em cada um dos momentos do jogo.
Se, para um determinado momento do jogo, o treinador espera algum comportamento coletivo e o mesmo não está acontecendo com a frequência e qualidade de ações pretendidas fica evidente que, no referido problema, a equipe (unidade complexa) não está conseguindo interpretá-lo e resolvê-lo. Não consegue, pois os jogadores (elementos da unidade complexa) estão enxergando o problema de forma diferente. Como enxergam o problema de forma diferente, consequentemente responderão a ele também de forma diferente. Em termos sistêmicos, o produto/resposta será o “todo desorganizado”.
Esta equipe de nível de jogo “X” precisa de um treinador que identifique as falhas circunstanciais apresentadas nos momentos do jogo e que elabore as sessões de treino ideais para corrigi-las.
E as correções passam, necessariamente, pela construção de referências coletivas comuns para os onze jogadores.
Se o treinador conseguir fazer com que toda sua equipe, durante o maior tempo possível, jogue o mesmo jogo, o upgrade de organização será notável.
Com bons treinos e intervenções, gradativamente os jogadores passarão a apresentar o mesmo padrão de comportamento nas situações que se repetem no jogo e nos diferentes problemas do jogo. Então, a partir das diferentes referências do jogo (bola, alvo, adversário, espaço, ou qualquer outra que a comissão deseje criar), que serão comuns a todos os jogadores, um novo nível de organização está estabelecido.
Em toda essa construção, não se pode esquecer que os objetivos do treino devem incidir nas partes (fractais) específicas do jogo e que favoreçam o cumprimento da lógica do jogo. Somente dessa forma a construção das referências coletivas faz sentido.
Para exemplificar, como exemplos de referências coletivas: linha de marcação, zonas de pressing, perda da posse da bola, adversário chegar à faixa lateral próximo à zona de risco, escanteios a favor, recuperação da posse de bola, zonas de finalização, entre outras.
Quais referências coletivas você já construiu em sua equipe?
Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br