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Cartas aos netos palmeirenses

Meus netos,

Em 2012, seu avô e a mãe do Luca e do Gabriel se divorciaram semanas antes de o Palmeiras ser campeão invicto da Copa do Brasil, consagrando-se como o maior campeão nacional (duas Taças Brasil, dois Torneios Roberto Gomes Pedrosa, quatro Brasileiros, duas Copas do Brasil, uma Copa dos Campeões).

Em 2012, comecei a namorar e noivar a mãe do Ricardo, Luigi e Manoela, uma paixão de adolescência. Ganhei três novos filhotes e um amor pela vida meses antes de o Palmeiras cair novamente. Antes de se levantar para sempre, como vocês e os adversários estão cansados de saber – também neste século 21 que começou muito mal para o nosso time.

Segundo os maias, povo um pouco mais antigo que seu avô Mauro, o mundo acabaria em 21 de dezembro de 2012. Já que vocês estão lendo esta carta, sei que nisso eles erraram. Ainda mais quando previram o fim do planeta justamente para o dia do aniversário de 76 anos do bisavô Joelmir.

E olha que o Nonno (como sempre o chamaram o Luca e o Gabriel) passou um 2012 difícil… Teve problema no coração e logo se restabeleceu. Foi visitar as obras da Arena Palestra com os netos no Dia dos Pais e não se recuperou mais naquele ano. Ficou meses prostrado no hospital. Debilitado. Fraquinho.

Quem o via mal reconhecia aquele colosso de jornalista, aquele exemplo de vida. Melhor que tudo: aquele pai. Meu pai. O bisavô de vocês.

O Nonno parecia o nosso time. Um gigante que tinha ficado doente. Incapaz de se levantar sozinho. Mais caindo e caído que em pé. Em coração. Em Palmeiras.

Mas, com paciência, trabalho, seriedade, fé e amor, meu pai, o Nonno dos meus filhos, o bisavô de vocês, venceu todos os males.

Parecia o time dele em 2012. Ganhava uma, perdia quatro. Mas todos acreditavam na recuperação – ainda que lenta a tardia. Como eu me recuperei da separação de meus filhos em 2012 reencontrando um amor de adolescência. Ganhando mais amores pela vida. Fui rebaixado e ganhei um título. Tudo em meses. Tudo muda. Tudo vira.

Um grande não se rebaixa. Cai para poder se erguer. Mais difícil que a queda foi a ascensão em mais de 100 anos. Não é para qualquer um ser o clube Campeão do Século do país campeão do século no mundo. Não é para qualquer pai ser o profissional que o bisavô de vocês é. Não é para qualquer filho ter um pai amador da família e do trabalho. Com uma mulher maravilhosa como a dona Lucila para dar força e carinho.

Demorou, meus caros netos. Como demorou. Mas quando voltamos para nossas casas, quando pudemos ser Palestra e família em nossos lares (e seu avô em um novo lar com uma nova família), vi que nada é para sempre.

Mas que tudo que amamos é eterno.

Meus filhos e netos, amo vocês antes de terem nascido.

Meus pais eu amo desde que nasci.

Minha mulher eu amo até depois dos meus últimos dias.

Nosso Palmeiras não preciso dizer quando começou o amor. E menos ainda até quando e onde vai nossa paixão. Essa não se mede e nem se condiciona. É amor sem divisão. Só multiplica. Só cresce. Só ama.

Só Palmeiras.

O que senti pelo clube no fim de 2012 é o que sinto por vocês, filhos do Luca, Gabriel, Ricardo, Luigi e Manoela, desde o começo da vida desse meu time dos sonhos. É a vontade de pegar no colo e cuidar. Acalentar. Amar até perder o fôlego. Jamais a paixão.

Não os conheço, meus netos. Ainda não os reconheço. Não sei como vocês são, o que gostam, o que fazem. Não sei se vocês vão gostar de mim.

Mas sei que vocês são meus amores. A quem não peço nada. A não ser a Deus pela felicidade de amá-los sem condição.

Isto é amor. Isto sempre foi Palmeiras.

Amor incondicional.

Nem todos os que amam torcem. Mas todos que torcem amam.

Amo e torço por vocês, meus netos.

Torço e amo você, meu Palmeiras.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

 

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Aforismos

“Pouco se aprende na vitória, mas muito na derrota”. O ditado japonês pode parecer óbvio, mas impõe um grande desafio a cada revés: pinçar algo que seja efetivamente produtivo durante um momento de consternação.

Porque aprender com os erros é mecânica primitiva, mas também é extremamente doloroso. Para usar outros dois clichês, quedas fazem parte do aprendizado de conduzir uma bicicleta e enfiar o dedo na tomada é o jeito mais rápido de aprender o efeito de uma corrente elétrica. Entretanto, raramente paramos para assimilar o que aprendemos a cada tombo ou a cada choque. Não antes de lamentar, chorar e praguejar.

Também é assim no esporte. Erros em um jogo podem servir como aprendizado técnico, tático, físico ou mental, mas assimilá-los leva tempo. A primeira reação a cada derrota é lamentar. Lamentar muito.

O ex-tenista Fernando Meligeni teorizou certa vez sobre o desgaste mental que a modalidade dele provocava. “O tênis é um esporte de perdedores”, disse o atleta na época. A lógica dele é que há muitos torneios no ano, e mesmo o mais vencedor entre os esportistas acaba a temporada com mais reveses do que triunfos.

O que separa os medianos dos grandes, e isso não é exclusividade do tênis, é como eles lidam com as derrotas. A tristeza é reação natural a um tropeço, mas não pode virar resignação ou prostração.

Pensava em toda essa conversa com detestável aspecto de autoajuda durante a 36ª rodada do Campeonato Brasileiro de futebol, realizada no último fim de semana, mas fiquei ainda mais entretido com isso depois do término dos jogos que definiram o descenso do Palmeiras, a classificação do São Paulo para a fase preliminar da Copa Santander Libertadores e o número limitado de atrações da reta final do certame nacional.

A 40 jogos do fim, o Campeonato Brasileiro tem pouca coisa a ser resolvida. Há uma vaga aberta na zona de rebaixamento, uma possibilidade de troca entre o segundo e o terceiro colocado… E só.

E qual a relação entre a dor do Palmeiras, a falta de atrações das duas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro e os cinco primeiros parágrafos do texto?

Comecemos pelo Palmeiras, elo mais óbvio com o tema. Porque a dor da torcida alviverde é latente e muito maior do que o resultado. O rebaixamento é triste, e isso é evidente, mas o que mais chama atenção é a reação a ele.

Porque um time rebaixado perde muito mais do que a vaga na elite; perde autoestima, respeito e projeção de futuro, atributos que, no caso de um time do tamanho do Palmeiras, são como alicerces de grandeza. E aí é fundamental que ninguém passe incólume por esse revés.

E ninguém é um conceito extremamente abrangente, mesmo. Porque o rebaixamento é drástico e precisa gerar reações drásticas. É hora de choro incontido, de reações exacerbadas e de não saber brincar.

Só que a diretoria do Palmeiras não pensa exatamente assim. A começar pelo presidente do clube, Arnaldo Tirone, que deu uma preocupante entrevista à “ESPN Brasil” antes do empate com o Flamengo. Na conversa, o mandatário disse que a situação complicada da equipe alviverde não era responsabilidade da diretoria, dos atletas ou da comissão técnica. Era mais do acaso ou de uma sucessão de infelicidades.

E na tarde de segunda-feira, para coroar o discurso de “ninguém é culpado”, Tirone foi flagrado pela revista “Veja” tomando sol em uma praia do Rio de Janeiro. Ora, ele estava de folga e tem direito de curtir folgas. Mas precisa lembrar que é o representante máximo de uma instituição e que esse tipo de atitude pode determinar direções para um momento de crise.

Na semana que antecedeu o descenso, Tirone preocupou-se com a transição. O Palmeiras terá eleição presidencial no início do próximo ano, e ele conseguiu uma coalisão de alguns grupos políticos para assegurar a permanência do técnico Gilson Kleina e estabelecer diretrizes para o departamento de marketing.

Tudo isso é mais do que necessário, sobretudo no atual momento do Palmeiras, mas não pode ser dissociado de um planejamento específico para a crise. Como símbolo, Tirone tinha de passar a noite no clube. Tinha de passar o dia no clube. Tinha de avaliar erros, consertar procedimentos e iniciar uma reação imediata.

Em vez disso, o Palmeiras preferiu oferecer ao torcedor um tempo para curtir a dor. E o risco que o clube corre nesse caso é o da resignação. Ninguém que acompanha um time com esse tamanho pode achar normal uma situação tão drástica. Nenhum adepto pode pensar que a vida segue normalmente ou que é possível aproveitar uma segunda-feira de sol.

Porque a resignação é um passo importante para o fim do amor ao clube. Aliás, é um pouco do que diz a coluna do jornalista Clóvis Rossi na edição de segunda-feira do jornal “Folha de S.Paulo” (o link, somente para assinantes, está disponível aqui, ó: http://tinyurl.com/bmjadyy). Em resposta, um amigo jornalista disse que “torcer dá trabalho”. Mas quantas são as pessoas que têm amor realmente incondicional por um time? Quantos são os que têm esse trabalho?

São poucos, infelizmente. E todos, torcedores doentes ou apenas simpatizantes, sentem falta de um Palmeiras grande. Querem que o clube incomode, que os rivais vibrem com seus insucessos. Querem que os reveses motivem mais do que segundas-feiras de praia.

Afinal, o que vai ser do Palmeiras nas duas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro? Aliás, o que vai ser do Campeonato Brasileiro? Como evitar que a competição tenha um enorme astral de fim de festa?

Os detratores do sistema de pontos corridos correram para dizer que isso é um reflexo do formato de disputa. Eu retorno à autoajuda: dizer isso é resignação.

Quem já disputou uma prova de esporte individual entende um pouco mais. Um corredor amador, por exemplo, não vive de ganhar provas. Normalmente, vive de pequenas conquistas individuais – um tempo melhor ou uma evolução na condição física, por exemplo.

Se o campeonato determina apenas um vencedor, nenhum time pode achar que ser sexto é igual a ser décimo. Pequenas vitórias são fundamentais.

Posso ser um pouco repetitivo ao dizer isso, mas o Campeonato Brasileiro precisa repensar todo o plano de comunicação (se é que existe um, é claro). Só com uma promoção adequada a competição nacional pode estabelecer reais valores para os participantes. Cada posição na tabela deve ser valorizada, sim. Esse é um conceito que todos nós precisamos aprender, e aprendizado coletivo só acontece com comunicação adequada.

Há um texto que eu cito sempre, escrito pela Luciana Keiko, que é brilhante ao analisar isso (tá aqui, ó: http://tinyurl.com/cydorlb). Ela não fala de esportes, mas ensina muito sobre aprendizado. Aprender é um processo dispendioso, e ter consciência disso é um grande passo que todos nós podemos dar.

É assim com o Palmeiras, que vive agora um dos piores momentos de sua existência. É assim com os jogos inócuos do Campeonato Brasileiro. É assim com todo mundo que pensa em trabalhar com esporte ou que sofre muito com as intempéries do mercado. Porque, para usar outra citação, é como disse Carlos Drummond de Andrade: “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional”.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br