Comunicação é um processo, e todo processo demanda estratégia. Um dos erros mais comuns nessa seara é fazer as coisas de forma açodada, sem planejamento ou fim específico. No entanto, a sinceridade também pode nos ensinar muito.
Há dois exemplos extremamente pertinentes sobre isso na coluna do jornalista Antero Grecco em “O Estado de S.Paulo”. Em um texto publicado na última segunda-feira, ele comparou atitudes de dois jogadores brasileiros de futebol.
Um deles, o zagueiro Henrique, foi ao estádio do Pacaembu a despeito de não ter condições de jogo. Viu da arquibancada o Palmeiras vencer o Guarani por 4 a 1 no último domingo. Algo simples, mas que demonstrou comprometimento e interesse.
Na contramão, o meio-campista Paulo Henrique Ganso também ficou fora de um jogo do São Paulo. Viu pela televisão a derrota para o XV de Piracicaba, e ainda usou a rede social Twitter para dizer que estava "aproveitando o sábado em casa".
Ganso não tinha obrigação de ir ao estádio ou de acompanhar o São Paulo. Contudo, como lembrou Grecco, os dois exemplos espontâneos sintetizam a diferença de ânimo e postura entre os rivais paulistas.
O Palmeiras foi rebaixado no fim do ano passado, mas vive um período de simbiose com a torcida e se classificou antecipadamente às oitavas de final da Copa Bridgestone Libertadores.
O São Paulo foi o campeão do segundo turno no Brasileirão de 2012, lidera o Campeonato Paulista e ainda tem chance de avançar na competição continental. Ainda assim, parece constantemente cercado de desconfiança.
Palmeiras e São Paulo não vivem situações antagônicas por causa das atitudes de Henrique e Ganso, mas os dois, até pela espontaneidade, ajudam a explicar o que acontece em cada um dos times paulistas. Afinal, tudo comunica.
O exemplo mais bem empregado de comunicação sincera no esporte durante a última semana, porém, não veio do futebol. Foi dado por Kobe Bryant, astro do Los Angeles Lakers, time que disputa a liga profissional de basquete dos Estados Unidos (NBA).
Bryant vinha sendo o principal artífice de uma reação dos Lakers, que tiveram temporada regular extremamente conturbada e chegaram a ficar fora da zona de classificação para os playoffs decisivos da liga. Contudo, o protagonismo do astro de 34 anos foi atrapalhado por uma séria lesão no tendão de Aquiles.
A lesão deu início a uma série de especulações em torno de Bryant, que é um dos maiores pontuadores da história da NBA e tem perfil extremamente competitivo. Veículos de mídia nos Estados Unidos chegaram a discutir a possibilidade de o problema físico findar precocemente a carreira do atleta, principalmente pela frustração de não poder terminar uma arrancada que ele havia iniciado praticamente sozinho.
Aí, Bryant usou a rede social Facebook para desabafar. Foi um texto visceral, tão sincero quanto emotivo. "Talvez o tempo tenha me vencido. Mas talvez não", diz o jogador dos Lakers em um dos trechos.
"Agora eu vou ter de voltar, e ser o mesmo jogador aos 35 anos? Como será que vou conseguir isso? Não tenho a menor ideia. Será que eu tenho este desejo constante para superar isso? Talvez eu devesse simplesmente pegar a cadeira de balanço e falar sobre a carreira que passou. Talvez seja desta forma que meu livro termine", continua Bryant.
O próprio jogador explicou que "a cabeça estava girando por causa de analgésicos" enquanto ele escrevia o texto. O desabafo vai da frustração a uma demonstração de confiança e comprometimento, que pode ser resumida em uma citação colocada no texto: "Se você me vir em uma briga com um urso, reze pelo urso".
Assim como Henrique e Ganso, Bryant não planejou. O texto é um desabafo, é improviso. Assim como os brasileiros, porém, ele transmitiu com a publicação um recado enorme.
Todas essas cenas ensinam muito, e não apenas sobre esporte. Todas as cenas ensinam que a comunicação é um processo constante e que os recados mais relevantes podem estar nas atitudes mais simples.
Não sei até onde entusiasmo e dedicação conduzirão o Palmeiras. Não sei se a atitude custará a temporada ao São Paulo. Tampouco consigo prever se o elenco dos Lakers ficará tão entusiasmado com o desabafo de Bryant quanto eu fiquei ao ler.
Porque o texto do astro é triste, mas mostra o quanto ele queria estar em quadra. É algo muito mais útil do que a maioria das estratégias vazias usadas por "motivadores profissionais" no esporte.
Não é raro vermos momentos em que a comunicação acontece de forma espontânea. Muitas vezes, aliás, sem sequer usar palavras. É por isso que o planejamento nessa área tem de ser abrangente e minucioso. Um momento inadequado ou uma postura inoportuna podem comprometer muito mais do que o trabalho de comunicação.
Interpretação de texto
Peço licença para usar um exemplo totalmente alheio ao mundo do esporte. Aconteceu na última semana, em uma entrevista do programa televisivo "Pânico na Band" com o diretor teatral Gerald Thomas.
Thomas tentou colocar a mão dentro da saia de uma das humoristas. E isso aconteceu logo com uma profissional conhecida por usar roupas curtas e provocantes. Pronto: foi o suficiente para iniciar uma campanha sobre "desrespeito à mulher" e "cultura do estupro".
É lógico que a atitude do diretor foi desrespeitosa. O acinte, contudo, tem pouco a ver com uma intenção de estuprar a mulher ou repreendê-la por usar roupas justas e com pouco pano.
Quem acompanha a obra e a vida de Thomas sabe que ele é capaz de atitudes extremas. Sabe que ele faz muitas coisas em tom de protesto e que transforma simples cenas em jogos de crítica social.
Depois da repercussão, Thomas explicou que fez aquilo para provocar. Admitiu que foi invasivo e que cometeu um crime, e por isso desafiou as autoridades brasileiras.
Há dois caminhos possíveis nessa história. Thomas pode ser avaliado pelo crime que cometeu ou pelo protesto que fez (contra a Justiça brasileira, mas também contra o tipo de "jornalismo" produzido pelo humorístico). O que ele não podia é ser interpretado apenas pela foto e pelos relatos.
Thomas pode ser um sujeito controverso, mas não foi ouvido antes de sofrer ataques por "tentativa de estupro" e coisas do gênero. Ele usou uma mídia própria para fazer o "outro lado" que devia estar em todo o conteúdo jornalístico sobre o caso.
A comunicação é um processo constante, mas não pode ser feita de ilações ou análises distantes. Apuração ainda é a matéria-prima para qualquer jornalismo bem feito.
Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br