Treinar situações de jogo apresenta-se como a grande tendência do treinamento em futebol. Seja por autores da corrente pedagógica ou por autores da corrente biológica, a ideia de criar um ambiente que permita aos atletas terem de tomar decisões semelhantes às da competição ganha cada vez mais espaço e adeptos.
Aplicado sob uma perspectiva sistêmica, o objetivo de cada sessão de treino é promover adaptações físico-técnica-tática-mentais positivas, tanto de caráter individual como coletivo. Tais adaptações buscam aperfeiçoar o modelo de jogo do treinador, que deve ser construído em função do jogo e de sua lógica.
Como jogar (em espaços reduzidos, espaços formais, com superioridade numérica, inferioridade numérica, igualdade numérica, com pressão de tempo, com redução de toques, com referências espaciais ou quaisquer outras adaptações propostas pela comissão) passa a ser a essência da periodização, o volume total semanal que uma equipe atinge com esta forma de treinamento ultrapassa 300 minutos.
Isto significa que numa "semana cheia", com apenas um jogo no final de semana, a comissão técnica tem mais de 5 horas de treino (jogo) para efetuar as devidas intervenções (de ordens física-técnica-tática-mentais).
Uma vez que a ação de cada jogador num determinado jogo reflete a interpretação que o mesmo tem das inúmeras situações-problema que o jogo lhe apresenta, toda semana de treino é uma oportunidade de correções e aquisições de comportamentos. Eis a grande solução. E também um grande risco de treinar jogando!
Para exemplificar, imaginemos um zagueiro central que de acordo com os princípios de jogo do futebol moderno apresenta as seguintes dificuldades:
• Mau posicionamento na grande área para proteger o gol em situações de cruzamento do adversário;
• Dificuldade para compor a linha de defesa zonalmente, marcando o adversário de forma individual desnecessariamente;
• Ataque à bola em detrimento ao retardamento, quebrando a linha de defesa e proporcionando uma decisão mais fácil ao adversário;
• Dificuldade para posicionar o corpo entre a bola e o alvo durante a flutuação;
• Dificuldade para participar da organização ofensiva, não realizando coberturas ofensivas e apoios;
• Não participação do bloco ofensivo quando a equipe tem a posse de bola no campo de ataque;
• Dificuldade de decidir rapidamente sobre a melhor opção de passe.
Todos estes comportamentos tendem a ser reproduzidos nas emergências dos jogos ao longo do microciclo. Em uma comissão técnica que resolva treinar com situações de jogo, mas que seja ineficiente nas intervenções, as mais de 5 horas de treinamento semanal serão subaproveitadas e o referido atleta pouco evoluirá.
O subaproveitamento deste tempo de treino gerará a repetição de más decisões que, quanto mais velho for o atleta, mais dificilmente serão modificadas. Ter um atleta formado, habituado a comportamentos de jogo ultrapassados demanda um tempo de treino para correção que o imediatismo do futebol não permite. Além disso, as crenças que o atleta carrega limitam a compreensão de um novo futebol e seu potencial cognitivo já está reduzido.
Multipliquem os "problemas" apresentados de um atleta pelos cerca de 30 jogadores existentes num elenco. Há muito trabalho para uma comissão técnica que, como pré-requisito, deve conhecer quais são os elementos do bom futebol. Ciente destes elementos, inicia-se a constante construção e reconstrução do jogar da unidade complexa/equipe que se adquire na ação.
Que a comissão seja cuidadosa o suficiente para não transformar as mais de 5 horas semanais de treinamento num ambiente que, mesmo jogando, reforce o mau futebol!
Abraços e bom trabalho!
Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br