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Cavando cartões e a cova – o amarelo de Valdivia e do STJD

Alex, que um dia foi top-10 entre os camisas 10 em 100 anos de Palmeiras, disse com todos os números e letras o que acontece nos bastidores, gabinetes, tribunas de honra e controles remotos. Pagou-para-ver as contas e os contras do futebol brasileiro. Pode pagar-pelo-que-disse, embora não haja como pegá-lo.

Valdivia, que não é top-10, mas é amado como se fosse pelos palmeirenses, também foi sincero antes de a bola rolar contra o Paraná. Disse que forçaria o terceiro amarelo para cumprir a suspensão quando estivesse servindo a seleção chilena. Data que deveria ser guardada pela CBF e mídia para as seleções. Não para mais jogos dos campeonatos nacionais que só cabem nas grades das TVs.

Alex foi sincero e arca com as consequências. Valdivia foi sincero além da conta, "confessou o crime premeditado" (todas as aspas possíveis), cometeu o que provocara e prometera até de modo bizarro, e foi amarelado como queria. Como tinha de fazer o árbitro.

Como já fizeram 28362836266283825238 jogadores desde os anos 70 para zerarem cartões para não se comprometerem depois. Como já fez um centroavante de seleção para não ter de viajar a uma cidade do interior para não ter de enfrentar o ex-futuro avô de uma criança – e foram várias as vezes.

Como um dia forçou o terceiro amarelo um zagueiro de time grande para ir a um churrasco de família na cidade natal. Como muitos forçavam o amarelo para não viajar de ônibus para lugares distantes.

Como em uma manhã de sol um jogador de seleção em fim de carreira passou o segundo tempo todo forçando o terceiro amarelo por um motivo qualquer e o árbitro da Fifa não o mostrou de jeito algum. Nem quando o jogador entrou rachando no adversário.

Como outro árbitro da Fifa entrava em campo avisando que não daria amarelo para quem estava pendurado e forçasse o cartão. No máximo dava vermelho direto.

São boas histórias de gente boa. De nível. De seleção. De Fifa. Parte do folclore daquelas coisas que as crianças não podem fazer em casa. Mas que os adultos podem. E não atentam à integridade, moral e bons costumes.

Mas, Valdivia foi procurado pelo STJD. Por avisar que forçaria o cartão que tomou sem ofender e sem agredir. Tempo que gastou e que foi acrescido pelo árbitro.

O excesso de sinceridade do chileno era evitável. Mas não pode ser combatido. Muito menos julgado. E não tenho palavras para dizer qualquer coisa se "punido".

Forçar uma punição a Valdivia é mais forçado que o cartão que ele recebeu.

Mais risível que a cena que ele armou para recebê-lo. Puni-lo é tão pueril quanto no tribunal suspender treinador que joga bola no gramado em final de jogo. É como punir jogador que dá carrinho na lateral em bola perdida só pra jogar pra galera. É punir goleiro que demora um ano para bater tiro de meta. É punir jogador que sofre falta e parece ter sido esquartejado até voltar em segundos como um Wolverine com nome no BID. É punir quem te chama de "bobo e estúpido" e diz que "seu pai é coxinha e a mãe é empadinha" – embora nada seja mais coxinha que punir quem já se puniu com um cartão.

Zelar pelo bom costume, pela moral, pela ética, pelo justo, pelo correto, pelo direito, é um dever de qualquer tribunal. Dar bons exemplos esportivos e blablablá pelo qual não perderei mais tempo e paciência é mais que louvável.

Mas, evitar o "esportivamente correto" é um dever para evitar o escárnio de uma casa que já não prima por quase tudo isso. Um tribunal que não tem o respeito devido e merecido exatamente por historicamente decidir de acordo com as conveniências e inconveniências. Por julgar com a camisa por cima da toga. Por punir ou deixar o jogo seguir cavando cartões amarelos como os sorrisos dos auditores e membros com a mesma cara dura de Valdivia.

Com a mesma pena dura de quem clama "justiça" por uma malandragem que evita que o clube perca seu principal jogador por conta de uma partida marcada quando há jogo da Fifa para ser jogado.

Esse é o ponto. Que o STJD procure a CBF por simular jogos oficiais quando há outros compromissos oficiais. O que evitaria o amarelo. E todo este texto.

Valdivia errou quando avisou que erraria. Logo, devia ficar quieto e… "Errar" do mesmo jeito. Cavando a punição que, aliás, ele cava há anos no Palmeiras. Ele e Luís Fabiano deveriam ser julgados a cada 15 dias nos tribunais por cavarem cartões infantis e despropositados. Eles e mais um tanto.

Mas, daí, se Valdivia fizesse o que há décadas se faz, ele deixaria de ser notícia. De dar notícia. De cavar notícia.

Triste futebol engravatado e togado. O que cava a cova e os cartões. O do covil dos rábulas de porta de estádio e de estúdios.

 

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

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Futebol: ruídos da tomada de decisão no alto nível competitivo

Dentro de um jogo de futebol muitas decisões são tomadas o tempo todo.

A cada fração de segundo, a cada nova circunstância e a cada problema emergente, ser rápido e exato para “decidir-agir” é imprescindível.

Se em décadas anteriores não tão distantes a exigência temporal para as tomadas de decisão já era algo muito importante, no futebol atual, tornou-se condição “sine qua non” para se jogar bem em alto nível competitivo.

A velocidade de jogo tem se tornado tão grande, que além do hiato entre o decidir e o agir ter quase que desaparecido nos jogadores mais bem condicionados (condicionados sistemicamente falando), também quase que se tornou invisível o hiato entre o surgimento da circunstância-problema e a ação propriamente dita para resolvê-la.

Isso tudo quer dizer que para se jogar futebol na atual exigência do altíssimo nível competitivo, é necessário que a tomada de decisão e ação dos jogadores se condensem em uma única coisa, indistinguível e indissociável no tempo.

É necessário também que o intervalo entre o problema emergente e a decisão-ação propriamente dita seja infinitamente ínfimo, temporalmente quase que no mesmo instante.

Diversos são os fatores que podem contribuir ou atrapalhar nas boas, exatas e velozes tomadas de decisão.

Poderia enumerar ao menos uma dezena deles.

Mas nesta semana prefiro destacar apenas um – que foi tema de debates dia desses em um fórum informal sobre futebol.

Em certas ocasiões, bons jogadores e equipes podem não conseguir tomar boas decisões e conjuntamente, errar em demasia suas ações.

Um dos motivos que pode levar a isso, por exemplo, é a distorção da percepção do ambiente e das situações que se manifestam nele. Isso quer dizer que equívocos para perceber o que realmente está ocorrendo ou o que está na eminência de acontecer, desencadeia uma série de ajustes individuais e coletivos nas ações, que são potencialmente infrutíferos.

Um dos fatores mais comuns na geração de “ruídos” de percepção, e distorções na organização da ação (distorções neuro-musculares e cognitivas) é a ansiedade.

Claro, não pretendo e não vou me aprofundar, por motivos óbvios, no tema “ansiedade”.

Quero chamar a atenção apenas para o fato de que dentro de uma ideia de complexidade e de treinamento sistêmico, e dentro da possibilidade de jogadores, em ambiente propício mergulharem no “estado de jogo”, podemos e devemos contemplar situações de estresse (estresse complexo/sistêmico) nos treinamentos, que desafiem jogadores e equipes a agirem dentro de contextos de pressão que tentarão gerar “ruídos” de percepção e distorções na organização da ação.

E por mais que isso pareça óbvio, posso afirmar que há negligência no entorno desse conteúdo – ou por ignorância total sobre a necessidade de desenvolvê-lo, ou por ignorância de como fazê-lo, e/ou ainda, por dificuldades contextuais para operacionalizar seu desenvolvimento.

O tema, por si só, até mesmos para especialistas no assunto, é bastante complexo na sua aplicação.

O que temos hoje muitas vezes é quase que um “filtro” gerado espontaneamente, que ao longo dos anos de carreira dos jogadores, desde as categorias de base até o fim de suas atividades como profissionais, vem segurando pelo caminho aqueles mais “influenciáveis” pelos ruídos de percepção, e deixando passar a minoria, apta por uma série de questões (ambientais, culturais, sociais, biológicas, etc.) quase casuais (ou mais pontualmente, caóticas), e muitas vezes pouco relacionadas com o processo de treinamento desportivo propriamente dito.

Operacionalizar o desenvolvimento desse tipo de conteúdo, de maneira organizada e sistêmica, não é trivial.

Por isso, em breve trarei um texto sugerindo possibilidades de como fazê-lo nos treinamentos, na busca de um jogar de altíssimo nível.

Por ora é isso.