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Plateia

O futebol brasileiro já começou a viver uma nova realidade. Deflagrado pela Copa do Mundo de 2014 e pelo bom momento que a economia do país viveu, o processo de rejuvenescimento de arenas esportivas impingiu ao público um patamar diferente de ambiente. Dentro dessas "cascas", contudo, o cenário local ainda está longe de evoluir. E isso inclui o comportamento de quem as frequenta.

Foi essa situação que o atacante Walter, do Goiás, escancarou no último domingo. O time esmeraldino bateu o Atlético-PR por 3 a 0, chegou ao quarto triunfo seguido no Campeonato Brasileiro e ficou a quatro pontos da zona de classificação para a próxima edição da Copa Libertadores. Ainda assim, o comportamento dos torcedores foi reprovado pelo jogador que já anotou 12 gols no certame nacional.

"Isso é uma palhaçada. Não é torcedor. Nosso times está brigando pela Libertadores. Podemos pensar nisso, já que a parte debaixo da tabela ficou para trás. Mas com essa torcida nós não vamos chegar", opinou Walter no domingo, em entrevista coletiva.

O Goiás jogou contra o Atlético-PR no Serra Dourada – um estádio da “velha guarda”, diga-se. A partida teve apenas 13.713 pagantes, e o árbitro Péricles Bassols chegou a interromper o duelo durante o segundo tempo por causa de um tumulto entre torcedores nas arquibancadas.

“Hoje era jogo para 30 mil pessoas. Não chegamos [a esse número], e quem veio ainda fez isso”, disse Walter.

O Goiás tem média de 12.796 pagantes por jogo como mandante no Campeonato Brasileiro de 2013 – número inferior à média da competição, que é de 14.250 pessoas por jogo. O time esmeraldino é o décimo na lista dos que mais levam gente aos estádios.

O primeiro ponto nessa discussão é a quantidade. E quantidade, no caso de um evento, tem relação direta com promoção. Os números do campeonato e do Goiás estão muito aquém do potencial de ocupação das arenas, e um dos fatores que justificam isso é a falta de uma promoção adequada.

Outro aspecto a ser considerado é o que foi discutido aqui na semana passada, quando falamos sobre o primeiro jogo da NBA no Brasil: a experiência de um torcedor não começa e não acaba dentro do estádio. O sucesso depende do que as pessoas vivem desde quando descobrem que o evento vai acontecer, passando pela compra e pela vivência no interior da arena. O último estágio encerra-se apenas quando o adepto volta para casa.

E se a NBA teve problemas nas fases antes e depois do evento, ao menos entregou ao público algo absolutamente bem feito entre essas etapas. Foi algo bem produzido, com várias atrações e uma execução muito competente. Havia vendedores bem treinados, lojas com produtos especiais, ações dentro e fora da quadra. Tente comparar isso, agora, com o que acontece em qualquer partida de futebol.

O futebol brasileiro está diante de 14 novas arenas (as 12 da Copa do Mundo, além das novas casas de Grêmio e Palmeiras). No entanto, a gestão desses aparatos ainda é exatamente a mesma que existia em estádios antigos. Só a casca mudou.

Essa lógica vale para serviços, ações de marketing e para o uso comercial das arenas. Hoje, estádios servem para sediar jogos e shows. E as outras incontáveis formas de se ganhar dinheiro com um aparato como esses?

No Brasil, estádios novos e estádios velhos têm gestão envelhecida. Em diferentes instâncias, o comportamento arredio dos torcedores é reflexo disso.

A falta de uma promoção adequada afasta muitos perfis dos estádios e concentra os fanáticos. Esse é um ponto. Entre os que vão às arenas, também é notória a falta de zelo com algo que não entrega um bom serviço. Mas falta, independentemente do cuidado, algum tipo de didática destinada ao público.

Comportamento reflete o repertório das pessoas, é claro, mas comportamento de grupo pode – e deve – ser minimamente doutrinado. Não é por acaso que aeromoças fazem todo aquele mis-en-scène antes de qualquer voo.

Cinemas também têm, antes de qualquer filme, uma série de recados sobre o comportamento adequado para aquele ambiente. Isso não evita que pessoas conversem durante os filmes ou incomodem com a luz de tablets e smartphones da vida, mas o combo aviso + controle ajuda a reduzir bastante a incidência desse tipo de prática.

A gestão eficiente de uma arena está intrinsecamente ligada à capacidade de doutrinar o público. Ensinar que as pessoas devem adotar algumas práticas e abolir outras é muito importante para alavancar o potencial de negócios de um espaço.

No futebol, iniciativas voltadas a ensinar o público muitas vezes são mal interpretadas ou mal vistas. O argumento mais usado é que torcedores são diferentes da plateia de qualquer espetáculo.

Torcedores são diferentes, sim. Eles têm com o evento e os times uma relação mais passional do que consumidores regulares, e isso influencia no julgamento e nas decisões. Entretanto, é inadmissível um gestor esperar que isso e uma casa bonita sejam suficientes para que as pessoas mudem comportamentos que são mais do que tradicionais.

Walter tem total razão ao condenar o comportamento da torcida do Goiás no jogo do último domingo. Ele só não pode achar que a culpa é apenas do público e que a solução será natural.

As declarações dadas pelo maior destaque individual do atual elenco do Goiás podem ajudar a criar uma conscientização entre os torcedores. Isso seria melhor e mais eficaz, porém, se pelo menos para isso tivesse havido algum planejamento.