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Os erros dos árbitros e os erros dos outros…

Tendo passado a noite a orar, no Monte das Oliveiras, Jesus desceu à cidade, nas primeiras horas da manhã e dirigiu-se para o Templo. Mal clareava o dia e as cerimônias religiosas só algumas horas depois começariam. No entanto, os peregrinos, em cavaqueiras intermináveis, já caminhavam, também em direção ao Templo e em número crescente. Alguns deles, vendo Jesus e os seus discípulos, próximos da Porta Dourada, sentaram-se junto d’Ele, na esperança de escutar algumas das suas prédicas.

De súbito, como torrente que galga o penedio das margens, uma centena de homens aos gritos aproximou-se. À frente da turba, numerosos escribas e fariseus empurravam uma despenteada e assustada mulher que era vítima de toda a sorte de impropérios. Ao chegar o cortejo bem perto de Jesus, a turba formou um círculo. A mulher ficou no meio, sacudindo-se em intermináveis soluços. Um dos escribas levantou a voz: Mestre, sabemos que és justo e sábio. Aconselha-nos, por isso. “Mas o que se passa?” inquiriu o Mestre.

O escriba deitou-se a um pomposo discurso, cheio de citações do Antigo Testamento. Distraído, Jesus agachou-se e começou a desenhar na areia. Findo o exórdio, o escriba concluiu, julgando irrefutáveis as suas palavras: Logo, porque esta mulher é casada e foi apanhada a fornicar com outro homem que não é o seu, esta mulher, segundo a lei de Moisés, deve ser imediatamente delapidada. Qual é a tua opinião, a este respeito? Jesus, sem dar a mínima atenção ao palavreado do orador, continuava a riscar a areia. Exasperado, um fariseu rugiu: Não dizes nada? E outro, já de voz embargada: Diz alguma coisa. Caso contrário, matamos já a mulher…

Quando ouviu a palavra “matar”, Jesus estremeceu e levantou-se. E olhando fixamente os escribas e os fariseus afirmou em voz pausada: “De todos vós quem estiver aqui, sem pecado, atire contra esta mulher a primeira pedra”. E voltou a acabar os desenhos que iniciara.

No entanto, como por milagre, nos riscos que Jesus fizera na areia, surgiram as palavras ladrão, assassino, perjuro, adúltero, burlão: afinal os crimes daqueles hipócritas juízes, embora argumentadores sagazes e argutos, os quais, para Jesus, tinham pecados bem piores, do que os daquela pobre mulher. Lentamente, os acusadores, transtornados os seus planos, desapareceram e ficaram Jesus e a mulher, olhando um para o outro. Jesus adiantou-se: “Mulher, onde estão aqueles que te acusavam? Ninguém te condenou?”. E ela, ainda de voz embargada: Não, senhor, ninguém me condenou. “Nem eu também te condeno. Vai e não voltes a pecar”.

Grande exemplo o de Jesus! Ele condenou, de facto, os que vêem o arqueiro no olho do seu semelhante e não vêem a trave no seu próprio olho. Lembrei-me deste trecho, extraído do Evangelho, ao ler e ao escutar as críticas (que se confundem, tantas vezes, com verdadeiras ofensas morais) que pessoas responsáveis lançam sobre os árbitros de futebol. Quero eu dizer que os árbitros não erram, ou que a crítica não os deve julgar? É evidente que os árbitros erram – mas, permitam-me acrescentar, muitíssimas menos vezes do que os jogadores, os treinadores e os dirigentes. E, no que à crítica diz respeito e se bem me lembro da teoria crítica da Escola de Frankfurt, ela representa a razão na sua função de contestação e desmistificação.

Portanto, porque seres humanos, todos os árbitros erram e a sua conduta, as suas atuações deverão avaliar-se com uma crítica certeira e incisiva. Mas a criação de uma atmosfera de suspeita; a sofística de comentadores, hábeis em dilacerar e enlamear a reputação alheia; um pardo nevoeiro de desconfiança – tudo isto permite que não se dissequem os erros, os malogros gritantes dos demais “agentes do futebol” e ainda que circulem invenções de uma gravidade acusadora e apreensiva, a respeito dos árbitros.

E, assim, rodeados de mentiras desonestamente propaladas, são os árbitros, para o cidadão vulgar, a “causa das causas” dos resultados dos jogos de futebol. Demais, para muita gente que governa o futebol, os sócios e simpatizantes dos seus clubes são sempre tratados como analfabetos e de menor idade. De fato, não é por causa dos árbitros que as principais equipas atravessam épocas de menor rendimento, embora um saber massificado assim o diga.

A uma leitura objetiva do que se passa, o futebol do Sporting C.P. (ainda vi jogar os “cinco violinos” – que saudade!) não está a libertar-se dos malefícios de um período incompatível com o seu passado, porque os árbitros o distinguem (hoje, ao contrário de ontem) com atuações favoráveis, mas porque o seu atual presidente, o Augusto Inácio, o Leonardo Jardim implantaram um novo espírito e novas práticas na direção e gestão do clube de Alvalade, que os jogadores aceitaram e querem corporizar. O Sporting é outro, porque é outra a política que o governa, porque renasceu a alma que eu, há muitos anos, senti em Jorge Vieira, durante um Sporting-Belenenses. Relembro uma frase do velho “leão”: já não sei viver sem o Sporting…

São portugueses alguns dos melhores árbitros do mundo! A nossa arbitragem não deve nada, em honestidade e competência, ao que se passa, nesta área, no estrangeiro! Os erros dos árbitros são de bem menor importância que os erros dos outros “agentes do futebol”. Já cansa tanta mentira institucionalizada. É verdade que a mentira sempre existiu. Mas, desta vez, a situação é mais grave: tornou-se moeda corrente e impõe-se à escala do futebol, como um todo.

A urgência de nos colocarmos ao nível do horizonte do nosso tempo pede dos “agentes do futebol” fidelidade a mais conhecimento e a melhor ética. No futebol, há muita gente que pode fazer suas as palavras do Diário de Kafka: “Cada vez sou mais incapaz de pensar, de observar, de falar, de compartir uma experiência: estou a tornar-me de pedra”. E basta pensar um pouco; basta um pouco mais de autocrítica – para concluir-se que os erros dos árbitros são de bem pouca importância, no cotejo com os erros dos outros…

*Manuel Sérgio é antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF)e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

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O direito de greve dos jogadores de futebol

Greve corresponde à cessação coletiva e voluntária do trabalho com o propósito de obter benefícios, como aumento de salário, melhoria de condições de trabalho ou para evitar a perda de benefícios.

O direito de greve é constitucionalmente assegurado a todos os trabalhadores brasileiros.

O contrato do atleta profissional é um contrato especial regulado pela Lei Pelé, aplicando-se a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) apenas de forma subsidiária, ou seja, somente naqueles pontos que a Lei especial não trate.

Por se tratar de um direito constitucional, os jogadores de futebol podem fazer greve desde que cumpram os requisitos legais.

O direito de greve é regulamentado pela Lei 7783/89 que em seu artigo 2º a define como a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial de prestação pessoal de serviços.

Esta Lei estabelece os requisitos para a validade do movimento grevista e que devem ser observados, também, aos jogadores de futebol.

Nessa linha, o primeiro requisito é a ocorrência de real tentativa de negociação, antes de se deflagrar o movimento grevista: desde que frustrada a negociação coletiva ou verificada a impossibilidade de recurso à via arbitral, abre-se o caminho ao movimento de paralisação coletiva.

O segundo requisito é a aprovação da respectiva assembleia de trabalhadores. Aqui, a lei respeita os critérios e formalidades de convocação e quórum fixados no correspondente estatuto sindical.

Por fim, o terceiro requisito é o aviso prévio aos empregadores envolvidos ou seu respectivo sindicato com antecedência mínima de 48 horas da paralisação.

Assim, eventual movimento grevista por parte dos jogadores de futebol é legítimo e tem respaldo legal, desde que cumpra os requisitos estabelecidos.

Atualmente, muito se comenta da possibilidade de greve dos jogadores com o objetivo de se buscar melhora em sua condição de trabalho, especialmente no que concerne ao calendário.

Portanto, caso os atletas consigam se organizar o risco de greve é real e os clubes e CBF acabarão sendo obrigados a negociar soluções para o calendário brasileiro e excesso de jogos.