Categorias
Sem categoria

Não há nada de novo no futebol

Não raro, ouvimos isso no ambiente futebolístico brasileiro.
Concordo em parte!
Se considerarmos que as 17 regras continuam sendo as mesmas, apesar das novas determinações que ocorrem ano a ano; ainda são onze jogadores de cada lado; o número de substituições permanece inalterado há muito tempo; os pés e a cabeça são as principais ferramentas de manejo da bola, apenas o goleiro tem o privilégio de usar as mãos; noventa minutos, mais os acréscimos, continuam sendo o tempo de cada jogo. Tudo isso, e mais alguma coisa, realmente permanece sem mudanças. Agora, se partirmos para outra esfera de entendimento deste jogo, teremos vários quesitos em evolução a considerar.
O jogo hoje é mais rápido e mais tático. Nestes dois pontos se aglutinam as respostas das grandes transformações do jogo, quando comparado a trinta anos atrás. E se considerarmos o treinamento Ah! O treinamento! Quanta coisa interessante! Novas metodologias de treinos estão pipocando no “mundo da bola”. E são justamente estas novas formas de treinar, e o modo de interferência dos treinadores, os grandes responsáveis pela evolução do jogo atual. Somente aqueles diretamente envolvidos neste universo, os membros das comissões técnicas, podem detectá-lo, entender e atuar com ciência.
Pensando bem, e divagando um pouco, o bolo que a mamãe fazia, quando éramos pequenos, continua sendo o mesmo apesar da batedeira de bolos e da mudança na qualidade de alguns ingredientes. Mas, ainda assim, quando esquecemos alguma das técnicas de confecção daquele bolo ou um de seus ingredientes, apesar da batedeira, não fica igual ao de antigamente.
Com o jogo é mais ou menos a mesma coisa. Apesar dos componentes táticos e físicos que o incrementaram, é preciso respeito aos princípios que o forjam para continuar sendo o bom jogo de antigamente.
Tenho que admitir que construir um jogo bem jogado é mais trabalhoso que confeccionar um bolo. Mas a analogia é perfeita para não perdermos o fio da meada.
Quanto aos muitos “fazedores de bolos” e construtores de jogo atuais que não sabem a “receita”, negligenciam na inclusão ou dosagem dos ingredientes, ou ainda aplicam técnicas erradas, estes precisam se reciclar!
Dentre os princípios táticos básicos para a construção do jogo incluem-se os seguintes: compactação / posse de bola / jogadas pelos três corredores do campo / fair play / intensidade / ofensividade / táticas inteligentes de marcação / transições competentes /dentre outros.
As técnicas para a construção do jogo estão diretamente relacionadas à metodologia de treinos: como treinar para construir um jogo de futebol com as argumentações táticas relacionadas acima?
As propriedades que regem o jogo moderno são as mesmas de muitos anos atrás, apesar de ter ficado mais rápido e tático. Em decorrência da Copa do Mundo ser em nosso país, estamos tendo a oportunidade de ver muitos vídeos de jogos antigos nas TVs brasileiras. As edições dos vídeos são aceleradas, é verdade, mas percebemos muitas semelhanças com os jogos atuais. Isso nos induz a pensar que algo no ambiente do futebol brasileiro alterou a construção e a plástica dos jogos.
Hoje, somos mais exigentes enquanto torcedores; a mídia está mais competitiva, o que faz a guerra e ou pressa pela informação, informar mal em muitas ocasiões. O modelo político- administrativa dos clubes e federações não mudou apesar do grande desenvolvimento em várias áreas esportivas; os técnicos continuam não sendo profissionais regulamentados, dentre outros aspectos. Ou seja, alguma coisa mudou, mas outras coisas não, o que tem contribuído para que tenhamos um “jogo sem forma tática”, produzido pelas “oficinas brasileiras de futebol”. Em decorrência, os treinadores brasileiros são cobrados na contra mão do tempo mínimo razoável para construir um jogo.
Muitos “efeitos colaterais” surgem desse novo estado de coisas.
– Se o treinador é descartável, por que não descartá-lo?
– Como diz o prof. Paulinho, treinador do Sub-20 do Cruzeiro, o técnico do futebol brasileiro, no jogo de xadrez, está se transformando no “pião” – peça de menor valor no tabuleiro!
– Se o treinador não permanece um tempo razoável nos clubes como vamos ter ideia de jogo desenvolvida?
– Se não temos, regulamentada, uma escola de treinadores no Brasil, como vamos evoluir em uma “escola de jogo”?
– Se os nossos treinadores não têm uma profissão regulamentada, como vamos respeitá-los como profissionais?
– Quem são os bons treinadores do futebol brasileiro? Ninguém pode dizê-lo, pois o mesmo treinador que é campeão neste ano, cai com o mesmo clube no ano seguinte! Num ano ele é bom, e no outro é ruim?!
A ansiedade com que estamos tratando o futebol brasileiro tem nos levado a uma situação, que não nos deixa pensar noutra solução senão num grande trauma na esfera esportiva que nos faça retomar alguns caminhos da construção do jogo inteligente e com arte.
Poderia mencionar mais alguns itens extracampo que interferem negativamente e diretamente na construção do jogo. Vamos exercitar nossas mentes! Se trocarmos compulsivamente o gerente de um departamento técnico de qualquer empresa, teremos respostas parecidas com as que estamos tendo na qualidade do jogo brasileiro: muita confusão nas tomadas de decisões, respostas erradas na linha de produção e consequentemente queda do “valor do produto” no mercado. As empresas vão à “bancarrota”, assim como tem acontecido com muitos clubes brasileiros.
Digam com sinceridade: – Não seria o quadro atual do futebol brasileiro, um grande responsável pela descaracterização jogo, que parece ser igual ao de antigamente, mas que está muito diferente?! Quantos clubes brasileiros estão produzindo jogo de qualidade? Será que reside simplesmente na competência dos nossos técnicos o fato de não termos nenhum deles brilhando em clubes europeus de primeira linha? Não seria a gestão do nosso futebol, o que nos faz ser rejeitados em mercados de futebol mais evoluído?
As soluções técnicas para o nosso jogo estão no trabalho de campo e todos os intervenientes diretos deste ofício. Porém, não vamos construir um jogo de qualidade se o ambiente da gestão esportiva que nos cerca não for alterado. Não vou negar! Temos, sim, alguns lapsos de boa qualidade futebolística, apesar da confusão em que vivemos. Estes podem ser fruto das coincidências positivas que acontecem aqui e ali em qualquer área de interferência da engenharia humana. Num dado momento da história, um clube com bons dirigentes, boas condições de trabalho, bom elenco de jogadores, bom trabalho de campo, dentre outros pontos favoráveis, pode sim experimentar ciclos de alto rendimento e algumas glórias. Temos visto alguns destes exemplos em nosso cenário futebolístico.
Mais do que desabafo, convido a grande comunidade leitora do site Universidade do Futebol a refletir sobre o momento atual do nosso futebol. Não se constrói projetos de valor em ambientes anárquicos. Vamos pensar o futebol brasileiro como um todo. Vamos gerir este valoroso “trunfo da cultura brasileira” com mais profissionalismo em todos os seus segmentos. Temos muito a fazer neste sentido!
Em entrevista a um grande jornal esportivo brasileiro, fui mal interpretado numa analogia que fiz. Quero deixá-la exposta corretamente neste espaço, até porque tem muito a ver com o assunto aqui desenvolvido. Eu disse:
– Prefiro dirigir um clube de 4ª divisão brasileira, que um clube de 2ª ou até primeira em muitos outros países europeus! Continuo acreditando nesta afirmação.
– Por quê?
– Simplesmente, porque temos o jogador brasileiro a nos favorecer na construção de um jogo de muitos recursos! Se nós não estamos conseguindo construir jogos de valor, o problema não é simplesmente dos jogadores, como estamos nos acostumando a acreditar.
O jogador brasileiro continua sendo a referência do nosso futebol a nível internacional. Isso é tão verdadeiro, que mesmo com todas as dificuldades que estamos tendo, continuamos inundando o mundo com os nossos “produtos”, frutos da excelente “escola brasileira da habilidade”.
Que voltemos a ser o país do futebol e não somente o país do jogador de futebol!!
Desculpem-me pela extensão da crônica.

Categorias
Sem categoria

De quem é mesmo a culpa?

Mais uma barbaridade. Mais uma história triste contada em inúmeros meios de comunicação (do Brasil e exterior) que remete ao nosso futebol. Novamente, o futebol brasileiro aparece nas páginas policiais. A morte do torcedor do Sport no jogo entre Santa Cruz e Paraná Clube na semana passada ao ser atingido por um “vaso sanitário” retirado do banheiro do Estádio do Arruda, em Recife, é mais uma que entra para as estatísticas perversas do futebol brasileiro.

Nas reportagens, o mesmo conteúdo, que tende a se repetir, infelizmente, por mais algumas vezes ainda neste ano nos campeonatos nacionais – sabe-se lá com que origem, com quais agremiações ou em qual cenário, mas com destino já sacramentado. Não se trata de uma previsão apocalíptica, apenas a constatação diante das atitudes que se costumam tomar.

Em termos de Justiça, a Desportiva é, de longe, a mais eficiente e rápida na punição a quem lhe cabe, que são os clubes (no caso citado, o Santa Cruz já perdeu mandos de campo e ainda poderá ser mais severamente punido com multas e outras sanções, seguindo os ritos processos do CBJD).

Mesmo assim, os clubes, diretamente interessados e afetados pelas barbaridades que ano após ano são acometidos em seus jogos (ou fora dele) parecem não se importar, ainda, com todo o circo que é montado sob sua marca e tutela pelas torcidas “organizadas” (ou marginais que se infiltram nestas entidades).

O mais impressionante de tudo isso é que, em pleno 2014, quem deveria zelar pela qualidade e entrega do espetáculo, bem como tentar evitar as consequências das punições que sofrem, não o faz. Já comentei, aqui na Universidade do Futebol, esta questão em outras situações no passado, da inércia dos clubes, que parecem ficar à margem de um problema tão complexo e crônico.

Como é comum, “terceiriza-se” o problema. Joga-se a culpa no governo e na polícia, que sabemos, não tem eficiência no tratamento de tantas outras questões que envolvem a segurança pública (enormemente demonstrada pelas estatísticas de criminalidade que assolam o país), quem dirá tratar com eficácia este tema igualmente complexo.

O mais impressionante é que, mundialmente, o tema segurança é tratado sim com enorme interesse por aqueles que “organizam e promovem o espetáculo esportivo”, em consonância, logicamente, com as leis e a Segurança Pública. Na sessão “The Big Debate” da revista Sport Business International (de março-2014, p. 74-75), há a explanação de ideias de especialistas e promotores de eventos para falar do assunto (na época, dialogando sobre a segurança ostensiva observada nas Olimpíadas de Inverno em Sochi). Por unanimidade, independente do tipo de evento, todos corroboram com a tese de que oferecer melhor segurança é fundamental para proporcionar uma atmosfera de evento mais positiva para o CONSUMIDOR.

Por aqui, ao tratarem como se o assunto “não pertencesse a eles”, parecendo ser “obra do acaso” ocorrer brigas generalizadas e mortes por força de uma partida de futebol, os clubes, ao negligenciarem um debate profundo, sério e definitivo sobre a violência, não deveriam ficar espantados com os números pífios de ocupação e frequência em seus estádios. Ora, para um espetáculo ruim e inseguro, quer se esperar uma atitude diferente de quem CONSOME?

Em síntese, não há como se terceirizar o problema. Há soluções já experimentadas em outras partes do mundo que servem de balizador no sentido de minimizar a violência em arenas esportivas, tendo sempre a colaboração e o interesse de quem organiza o espetáculo na construção de um projeto consistente. É preciso separar claramente as responsabilidades de “dentro do recinto esportivo”, pertencentes a quem promove o evento, para o que ocorre “do lado de fora”, que corresponde a ações regulares de segurança pública, somados a medidas de prevenção e de punição severa – ou melhor, o simples cumprimento da lei…