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Será que a culpa é do Felipão?

Deixei para escrever esta coluna após o jogo entre Brasil e Alemanha. A ideia inicial era ser, de fato, um pouco “oportunista”, aproveitando o fato de eu publicar textos aqui na Universidade do Futebol nas quartas-feiras, ou seja, um dia após o referido jogo desta semana.

Tinha em mente falar do Neymar e de, mais uma vez, o país deixar aflorada sua cultura de “lamentações eternas” sem querer debater e buscar as boas alternativas dentro de um elenco de boa qualidade, que poderiam dar novas soluções para uma equipe que não funcionou nos 5 jogos anteriores. Mas o tema perdeu a graça. Foi diminuído pela assustadora derrota do Brasil diante de um futebol que buscou uma evolução significativa nos últimos 12 anos.

Mas o jogo em si, apesar de parecer uma “obra do acaso” ou um “simples apagão”, responde muito mais angústias do que se imagina. Nos últimos 14 anos, desde que eu comecei a trabalhar e a estudar esporte, muitos especialistas vem falando da fragilidade de inúmeros processos de gestão do futebol brasileiro, tanto da parte técnica quanto do aspecto de negócios propriamente dito. Eu mesmo, frequentemente bato nesta tecla nas colunas escritas aqui semanalmente, há pelo menos 4 anos.

Vejo hoje muita gente criticando o técnico Luis Felipe Scolari. De fato, sobre o jogo em si (olhando tão somente para os 90 minutos de partida ou para a concepção da equipe enquanto time), é evidente que ele é o grande culpado. Vê-se em campo um amontoado de bons jogadores tentando fazer alguma coisa isoladamente em um esporte coletivo. É realmente difícil dar certo em razão da dinâmica e da evolução que a preparação das equipes teve nos últimos anos.

Para tirar a dúvida, basta pedir uma comparação, “em off”, para alguns dos jogadores desta seleção sobre os treinadores que eles tem (ou tiveram) nos seus clubes na Europa nos últimos anos com o que eles encontram agora no Brasil em termos de planejamento, preparação, conteúdo analítico e treinamento. Tenho certeza que as respostas seriam mais bem publicadas em programas humorísticos do que nos inúmeros programas esportivos que temos diariamente.

Felipão foi um grande treinador. Foi. Não podemos tirar este mérito dele. O vi, ainda na adolescência, treinando equipes como Grêmio e Palmeiras na década de 1990, bem montadas taticamente e, depois, merecidamente, na própria Seleção Brasileira e Seleção Portuguesa em 2002 e 2004/2006, respectivamente.

Contudo, o modelo de jogo que o futebol mundial encontrou como o mais eficiente naquela época era o da força física em detrimento à parte técnica, apesar de sempre termos tido bons jogadores que permitiam decidir jogos e campeonatos. Lembro de ter participado de várias palestras no início da década de 2000 falando somente de preparação física para o futebol. Nos Congressos, Cursos e Seminários da área, pouco se falava em aspectos táticos e da importância desta preparação em uma equipe de futebol de alto rendimento.

O(s) culpado(s), a bem da verdade, são os gestores (ou a falta deles), que insistem em escolher nomes por crenças antigas de resultados no futebol. Ainda se acredita que tudo o que ocorre no futebol é obra do acaso. Eis o nosso dilema: a grande maioria das escolhas para a montagem de comissões técnicas (tanto em clubes quanto na seleção) não passa pela análise de competências, mas sim por lógicas totalmente empíricas, ainda muito pautadas em um termo que se convencionou como “motivação” (lembrem-se: sem preparação e ferramentas adequadas, é como ir para uma guerra com paus e pedras contra um exército com armas de fogo superpotentes).

Por fim, respondo: não, o Felipão não é o grande culpado. Se ele optou por não se atualizar em termos de treinamento e preparação de equipes de forma adequada, é uma opção dele, que não cabe julgamento, apenas lamentações. A culpa é sim de quem o escolheu, acreditando que o futebol que se joga hoje é o mesmo de 20 anos atrás.

Agora sim, finalizando:

(1) Não desejo com esta coluna ser o “profeta de fatos ocorridos” ou “comentarista de resultado”. Mas é impossível deixar de lado o que ocorreu ontem sem reforçar a partir de uma análise que vem sendo feita há muito tempo, por mim e por tantos outros especialistas da área, muitos deles publicando suas excelentes opiniões aqui no Portal da Universidade do Futebol.

(2) Para olharmos para o lado bom das coisas, que este seja conhecido historicamente como o jogo da virada do futebol brasileiro e possamos fazer melhores enredos no futuro, sendo ou não campeão, mas jogando um futebol que dignifique o futebol brasileiro. 

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Barbosa

Logo depois daquela bola de Ghigghia ter passado entre os braços dele e a quadrada trave esquerda do Maracanã, ele olhou para cima suspirando fundo. Talvez sabendo que aquele instante se perpetuaria na história do futebol brasileiro. Aquela chaga seria eterna na carreira e na vida dele.

Hoje, no céu, os companheiros do goleiro de 1950 estão vendo o jogo pela Sky. Provavelmente.

Eles viram Muller fazer 1 a 0 no Mineirão. E não viram nenhum zagueiro brasileiro por perto, nem o excelente David Luiz, que foi desatento como não costuma ser.

Os zagueiros Augusto e Juvenal comentaram entre si que aquele erro do primeiro dos sete gols (e sete erros…) eles não cometeriam depois do escanteio. Até por que, em 1950, a bola saía pela linha de fundo e já jogavam na área. Não tinha lance ensaiado. Nem a chegada dos zagueiros. Muito menos alguém tão livre como ficou Muller em uma semifinal de Copa.

No segundo gol, Bauer e Danilo Alvim lamentaram a desatenção na entrada da área. Alguém brincou com Bigode que se ele havia sido muito cobrado pelos dois gols que saíram pelo lado esquerdo da defesa em 16 de julho de 1950. Imagina agora o que não detonariam Marcelo…

O terceiro gol alemão parecia ter sido feito contra os 200 mil torcedores anestesiados depois do apito final no Maracanazo. Todos olhando a Alemanha tratar a bola como se fosse o Brasil sonhado, no Mineirão.

O quarto gol foi uma infelicidade de Fernandinho. Daquelas que ninguém cometeu na final de 1950.

O quinto gol estava impedido. Quem se importa?

O sexto foi outra linha de passe. Ou seria o sétimo?

Perdemos as contas.

Jair Rosa Pinto e Zizinho lamentaram a falta de armação no jogo e em quase toda Copa. Reclamaram a ausência de craques como eles. Dois monstros que não ganharam o mundo. Mas conquistaram o planeta bola.

Ademir de Menezes, goleador de 1950, lamentou a péssima forma do artilheiro Fred.

Não poucos lamentaram a ausência do lesionado Tesourinha no time de 1950.

Mas Friaça falou e calou todos:

– Mas quem fez o gol da última partida fui eu, lá da ponta direita, onde jogava o Tesourinha…

Verdade. Ninguém chorou pela ausência de um dos tantos craques de 1950 como tanto se lamentou a perda de Neymar.

Chico lamentou que Hulk não conseguiu ser o jogador da Copa das Confederações. Não apenas ele. Todos jogaram muito mais em 2013 – quando não havia Alemanha. Nem Argentina. Nem Holanda.

Flávio Costa lamentou que tenha sido tão criticado pela perda do título de 1950. Mas entende que Felipão não pode ser tão crucificado como já está sendo.

– Pode sim! Montou o time errado! Meio-campo aberto e defesa remendada exposta. Tinha de saber que a Alemanha tinha mais time, experiência e entrosamento. Mexeu errado! O Parreira também não tinha que falar que éramos favoritos antes de começar a Copa. Onde já se viu???

Quase todos lembraram que o oba-oba em 1950 foi 2014 vezes pior que este ano.

Fato.

Houve um silêncio.

Não tanto como no final daquela tarde de julho de 1950.

Mas houve um silêncio entre todos eles.

Respeitoso silêncio.

Barbosa apareceu na sala de TV da classe de 1950 lá no céu.

Ele pegou o controle remoto, e começou a zapear.

Todo o time de 1950 olhando para ele. Esperando algum comentário. Alguma lástima. Alguma cornetada. Algum suspiro olhando para o céu como aquele de 16 de julho. Ainda que, hoje, o suspiro seria olhar para os lados. Para os velhos companheiros de dor. De derrota. De vice-campeonato mundial.

Barbosa deu uma zapeada na TV. Vendo os comentaristas de sempre, cornetaristas de plantão, ex-atletas, ex-jornalistas, ex-treinadores, ex-árbitros, ex-colados, ex-croques, ex-colunistas, calunistas, todos detonando tudo. A torcida, a Fifa, a Dilma, o Aécio, a grama, o excesso de grana, a falta de gana, os cambistas, as cambalhotas, o Reich, o Fuhrer, a Alemanha, os godos, ostrogodos, visigodos, gordos e magros.

Barbosa ouviu muito, concordou pouco.

Alguns companheiros foram jogar caxeta. Alguns foram bater as asas de anjo em outros cantos.

Ele acabou sozinho.

Mais uma vez.

Suspirou fundo. Olhos para todos os lados.

Saiu da sala e foi até o gramado ao lado.

Viu a trave do campinho onde ainda hoje eles batem uma bolinha celestial lá no campo dos sonhos.

Foi até lá.

Quando encontrou os dez uruguaios de 1950 que já estão no céu. Todos batendo sua bolinha, em ainda mais respeitoso silêncio que o do Maracanazo.

(Ghigghia, justo o Ghiggia do segundo gol, ainda está vivo. Muito vivo. Só ele ainda está entre nós – não entre eles no campinho dos céus).

Os celestes nada falaram quando viram Barbosa de novo debaixo das traves.

Ele abriu os braços como se fosse fazer a defesa que todas as noites ele tenta fazer desde 16 de julho de 1950. Em vez de agarrar a bola que então e para sempre escapa, ele recebeu dez abraços respeitosos dos adversários. E, logo depois, mais dez abraços dos companheiros de vice-campeonato em 1950.

Ninguém falou nada. Apenas abraçou o goleiro que o Brasil culpou.

Acabada a sessão de abraços, Barbosa deixou a trave do campinho e voltou ao seu quarto para fazer a oração de todos os dias desde 16 de julho de 1950.

Quando pediu a Deus mais uma vez para que nenhum goleiro sofra o que ele passou.

Para que Júlio César e nenhum outro dos amarelos de 8 de julho de 2014 sofram o que a classe de 1950 sofreu eternamente.

Barbosa orou bastante.

Talvez, agora, seja escutado.

Mas, se não for, mais uma vez ele fez a parte dele.

Vergonha não é perder.

Vergonhoso é não saber perder.

Ainda mais quando não se está em campo e em jogo para ser derrotado.
 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.