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Vontade de mudar

Um mês é tempo suficiente para muitas mudanças. Desde que a necessidade de mudar seja assimilada, é claro. Na última sexta-feira (08), a maior goleada que a seleção brasileira de futebol sofreu em todos os tempos completou um mês. Infelizmente, contudo, episódios isolados dão a ideia de que o resultado, que podia ter sido causa, vai continuar apenas como consequência.

No último domingo (10), Luiz Felipe Scolari fez sua reestreia oficial como técnico do Grêmio. Comandou a equipe tricolor em derrota por 2 a 0 para o Internacional e mudou muito a escalação. Questionado sobre o porquê de ter feito isso, o treinador que dirigiu a seleção brasileira nos 7 a 1 para a Alemanha usou explicação parecida com a que ele tinha escolhido um mês antes.

“Pensamos em colocar uma equipe diferente da que vinha jogando, com algumas modificações, com jogadores que precisavam de oportunidade para mostrar se podiam permanecer. O resultado não é o que vai me fazer entender que está tudo errado”, disse o técnico do Grêmio.

Na goleada sofrida diante da Alemanha, Scolari não pôde contar com Neymar, que havia sofrido uma fratura em uma vértebra na partida contra a Colômbia. Treinou com Willian entre os titulares na maior parte do tempo, mas acabou escalando Bernard.

A explicação de Scolari para isso foi exatamente a chance de usar um time menos conhecido pela Alemanha. O treinador atribuiu à cobertura da imprensa o mistério e a falta de treinos com a equipe que ele escalou na semifinal da Copa do Mundo.

Um mês e uma goleada depois, Scolari segue pensando que mistério ganha jogo. E segue achando que o adversário não ter conhecimento sobre o time dele é mais relevante do que o próprio time dele.

Scolari é o maior exemplo do quanto a goleada sofrida pelo Brasil mudou pouco, mas ele não é o único. Outro vem da coluna do jornalista Paulo Vinicius Coelho no jornal “Folha de S.Paulo”. Publicado no último domingo, o texto fala sobre a seleção sub-20 convocada por Alexandre Gallo para o torneio de Cotif, na Espanha.

“A lista de 22 convocados por Gallo indica a manutenção de vícios antigos da base. Treze têm mais de 1,80m e dezoito nasceram antes de setembro”, escreveu. “Dos convocados para Valência, o volante Eduardo, do Atlético-MG, é bom. Nasceu em maio de 1995 e tem 1,84m. Também é excelente o volante Lucas Otávio, emprestado pelo Santos ao Paraná Clube, nascido em outubro de 1994, de 1,64m. Mas ele não foi convocado”, continuou.

Resultados estão longe de ser um parâmetro importante no processo de formação de atletas. As seleções de base não precisam de jogadores altos e mais velhos (portanto, com processo de maturação mais avançado). Elas precisam de um projeto que priorize o talento e que seja realmente focado na criação de atletas com capacidade para integrar o time profissional.

Também não é por causa do resultado que foi decepcionante a participação do Brasil na Copa das Nações sub-16, encerrada na semana passada. O time do técnico Caio Zanardi foi eliminado pelo Paraguai em cobranças de pênaltis, nas semifinais, depois de empate por 1 a 1 no tempo normal.

O que chamou atenção negativamente foi a proposta de jogo da seleção brasileira. Antes das semifinais, o time bateu Coreia do Sul, Costa Rica, Canadá e México. Em todos esses jogos, apelou a lançamentos longos e bolas alçadas. Em vez da técnica, venceu pela superioridade física.

A maior goleada sofrida pela seleção brasileira em todos os tempos podia ter sido um marco. O resultado podia ser aquele ponto na história a ser citado no futuro como “o momento em que tudo mudou”. Agora pense nas histórias citadas neste texto. Algo mudou, afinal?

Em julho deste ano, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) fez reuniões com times das quatro divisões do Campeonato Brasileiro. Os encontros foram realizados na sede da entidade, no Rio de Janeiro, e pouco se falou sobre a questão técnica. Os principais assuntos em pauta foram a lei de responsabilidade fiscal do esporte (LRFE) e a divisão de cotas de direitos de transmissão.

Nesses encontros, CBF e clubes montaram até estratégia para fazer lobby em âmbito nacional e aprovar a LRFE, lei que refinancia dívidas dos clubes brasileiros mediante a algumas contrapartidas de gestão. O dispositivo tem forte resistência de grupos como o Bom Senso FC, que questiona a debilidade do retorno exigido e a falta de um ente regulador para controlar o cumprimento desses itens.

Espanta ver que CBF e clubes podem organizar lobby político em todo o país, mas sequer pensam em uma estratégia nacional para mudar parâmetros do futebol profissional ou melhorar o trabalho na base.

A TV Globo também marcou reuniões com times brasileiros. Os encontros serão feitos em fóruns menores, com quatro ou cinco equipes, ainda neste mês. A ideia da emissora é falar sobre o atual momento do futebol brasileiro, que perde 10% de espectadores a cada ano, e cobrar mudanças na gestão.

A Globo é apenas uma consumidora do produto futebol. No entanto, chama atenção que a TV é a única a demonstrar preocupação aberta com o tipo de jogo que o Brasil pratica atualmente.

Enquanto isso, os times brasileiros brincam com o torcedor. O presidente do Botafogo, Maurício Assumpção, admitiu que deixou de pagar impostos porque espera a aprovação da LRFE. O Corinthians está envolvido em denúncia do Ministério Público sobre desvio de impostos. Paulo Nobre já injetou mais de R$ 100 milhões do próprio bolso para reforçar o Palmeiras, que não vence um jogo sequer há oito rodadas no Campeonato Brasileiro. Como diz um amigo, o fundo do poço não tem mola.