E se o Galo tivesse rebaixado o Cruzeiro no último jogo do BR-11?
Na Arena do Jacaré, a Raposa dirigida por Vagner Mancini precisava vencer para não ser rebaixada. O Galo de Cuca (que dirigira o rival nos primeiros cinco jogos sem vitórias no BR-11) tinha a faca e o pão de queijo nos pés para rebaixar o Cruzeiro pela primeira vez para a Segunda Divisão, no último jogo dos 19 anos de Zezé Perrella no comando do clube.
Era para entrar mordendo o Galo, ainda que sem Neto Berola. Era para o Cruzeiro ter sentido a ausência dos suspensos Montillo e Fábio, os melhores celestes, e o tático Marquinhos Paraná.
Era para ter sido o jogo para o Atlético mandar o Cruzeiro para o inferno que purgara em 2006.
Não foi.
Acabou sendo a maior goleada do Cruzeiro no clássico mineiro que, então, estava empatado na estatística do Brasileirão. Eram 18 vitórias para cada lado.
Mas só um time a buscou em 4 de dezembro de 2011.
Com 8 minutos, as supersticiosas camisas brancas do Cruzeiro abriram o placar. Anselmo Ramon fez inusitada bela jogada pela direita e deu no pé de Roger Flores.
Sete minutos depois, o Bahia abriu o placar contra o Ceará, outro resultado ótimo para o time azul. Diferente da derrota no clássico para o Galo, que perdia assim um lugar até na Copa Sul-Americana. Um excelente preparativo para a Libertadores…
Mas o Galo fazia feio. Teve duas chances, se tanto, até levar o segundo gol, aos 28. Roger bateu no segundo pau, Serginho não subiu, e Leandro Guerreiro fez de cabeça.
Guerreiro que na véspera perdera um filho abortado pela mulher. Guerreiro que foi o espírito do Cruzeiro contra um Galo amuado.
Batia cabeça o Atletico e ninguém batia legal o coração alvinegro. Cuca colocou Magno Alves como homem para encostar em André. Carlos César passou para a lateral, aos 32.
Não deu 42 segundos e o Cruzeiro ampliou. Réver bobeou e foi ultrapassado fácil por Welington Paulista, que armou o lance para Anselmo Ramon virar como quis sobre Leo Silva e fazer fácil o terceiro gol, enfiando a bola entre as pernas de Renan Ribeiro.
Lance juvenil de Réver e Leo Silva. Dois colossos campeões da América um ano e meio depois da goleada em Sete Lagoas.
O 3 a 0 celeste rebaixava Ceará, Atlético Paranaense, América Mineiro e Avaí.
O Galo até tentava. Agora pela direita, o promissor Bernard fazia fumaça. Mas foi no contragolpe pela esquerda que Fabrício partiu, foi levando, passou como quis por Richarlyson, e bateu de fora da área a bola que bateu em Carlos César e tirou o goleiro.
Quatro a zero aos 45 minutos. Nem deu a saída. Acabou ali o primeiro tempo. E o sofrimento azul.
Quando reiniciou a partida, com menos de 25 segundos, a China Azul, dona daquele mando de jogo com torcida única (sempre um absurdo) começou a gritar olé. Merecido pela bola que o Cruzeiro estava jogando e há muito não jogava, e por tudo aquilo que o Galo deixou jogar. De modo deplorável.
Aos 11, o lance que melhor representa o que se viu em campo. Roger passou duas vezes por dois. Ou quatro vezes. Arrancada sensacional pela direita que terminou no toquinho para a cabeçada de Wellington. A bola nem precisou bater na rede.
5 a 0. Roger, que acabou com o jogo, deu o gol ao artilheiro, que fez sinal de que tudo teria acabado.
Show celeste. Xô, Galo!
O jogo para rebaixar o rival. E o Atlético se rebaixou.
Ainda diminuiu, em lance de Leo Silva para Rever. 1 x 5. 15 minutos. De zagueiro para zagueiro como se fossem atacantes. Como seriam também isso em 2013.
Mas ainda era pouco. Tanto que a torcida celeste gritou o nome de “Cuca”, agradecendo a goleada sofrida. Mas, também, no fundo, o ótimo trabalho que havia feito na Libertadores daquele ano.
O jogo seguiu morno. Mesmo com os vermelhos dados a Werley e Wellington Paulista. Mas do banco vinha o crédito. Ortigoza foi ao fundo e deu o sexto gol a Everton. A bola entrou e, como no primeiro tempo, o jogo nem recomeçou.
6 a 1.
O Cruzeiro que só tinha um ponto de diferença contra os rivais na luta pelo rebaixamento abriu cinco gols de vantagem contra o maior rival. Galo que tinha o mesmo patrocinador do Cruzeiro. E não teve mais nada em comum além do BMG no peito.
“A vitória do milênio” para o Galo virou uma goleada eterna.
– isso não é perder um jogo. É pisar no nosso coração.
Falou e disse Alexandre Kalil, presidente do Galo.
Mas…
E se o Cruzeiro tivesse perdido?
Teria sido campeão brasileiro em 2013 depois de ter vindo da série B em 2012?
Nunca aconteceu.
O Galo teria conquistado tudo que venceu desde 2013?
Certamente. Mas aquela derrota serviu para muita gente saber na Cidade do Galo que é preciso estar atento até os últimos lances. Como time e torcida tanto acreditaram na Libertadores-13 e, agora, na Copa do Brasil-14.
Mas…
E se fosse diferente?
Responde Leonardo Bertozzi, que comigo e com Mario Marra escreveu “Nós Acreditamos”, o livro campeão da Libertadores de 2013, editado pela BB.
Bertozzi, e se o Galo tivesse vencido em 4 de dezembro de 2011? Ele responde como se fosse fato consumado:
– Aqueles jogadores do Galo viraram heróis para a torcida, que nunca mais precisaria ouvir gozações sobre segunda divisão. Parecia um título. E acabou sendo a coisa mais próxima de um titulo desde então. Acomodação tomou conta do Galo em 2012, e o melhor resultado desde então foi um sétimo lugar no Brasileiro. Contratações desesperadas, trocas de técnico e as frustrações de sempre. O Cruzeiro subiu sem sustos e voltou a montar times competitivos, mas os 11 anos sem um título de expressão incomodam cada vez mais”
É a projeção de Bertozzi.
Anderson Olivieri, autor de “20 Jogos Eternos do Cruzeiro” (Maquinária Editora), conjectura o que seria se a Raposa tivesse perdido em Sete Lagoas o jogo que encerra o seu livro.
– Virou lugar-comum dizer que o 6 a 1 de 2011 foi bom para os dois clubes. Ao Cruzeiro, óbvio, porque não caiu e ainda aplicou a maior goleada da história no rival. Ao Atlético, pois teria sido um divisor de águas na gestão do clube. Não vejo assim. Acho que as duas equipes despontaram porque foram eficientes no trabalho pelos anos seguintes. Ainda que o Atlético tivesse rebaixado o Cruzeiro naquela oportunidade, acredito que haveria bonança aos mineiros, como houve, em 2013 e 14. Mas deixemos o “se” de lado. A história, como escrita, está suficientemente heroica e imortal.
É isso.
O Cruzeiro teria tudo para fazer mais história, sendo “tri” nacional, com o título da B em 2012 e o bi-tetra da A.
O Atlético teria tudo para ter feito o que de lindo conquistou em 2013.
E, agora, pode fazer mais uma história inédita em 2014.
*Texto publicado originalmen
te no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.