A Lei Pelé, de 1998, e suas subsequentes alterações trouxe uma série de inovações na forma de regulamentação da legislação pertinente ao esporte no país, dentre as quais a responsabilização dos dirigentes que mal conduzem as entidades as quais assume mandato por tempo determinado.
Vou ignorar, neste contexto, a Lei Zico, de 1992, que igualmente previu sanções a dirigentes por má administração – apenas para facilitar e tornar mais objetivo esta coluna, embora extensa pela complexidade do tema.
Vamos destacar os seguintes artigos e redações: (1) no Artigo 2º, que fala em “responsabilidade social de seus dirigentes” – o “seus”, grifado, refere-se as entidades do desporto; (2) no Artigo 23, que aborda a “inelegibilidade dos dirigentes” que forem condenados por crime doloso, inadimplentes na prestação de contas de recursos públicos ou da própria entidade que dirigem, afastados de cargos eletivos ou de confiança de entidade esportiva, inadimplentes das contribuições previdenciárias e trabalhistas ou falidos. Reforça ainda que o dirigente, mesmo que o estatuto da entidade esportiva não preveja, estará afastado preventivamente ao incorrer em uma das hipóteses supra citadas, prevendo-se a sua destituição; (3) no Artigo 27 há a previsão de que dirigentes de entidades de administração ou prática esportiva de competições profissionais sujeitam seus bens particulares (grifo meu, por remeter ao Código Civil), além das sanções e responsabilidades previstas também no Código Civil, que é, em síntese, a devolução do prejuízo à entidade na hipótese de gerar proveito próprio ou de terceiros; (4) o Artigo 27 vai além, prevendo em seu parágrafo 6º que o financiamento com recursos públicos ou os programas de recuperação econômico-financeira só poderão ocorrer se atenderem a condições como apresentação de um plano de resgate e de investimento (inciso II), garantia de independência dos conselhos fiscal e de administração (inciso III), adotar modelo profissional e transparente (inciso IV), apresentar suas demonstrações financeiras em conjunto com relatórios de auditoria, conforme já estipulado na própria Lei (inciso V). Complementa no parágrafo 7º que a implementação de um eventual plano de resgate deverá ser utilizado para a quitação prioritária de débitos fiscais, previdenciários e trabalhistas (inciso I), subsidiariamente para investimentos na construção ou melhoria de equipamentos esportivos (inciso II); (5) permanecendo no Artigo 27, parágrafo 13, reforça-se que, para fins de fiscalização e controle, as entidades esportivas com atividades profissionais equiparam-se às sociedades empresárias; (6) no Artigo 46-A, reforça-se o viés da transparência, obrigando as entidades esportivas com atividades profissionais de darem publicidade a suas demonstrações financeiras, separando as atividades econômicas e regidas por critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade. Como sanção, prevê-se a inelegibilidade de dirigentes (por até 10 anos) ou a nulidade de atos praticados, com aplicação da lei vigente.
Com base nesta narrativa e todas estas amarrações legais, vou listar aqui o nome e a agremiação de todos os dirigentes já punidos por meio da legislação vigente:
Exatamente! Nenhum dirigente até hoje foi punido (se estiver enganado, me avisem! Pelo menos posso afirmar que não tive conhecimento…). Apesar de vermos que o legislador se preocupou com diferentes questões ligadas a sanções e fiscalização das entidades esportivas, o resultado prático é o que temos visto nos últimos anos: o crescimento exponencial do endividamento dos clubes. Nenhuma entidade de prática ou de administração do esporte abriu denúncias ou foi efetivamente responsabilizada por seus atos.
Ou seja, mudar lei achando que irá mexer no sistema é um debate anacrônico. Já se tentou isso várias vezes ao longo da nossa história recente. O fato é que sempre vamos para o caminho mais fácil, que é o da sanção ante a previsão de regras que, ao serem descumpridas, tem-se efetivamente a punição a A ou B, que dificilmente acontece.
Na prática, a morosidade ou a ausência de punição torna o desvio algo estimulante na cabeça da grande maioria dos dirigentes – é bom que se diga que tal linha de raciocínio e sistema não são privilégios do esporte de uma maneira geral.
Falar que as entidades esportivas são, há anos, coniventes com administrações nefastas também não é nenhuma novidade. Que o poder judiciário segue a mesma premissa também não o é. Está claro que há um descumprimento massivo da legislação vigente. Aí pergunto: por que devemos acreditar que agora será diferente?
Reforça-se ainda, dentro deste contexto, que a “transferência de responsabilidade” das entidades esportivas para o governo, com a criação de uma “Agência Reguladora” a partir do refinanciamento de dívidas fiscais, em um momento que, ironicamente, o Governo Federal passa por severos ajustes fiscais, é algo extremamente questionável.
Mas, como diz o ditado, “águas passadas não movem moinhos”, vamos ao que interessa: teremos uma Agência Reguladora! É o que foi definido em um ciclo de reuniões no Ministério do Esporte na última semana.
Por se tratar de uma premissa que parece irrefutável, resta-nos pensar em soluções para o cenário que foi construído por linhas não tão retilíneas assim. Para que uma Agência Reguladora no esporte seja efetiva e para que não precisemos voltar ao mesmo assunto daqui 10 anos, insisto, como venho fazendo há algum tempo, que o sistema inverta a sua direção e forma de abordagem, encarando o problema definitivamente.
Ao invés de punitivo, que se crie um SISTEMA DE ESTÍMULOS. Para mudar de fato a gestão dos clubes, a única solução que consigo enxergar é o de aplicação da MERITOCRACIA, ou seja, aqueles que fazem bem feito, terão BENEFÍCIOS. Aqueles que não cumprirem com determinados indicadores, serão sistematicamente esquecidos.
Seria algo como o que a Agência Moody’s faz, sinalizando ao mercado quais são as empresas que merecem investimentos e quais são aquelas que não vale a pena manter qualquer tipo de relacionamento comercial, pontuando-as periodicamente.
Para o caso do futebol, seria o indicador para que patrocinadores e mídia saibam quem são as entidades boas para se investir e quais são aquelas com maiores riscos de imagem e credibilidade que podem impactar negativamente seus negócios.
Para atletas saberem quem são bons contratantes e quem são os maus pagado
res, utilizando a informação como poder de barganha para as suas negociações (ou em uma via de mão-dupla se pensarmos com a cabeça dos clubes com melhores avaliações na hora de negociar contratos). Para fornecedores de quaisquer naturezas a premissa é similar a dos atletas. Para empréstimos ou benefícios fiscais, se teria um balizador importante, tanto para o governo quanto para bancos no momento de calcular os juros, por exemplo.
Neste âmbito, apenas as entidades com boas práticas de gestão teriam facilidades para se relacionar com o mercado e, consequentemente, serem competitivas no meio esportivo. Automaticamente, educa-se o mercado esportivo para uma concorrência sadia por aperfeiçoar suas práticas de gestão.
Para finalizar, vamos a mais uma analogia do nosso cotidiano para poder reforçar o conceito: o que se está tentando fazer ao se criar mais um sistema de sanções às entidades esportivas é o mesmo que achar que a segurança pública se resolve com mais presídios e não com mais educação e projetos sociais de longa duração e elevado impacto… Voltando a pergunta do título: “Só a Lei funciona?”.