Este texto não tem qualquer pretensão de ser um tratado social ou de teorizar sobre o contexto político do país. Entretanto, é impossível ignorar que existe uma movimentação crescente e que um número maior de pessoas tem sido incluído no debate político – frutos de uma conjuntura ampla, que abarca aspectos como o advento de redes sociais e a evolução econômica da sociedade.
O Brasil teve manifestações pró-governo (na sexta-feira, dia 13/03) e contra governo / corrupção / tudo que está aí (no domingo, dia 15/03), e esses movimentos dicotômicos atraíram muita gente (se não às ruas, ao menos para o Facebook). No futebol, porém, todo mundo ainda finge que isso não existe.
A exceção no último fim de semana foi o técnico Oswaldo de Oliveira. O jogo do Palmeiras contra o XV de Piracicaba, agendado previamente para começar às 16h de domingo (horário de Brasília), foi antecipado para 11h para não coincidir com o horário das manifestações em São Paulo. Questionado sobre isso, o comandante alviverde disse apenas que “o motivo é justo”. Mais uma vez: essa não é uma análise sobre ele ser contra ou a favor das manifestações.
O ponto é que a ebulição política no país não tem qualquer ressonância no futebol. Ninguém se posicionou abertamente sobre o tema, e quem falou minimamente apostou apenas em platitudes. A ideia de “pão e circo” nunca foi tão clara.
O que chama atenção é que o Brasil tem histórico de associação política no futebol. Foi sobre outro dia 15, o de novembro de 1982, quando São Paulo teve a primeira eleição direta para governador após o período nefasto de ditadura militar. O Corinthians, que vivia o auge da democracia corintiana, usou na camisa um “Dia 15 vote” para convocar o povo a participar dessa abertura política.
Talvez seja demais exigir do futebol brasileiro atual um nível de debate como o da democracia corintiana, movimento que reunia boas cabeças entre jogadores, dirigentes e até torcedores. Na atual conjuntura, boas práticas políticas – e o Bom Senso FC é o exemplo mais claro disso – são subjugadas e tratadas como “briga de classe”. O futebol brasileiro de hoje falha ao não ser abrangente e não criar canais de debate que incluam todos os setores envolvidos. Contudo, o que assusta é que ninguém tenha tomado partido.
Ronaldo fez isso – aliás, como tem feito há tempos – e esteve nas manifestações de domingo. O ex-jogador mostrou alinhamento a todo o cabedal político que ele tem defendido desde antes da aposentadoria – no ano passado, o “Fenômeno” havia sido um dos principais defensores da candidatura de Aécio Neves (PSDB-MG), derrotado nas eleições presidenciais. Não concordo com rigorosamente nenhuma decisão política do ex-atacante – nem no campo social, tampouco na política do esporte –, mas ao menos tenho base para saber o que ele pensa.
Na reta final das eleições presidenciais, Neymar acompanhou Ronaldo e também manifestou apoio a Aécio. Outros atletas declararam voto – alguns de forma mais incisiva, outros com postura mais contida. E nos últimos dias, quem falou abertamente?
O futebol brasileiro precisa deixar de ser tratado como uma entidade alheia à sociedade. Times, jogadores e funcionários (treinadores, auxiliares, roupeiros, massagistas e dirigentes) são entes fundamentais para qualquer debate.
O momento atual é significativo para a sociedade brasileira. É uma chance concreta de atrair um número maior de pessoas ao debate e criar discussões mais densas a partir disso. Temos pouca (ou nenhuma) cultura de vivência política, e os últimos dias têm oferecido uma demonstração clara de que muita gente quer participar mais. Para isso, é fundamental que esse contingente seja municiado com informações e que seja provocado. Essa é, afinal, uma função muito relevante para qualquer ídolo.
E qual jogador de futebol do Brasil tem se comportado como ídolo nas questões sociais? Não consegui encontrar um atleta sequer que tenha provocado seus fãs ou que tenha dado qualquer contribuição significativa ao debate – nem mesmo os líderes do Bom Senso FC, cuja pauta é bem distante dessa.
O distanciamento entre torcedor e futebol brasileiro não é uma questão apenas de qualidade do jogo ou de falta de grandes nomes no país. Trata-se de algo mais abrangente, que inclui também o descolamento entre o esporte e a vida das pessoas. Se as pessoas que fazem o futebol brasileiro seguirem tratando o segmento como algo que não tem relação com o contexto social, essas barreiras só tendem a crescer.
É claro que qualquer posicionamento envolve riscos, mas o fato é que o futebol brasileiro precisa desses riscos. Se quisermos que o esporte cresça, temos de formar porta-vozes mais preparados e dispostos a participar da vida como um todo.
O futebol, afinal, não é um oásis – ao contrário, talvez seja o exemplo mais perfeito de ambiente contaminado por práticas que motivaram manifestações de revolta. Fingir que não acontece nada é a forma mais covarde de agir agora.
O ativista social sul-africano Desmond Tutu tem um pensamento extremamente pertinente para esse momento: “Se você vir uma situação de injustiça e se mantiver neutro, você já escolheu o lado do opressor”. E no caso da polarização política brasileira, a citação vale independentemente do lado que você considere ser o opressor.