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Bolhas de gestão

A gestão do esporte entrou definitivamente na pauta dos principais programas e reportagens sobre o esporte nos últimos tempos. Ainda que, por vezes, muitos dos argumentos são construídos de maneira empírica, é inegável como este tem sido um tema recorrente, a ponto de se tornar pauta, também, dos “papos de botequim”, o que evidencia a sua “popularização”. Não são raros os programas que passam do debate das quatro linhas do jogo para falar de patrocínio, finanças e política dos clubes de futebol.

Bom por um lado, uma vez que passamos a começar a olhar os resultados de campo de uma maneira diferente, a partir de uma percepção mais cética, cautelosa e ampla. Muito ruim, porque, ainda, existem muitas percepções completamente distorcidas da realidade vivida pelos clubes de futebol do país e dos significados sobre os conceitos de gestão do esporte, o que atrapalha em certas circunstâncias o desenvolvimento desejado para as organizações do esporte.

No que diz respeito a forma e aos casos relacionados a gestão dos clubes, uma definição que para mim começou a ser convincente no ambiente de diálogo com colegas (especialistas ou não da área) ou alunos ou mesmo individualmente, para analisar os fatos, é o que passei a chamar de “Bolha de Gestão”.

O significado deste conceito é que a gestão por especialistas ainda não se tornou uma cultura enraizada nos clubes de futebol, passando por processos de altos e baixos. São levados ao sabor do vento sob as crenças e atitudes de grupos que passam pelo clube a cada ciclo eleitoral, ou seja, quando há um grupo político disposto a melhorar a forma como as coisas funcionam, conseguem fazê-lo por um curto período de tempo, até a chegada de um novo que, com pensamentos diferentes, podem dar continuidade, com aperfeiçoamento, ou simplesmente mudar tudo, retrocedendo um conjunto de mudanças positivas.

Como dois ou quatro anos, por vezes, é muito pouco tempo, na prática, consegue-se apenas formar uma bolha que blinda momentaneamente aquilo que não é desejável entrar de fora para dentro. Como as intervenções necessárias para o futebol brasileiro deveriam ser pensadas e executadas em décadas em virtude da sua complexidade e defasagem histórica sobre processos de inovação, o quadro final é o que temos hoje: “causos” e não “cases” de gestão do esporte! E é sob esta confusão, especialmente, o aspecto principal que os analistas mais erram, o que prejudica a evolução continuada.

Também e, talvez, principalmente, que as decisões do presente, na grande maioria dos casos, são para resolver problemas unicamente do momento, sem uma visão sobre os impactos no futuro. A sustentabilidade das decisões é moldada conforme a necessidade de hoje!

É por isso que assistimos um Corinthians avassalador no início desta década e já vemos uma situação periclitante na metade dela, apenas 5 anos depois. A conta demorou um pouquinho a chegar, mas veio. E com força que pode ser devastadora para os projetos do clube nos próximos anos se não aparecer um fato novo que mude o quadro preocupante de hoje.

O São Paulo é um exemplo ao contrário. Cansou de acertar nas décadas de 1990 e início dos anos 2000. De tanto acertar, parece que resolveu voltar a um modelo de clube do passado. A situação talvez só não seja pior porque a construção histórica deu bases muito sólidas para a manutenção de um status razoável hoje em dia, isto é, uma cultura forte de gestão que é difícil ser mudada no curto prazo para gerar um efeito tão negativo.

Já o Flamengo é a “menina dos olhos” do momento. E de forma justa! Os problemas do passado são enormes e desafiadores, impactando em muitas coisas na gestão do presente. Muito provavelmente, as intervenções dos últimos 3 anos só terão efeito positivo daqui mais uns 3 a 5 anos, se não mais. O dilema aparece quando há um conflito entre o que deve ser feito no âmbito da gestão ante aquilo que o torcedor (e opinião pública) desejam que se faça no campo, no próximo jogo… É aí que os bons projetos tem perdido a mão no país.

Não que a boa gestão é contrária à performance em campo. Muito pelo contrário: um lado contribui com o outro. A boa gestão irá garantir que se faça um bom trabalho no aspecto esportivo sem afetar o desenvolvimento organizacional futuro, de modo a manter de forma mais perene a performance e os resultados econômicos do clube.

O ponto de inflexão está nas dificuldades em processos de tomadas de decisão pelo ambiente de conflito entre uma gestão mais racional e equilibrada com a necessidade de resultados esportivos de curto prazo. Eis uma situação peculiar da indústria do esporte que não é percebida em outros ambientes de negócio.

Por isso, o equilíbrio é fundamental! Para não termos as tais “bolhas” ao longo do tempo, para o bem ou para o mal, é necessário que os clubes passem a trabalhar com mais clareza e transparência seus processos de gestão e onde querem chegar com o tempo – e com recursos próprios!

Outra forma de “bolha” comum no meio do futebol é a chegada de dirigentes mais abastados que colocam dinheiro no clube, seja por meio de doação ou mesmo por empréstimo. A falsa sensação de melhoria em um período específico dá lugar à realidade anos mais tarde. Por isso o termo “recursos próprios” foi enfatizado no parágrafo anterior.

Enfim, para o bem do futebol brasileiro, precisamos desenvolver urgentemente um processo de melhoria da visão de performance organizacional em detrimento a performance de diferentes dirigentes. Se invertermos um pouco esta lógica, tenho plena convicção de que muitas coisas poderão mudar positivamente!