O trabalho do técnico Pep Guardiola tem marcas indeléveis desde a época em que ele comandava o Barcelona. Posse de bola, marcação pressão e linha de defesa adiantada são características que servem como exemplos de todas as equipes montadas por ele. Na temporada 2015/2016, porém, esses pontos tiveram um novo patamar. O Bayern de Munique montado pelo espanhol prescindiu de zagueiros e venceu o Bayer Leverkusen por 3 a 0 no Campeonato Alemão. Isso, não houve zagueiros. Não houve zagueiros de ofício e não houve zagueiros improvisados. A equipe bávara é o caso mais bem lapidado de um futebol que nós ainda não sabemos analisar.
Quando a escalação do Bayern de Munique foi montada, a notícia repercutiu na rede social Twitter. Jornalistas, torcedores e curiosos de todo o mundo discutiram qual seria o esquema do time de Guardiola e quem seria responsável pela zaga. Lahm é lateral direito, mas também atua como volante. Alaba e Bernat também são alas, e Xabi Alonso, volante, já havia sido escalado na linha defensiva. Seriam os quatro? Três deles? Dois?
Guardiola já tinha transformado Mascherano em zagueiro no Barcelona. Também criou no time espanhol uma formação fluida, que tinha o lateral esquerdo Abidal alternando funções na linha defensiva de acordo com a necessidade de cada partida.
No Bayern de Munique, Guardiola criou algo ainda mais flexível. A defesa que jogou contra o Bayer Leverkusen não tinha defensores. Aliás, o meio-campo também não tinha meio-campistas, e o ataque não tinha atacantes. O espanhol tem tentado derrubar o posicionamento fixo, com nomes e números, algo que norteou as opiniões sobre o futebol nas últimas décadas.
O futebol preconizado por Guardiola é alicerçado em leitura de jogo e na necessidade de posicionamento para cada instante. O que o espanhol defende é que os atletas entendam o que está acontecendo no campo e se comportem de acordo com isso.
A criação de um ambiente assim vai contra o modelo de formação usado no futebol brasileiro há anos. Vivemos num país em que a base pedagógica – e não apenas no esporte – é tecnicista e militarizada, com pouquíssimo espaço para entendimento e construção de raciocínio crítico. Como o colunista e ex-jogador Tostão cansou de escrever, nossos atletas têm conhecimento empírico (sabem fazer e conseguem resolver problemas, mas não sabem por que fazem ou como resolvem).
Romper esses paradigmas é parte fundamental para a construção de um futebol diferente no Brasil. Muitos dos problemas que o país tem no esporte – e a seleção brasileira é o ápice disso – são decorrentes de como aprendemos a olhar para o ambiente e como construímos conceitos sobre o jogo.
O problema é que o futebol está mudando tão rapidamente quando o mundo que nos cerca. O futebol de outro dia não existe mais, assim como o mundo de outro dia não existe mais. Se continuarmos buscando as respostas antigas e continuarmos usando apenas os conceitos antigos, não conseguiremos ler o jogo moderno.
É só pensar em como são conduzidos os debates sobre o futebol brasileiro atualmente. Vivemos numa época em que as análises se baseiam em frames de vídeos, em imagens congeladas e em provocações de torcedores. Vivemos numa época em que se coloca os erros sob lupa (erros de atletas, de técnicos e de árbitros), mas não temos contexto. Criticar a arbitragem a cada falha é fácil (e necessário, diga-se), mas precisamos atacar o problema certo: a estrutura que possibilita a escalação de profissionais mal preparados e mal formados.
O futebol, como costuma dizer o sociólogo Ronaldo Helal, é um microcosmo da sociedade. Assim como o mundo que o cerca, o esporte tem coisas boas, coisas ruins, gente boa e gente ruim. A estruturação pedagógica é apenas parte disso, mas nós vamos seguir com problemas se não atacarmos as questões certas.
Não basta questionar o nível da seleção brasileira se não colocarmos isso em contexto e cobrarmos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e dos clubes uma estrutura que melhore a formação dos atletas. Não basta criticarmos treinadores e dirigentes se não tivermos um nível melhor de formação deles no Brasil. Não basta reprovarmos árbitros e auxiliares se não pensarmos em como eles podem ser mais bem preparados.