Categorias
Sem categoria

Domingo sem futebol

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou como grande novidade no calendário desta temporada o fim de rodadas concomitantes com jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo. Ainda que esse fim não seja assim tão incisivo, a primeira rodada do torneio classificatório serviu para mostrar o quanto ele é preocupante. O time comandado por Dunga esteve longe de ser a única decepção do futebol nacional nos últimos dias.

O Brasil estreou nas Eliminatórias na quinta-feira (08), no Chile, e perdeu por 2 a 0 para os donos da casa. Foi o pior resultado dos visitantes em uma primeira rodada da qualificação em todos os tempos, e isso conta apenas parte da frustração dos torcedores locais com a partida. Mais do que a derrota, a equipe moldada por Dunga sintetizou motivos que têm debelado o orgulho local relacionado ao futebol: a disposição tática deficiente, a renúncia à bola, os erros técnicos e a postura que em muitos momentos flertou com a apatia.

No fim de semana seguinte (dias 10 e 11), a CBF não agendou rodada do Campeonato Brasileiro. É fundamental entendermos como evoluções necessárias o respeito à “data Fifa” e a paralisação do futebol nacional, mas no caso do Brasil isso só serviu para expor ainda mais a inépcia da entidade que comanda o futebol local.

Ora, a paralisação do futebol não pode significar uma renúncia à mídia. É simples entender a necessidade de o calendário não ter eventos nesse período, mas isso dá margem a um trabalho mais complexo: criar conteúdos que mantenham a exposição de patrocinadores e trabalhem valores não necessariamente ligados ao campo.

Essa lógica é clara desde os primeiros anos do século 20, quando Henry Ford começou a patrocinar carros de corrida a fim de mostrar que sua marca podia simbolizar aspectos como velocidade, segurança e êxito pessoal. Extrapolar o tempo de competição é uma das bases do marketing esportivo desde sempre, mas o futebol brasileiro ainda fica extremamente preso à venda de espaço publicitário. Isso tem a ver com a comunicação do último fim de semana.

Ligas esportivas dos Estados Unidos investem há anos em searas distantes da competição. Esse é um dos cernes de produtos como o filme “Space Jam”, que colocou Michael Jordan, estrela da liga profissional de basquete profissional norte-americana (NBA), para contracenar com personagens como Pernalonga e Patolino. A obra fala sobre basquete, é verdade, mas também humaniza o astro – ele é mostrado em casa e explora exaustivamente a boa relação com a família, por exemplo.

Na história recente, um bom exemplo disso é o caso do UFC, principal circuito de artes marciais mistas (MMA) do planeta. O evento enfrentava um problema sério de imagem por ser visto como um antro de violência exagerada, e isso limitava o crescimento. A saída foi um combo que incluiu uma suavização das regras e teve como pilar a humanização dos lutadores.

O UFC só cresceu substancialmente quando os principais astros dos octógonos deixaram de ser astros apenas dos octógonos. No Brasil, ninguém captou essa mensagem melhor do que Anderson Silva, lutador que explorou todo um plano de comunicação baseado no “fora de competição”.

Anderson tinha patrocinadores ligados ao UFC ou ao mundo das lutas, e até isso mudou graças ao plano de comunicação desenvolvido para ele pela agência 9ine. O lutador esteve em programas globais de culinária e comportamento para mostrar aspectos de sua personalidade. Falou de filhos, da família, da voz fina, das dificuldades na infância…. Falou de tudo que não era violência.

A comunicação de Anderson Silva degringolou depois (assim como o desempenho, aliás), mas é esse capítulo que interessa para a discussão sobre o futebol brasileiro. Afinal, qual esforço existe na modalidade para ganhar espaços que não são apenas do esporte?

Campeonatos internacionais fazem isso há algum tempo. Um veículo que compra direitos de mídia da Premier League ou da Liga dos Campeões da Uefa, por exemplo, adquire também uma série de programas com melhores momentos, imagens bonitas e histórias sobre as competições.

O mais perto disso que o futebol brasileiro tem é a criação de canais de clubes, mas esses produtos ficam quase sempre restritos apenas aos assinantes de pay-per-view. Não há um esforço para que o esporte ocupe outros espaços na grade de TVs, jornais ou sites.

O último fim de semana era uma oportunidade perfeita para isso. Sem rodada do Campeonato Brasileiro, jogadores e clubes deveriam aparecer em formatos diferentes. Abrir espaço para filmes ou conteúdos voltados a públicos com perfis diferentes dos que consomem esporte é um luxo que o futebol não pode assimilar.

O problema, nesse caso, é que o futebol brasileiro não tem experiência com produção de conteúdo. Não é por acaso que a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional (COI) têm empresas próprias para gerar transmissões da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Passa por isso um zelo por questões como enquadramento e exposição de patrocinadores.

Na Copa e nos Jogos Olímpicos, emissoras que complementam a transmissão com câmeras próprias precisam respeitar espaço de trabalho, posicionamento de câmera e enquadramento. Tudo é planejado para oferecer um conteúdo padronizado.

Ao assumirem a produção do conteúdo, Fifa e COI também passam a ter um papel ativo na relação com quem veicula. É a melhor forma de controlar o conteúdo e a exposição. É algo que a Red Bull levou a um patamar ainda mais alto ao criar na própria empresa um braço de mídia.

E o futebol brasileiro, o que faz nesse sentido? A resposta mais adequada é “nada”. A operação de transmissão de um jogo é cara – a Globo chega a gastar mais de R$ 1 milhão por partida –, e assumir custos não é algo corriqueiro na gestão do esporte nacional. Mesmo se esses custos representarem outras possibilidades de faturar.

Além do custo, existe um problema de planejamento. Equipes negociam individualmente os direitos de mídia, e isso dificulta sobremaneira a criação de espaços que sejam explorados pelo futebol nacional como um todo. CBF e Clube dos 13 nunca conseguiram ser artífices disso.

Enquanto enxergar a mídia apenas como fonte de receita, o futebol brasileiro seguirá parado no tempo. Ainda existe uma relação de dependência total do evento, e ninguém faz qualquer esforço para diminuir isso. O jogo sempre será a estrela, é claro, mas qualquer evento bem planejado (e isso não vale apenas para o esporte) tem estratégia para extrapolar a competição.

Até a relação entre torcedores e a seleção brasileira sofre com isso. O público vê atores, atletas de outros esp
ortes e personalidades como seres humanos. Vê suas casas, suas rotinas e suas participações em vários espaços da mídia. Em contrapartida, vê os jogadores de futebol apenas como jogadores de futebol.

Falando em termos de mídia, já passou da hora de o futebol brasileiro extrapolar o jogo. O último fim de semana mostrou isso.

Em tempo: o segundo jogo do Brasil nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018 está marcado para terça-feira (13), em Fortaleza. O Campeonato Brasileiro tem rodada começando na quarta-feira (14), menos de 24 horas depois.

Categorias
Sem categoria

O Futebol é Anamnese…mesmo com Luís Figo?

Desde sempre, a Filosofia duvidou. Dúvida cética, ou dúvida metódica? Normalmente, uma dúvida metódica, porque é um meio para atingir um fim, a certeza. E assim a dúvida nasce, para a Filosofia, como o seu gesto instaurador. Se o Hegel tem razão, o pensamento e o ser desenvolvem-se dialeticamente, de acordo com um ritmo ternário: afirmação, negação e negação da negação. Ou seja, a negação percorre a História da Filosofia. Nela, tudo é anti-Ordem e anti-Poder. O futebol, ao invés, procura sofregamente o apoio do Poder e os seus mais altos dirigentes proclamam-se fautores da Ordem e da Medida. Por outro lado, também o Poder precisa do futebol, para legitimar-se junto do povo. De fato, o Desporto movimenta-se, sob a mesma bandeira que se ergue das mãos do Poder. E, se este é despótico e tem portanto a Verdade, o futebol transforma-se inúmeras vezes, na expressão corporal dessa verdade. O futebol concorre mesmo, no ardor competitivo, à interiorização, em muitos dos “agentes do futebol”, dos decretos imperiais do déspota. Não é por acaso que o futebol se ensina, como se de uma Atividade Física se tratasse. No entender de alguns pedagogos, um meio de educação física. Quanto mais físico ele for, mais acéfalo ele será e mais cegamente cumprirá a vontade do Poder. Alguns treinadores, sempre que se referem aos jogadores que trabalham sob as suas ordens, repetem, de forma exaustiva e massacrante: “os meus jogadores”. Como se, de fato, os jogadores fossem mesmo deles! Mas não é assim que pensa o déspota, quando exclama: “meu povo”?
E assim como o Poder diz “trabalhar para o povo”, para mascarar a sua função constitutiva, a repressão – também os treinos, os estágios, as competições se podem resumir ao exercício de uma soberania astuciosa, que controla os atletas como quem comanda singelos títeres. E desta forma o futebol é anamnese, ou seja, recorda sem cessar um Poder que lhe é anterior e exterior. O praticante não funda o futebol. Só o Poder (há quem lhe chame o sistema) o poderá fazer – o Poder com a sua libido dominandi, geradora de violência. As leis, ou melhor: a Ordem, regulam o espaço do senhor e do servo, dentro de uma competição insanável, que enlouquece a cidade e dizem ser causa de progresso, ou de uma normalidade medíocre. Tudo o que é medíocre é normal, para os grandes senhores desta sociedade do espetáculo. A Ordem, na História deste futebol, é a História da Ordem ou de uma Desordem onde o senhor e o servo terão de manter a sua condição… indefinidamente! É uma “luta de classes” onde tudo será o que já foi. De pouco vale, pois, uma linguagem moral porque este futebol programa-se para reproduzir e multiplicar a sociedade do senhor e do servo. Uns representam os senhores (o Real Madrid, o Barcelona, o Chelsea, o PSG, o Bayern de Munique); os outros são os servos. E produz assim uma certa imagem da essência da sociedade, onde os antagonismos aparecem como a “causa das causas” do progresso. Segundo Spinoza, o ser humano define-se pelo desejo. Neste futebol, a lógica do desejo do treinador e do praticante tem de articular-se com a lógica do Poder, ou com a axiomática do Capital, que é uma árvore de flores e frutos… artificiais! Nietzsche não se cansou de proclamar que “Deus morreu”. Deus, queria ele dizer: a vontade dos grandes senhores deste pequeno mundo! Enganou-se. O Deus de que Nietzsche nos fala continua vivo. Os concorrentes à presidência da FIFA assim o atestam.
Não escondo o alvoroço que o Luís Figo (um dos concorrentes à conquista da presidência da FIFA) provocou, quando se distanciou dos demais, ao afirmar: “Não sou de ficar parado. Decidi avançar com uma candidatura capaz de mudanças radicais”. O jornalista José Manuel Delgado refere que “algumas das mudanças radicais que Figo pretende têm a ver com a distribuição do dinheiro, matéria mais do que sensível, em Zurique: É preciso devolver às Federações nacionais (continuou Figo) o dinheiro que a FIFA gera e eu creio que pode chegar a cada uma delas, quatro ou cinco vezes mais do que recebem presentemente” (A Bola, 2015/9/20). A distribuição justa do dinheiro, mesmo como arqui-razão, no âmbito do desenvolvimento capitalista, produz desigualdades, como primeira inevitabilidade. Assim, qualquer mudança radical do futebol não pode considerar-se, sem referência ao todo sócio-econômico e ao contexto ideológico, de que faz parte. Sempre que se estuda objetivamente o futebol, encontramo-lo (também sempre) inelutavelmente, condicionado pela dialética da História, quero eu dizer: pelas características várias, que nele se vão desenvolvendo, à medida que o processo histórico avança e se aprofunda. Este ponto revela-se fundamental, para que possa compreender-se, com alguma nitidez, as diferenças que subsistem, entre as concepções retrógradas dos que julgam poder transformar (neste caso, o futebol), como se o “desporto-rei” fosse uma realidade “em si” e não essencialmente mediado por elementos inúmeros da complexidade social; e os que sabem que a subjetividade, por si só, revela-se perfeitamente incapaz de produzir um quadro concreto de um qualquer fenômeno social. De todos os candidatos à presidência da FIFA, Luís Figo, indiscutivelmente um dos grandes vultos da história do futebol, parece o mais capaz dos candidatos, para entregar-se à febre das transformações inadiáveis. Mas não pensando que a existência deste futebol é determinantemente futebolística. O futebol do Sr. Blatter e do príncipe Ali e do holandês Van Praag, antes de ser futebol, tem funções sociais, políticas, econômicas, ideológicas, etc. De fato, o futebol não se situa acima dos grandes interesses de que é produto.
É manifesto que uma concepção do “futebol pelo futebol”, como da “arte pela arte”, escamoteia a original e profunda implantação social do futebol. Afinal, ele não é independente ou autônomo dos outros elementos que, com ele, integram um determinado sistema, onde o Sr. Blatter é rei e senhor. Não ponho eticamente em causa o Sr. Blatter, afirmo tão-só que, para destroná-lo do poder que tem, interessa ter em conta que, no futebol, o futebol nunca foi determinante. O futebol é o resultado concreto de um sistema, com critérios econômicos e políticos que, a uma visão mais superficial, não se descortinam mas… que lá estão! O futebol atual desponta como um produto de uma determinada época onde o niilismo se afirma, intolerante e absorvente – o niilismo onde, nas palavras de Nietzsche, “os valores superiores se desvalorizam e perdem a sua principal finalidade”. O futebol não deverá pesquisar-se como um produto “ex nihilo” . Há um sistema donde ele nasce – sistema criado e mantido, por amor do futebol e por outras instâncias que se apresentam como indubitavelmente condicionantes. Ocorre-me, nesta altura, a carta de Hegel, datada de 1806, pasmado, boquiaberto, diante do Napoleão: “Vi o imperador, essa alma do mundo, sair da cidade, para ir em reconhecimento. É efetivamente uma sensação maravilhosa ver um tal indivíduo, sentado num cavalo e, ao mesmo tempo, abarcando e dominando o mundo”. Há outros “Napoleões” por aí, até no futebol. Por isso, a luta pela instauração de uma ordem nova não passa unicamente pelo futebol. Por isso ainda, um programa eleitoral não se define apenas pelos termos teóricos da mensagem, mas pela prática das pessoas que o apresentam É pela prática que se mostra a juventude e a perenidade da teoria.