Categorias
Colunas

As lições de comunicação dadas pelos torneios estaduais

O esporte é uma seara cheia de aforismos e sensos comuns. Expressões como “futebol é uma caixinha de surpresas”, “2 a 0 é um resultado perigoso” e “quem não faz toma” são extremamente recorrentes no cotidiano do segmento. Algumas são apenas frases vazias, que servem mais como muletas de comunicação. Em apenas dois meses, contudo, a temporada 2016 já serviu para ratificar o valor de um desses ditos tão surrados: “os torneios estaduais não servem para nada. Desde que você não perca”.
Eduardo Baptista não precisou de mais do que seis jogos no ano para começar a ser pressionado no Fluminense. O treinador já vinha sendo cobrado por resultados ruins no segundo turno do Campeonato Brasileiro de 2015, mas a situação ficou ainda mais conturbada depois de três derrotas, dois empates e apenas uma vitória na soma de Estadual e Primeira Liga.
O Internacional de Argel também teve resultados que geraram questionamentos no início de 2016. O treinador foi cobrado depois de empates com São José-RS e Aimoré no Campeonato Gaúcho. Em defesa, chegou a dizer que o time estava em situação ainda pior no ano passado.
Aconteceram em São Paulo, porém, os dois exemplos mais claros do quanto os torneios estaduais repercutem – sobretudo quando a repercussão é negativa. Foi assim com os episódios de Leandro Almeida (no Palmeiras) e Lucão (no São Paulo).
Leandro Almeida foi contratado em 2015 atendendo a um pedido do técnico Marcelo Oliveira, com quem havia trabalhado na categoria de base do Atlético-MG. Nunca conseguiu se consolidar no Palmeiras, mas ganhou nova chance como titular no início do ano, quando Edu Dracena se machucou.
No dia 4 de fevereiro, Leandro Almeida já vinha sendo cobrado pela torcida alviverde. O Palmeiras jogava em casa, e o defensor tentou fazer um passe difícil para a direita. Morais interceptou a bola dentro da grande área, driblou Almeida e ainda completou por cobertura para fazer o gol. A partida terminou empatada por 2 a 2.
Lucão já estava no São Paulo quando o time tricolor contratou o técnico argentino Edgardo Bauza. Forjado nas categorias de base da equipe do Morumbi, o defensor foi capitão de seleções brasileiras de base e sempre teve muito moral no clube. Nunca conseguiu repetir isso entre os profissionais.
No dia 14 de fevereiro, Lucão foi titular do São Paulo em clássico contra o Corinthians, em Itaquera. No primeiro tempo, tentou cortar uma bola no lado esquerdo da área do time tricolor. Bateu a bola nos pés de Mena, pegou de volta, viu a saída do goleiro Denis e tentou um recuo. Errou o passe e ofereceu uma oportunidade precisa para Lucca abrir o placar.
Lucão ainda errou no segundo tempo, aos 40min. Giovanni Augusto cobrou escanteio da direita, e Ganso cortou mal no primeiro pau. O zagueiro ficou parado e permitiu antecipação de Yago, que selou a vitória do Corinthians por 2 a 0.
Leandro Almeida e Lucão não eram jogadores intocáveis e não tinham status consolidado, mas foi o Campeonato Paulista que contribuiu para destroçar a imagem deles em seus clubes. Os dois são exemplos do poder destrutivo dos torneios estaduais.
Leandro Almeida e Lucão também são exemplos de comunicação em momentos de crise. O zagueiro do Palmeiras foi criticado e barrado pelo técnico Marcelo Oliveira, e o defensor do São Paulo foi defendido e bancado pelo treinador Edgardo Bauza.
Oliveira indicou Leandro Almeida. Em teoria, deveria ter uma ligação mais próxima com o zagueiro. Ainda assim, contudo, colocou o jogador na fogueira e entregou a cabeça dele para os críticos.
Bauza não participou da formação de Lucão e não foi responsável pela presença dele no elenco, mas tomou uma atitude diferente: preferiu proteger o defensor e mostrou que não expõe o grupo.
Para os dois treinadores, o Campeonato Paulista também pode repercutir além da duração. As declarações de Oliveira e a decisão de barrar Leandro Almeida certamente influenciarão na relação do técnico com os atletas. Foi uma cobrança dura, pública, que pode ser até justificável, mas que tem enorme possibilidade de debelar a confiança dos jogadores no comando.
A postura de Oliveira é extremamente discutível. Ao expor publicamente um de seus comandados, o treinador criou para si um cenário complicado. Liderança tem muito a ver com comunicação e com a construção de ambientes positivos.
Foi isso que Bauza tentou fazer no São Paulo ao defender Lucão. O zagueiro cometeu erros seguidos nos últimos jogos e nos clássicos com o Corinthians, mas o treinador evitou crucificá-lo. Em vez disso, priorizou o bom ambiente no elenco.
Os campeonatos estaduais já têm uma característica extremamente marcante, que é a potencialização de erros. Adotar uma linha de comunicação que contribua para isso é jogar gasolina num fogo que já está alto.