Para falar de comunicação, vamos falar de futebol. E para falar de futebol, vamos falar de basquete. E para falar de basquete, vamos falar de vida. E para falar de vida, vamos falar de emoção. É assim o ciclo, afinal: pretensiosos, tergiversamos até achar coragem e olhar corretamente; quando nos despimos e nos abrimos às inquietudes, enxergamos elementos que suscitam aprendizado. Lionel Messi. Cristiano Ronaldo. Kevin Durant. Tim Duncan. De alguma forma, os principais personagens do esporte mundial nos últimos dias nos serviram para mostrar o quanto é importante questionar coisas e pesar significados.
O choro de Lionel Messi depois do término da Copa América Centenário, por exemplo, carrega muito mais do que a derrota para o Chile nos pênaltis ou o longo hiato desde a última conquista da seleção argentina. São lágrimas de um jogador que foi muito questionado como homem e que sempre sofreu pelas decisões que tomou fora de campo. Quando buscou na Espanha o tratamento físico que o país natal não podia oferecer, Messi tornou-se também um personagem menos forjado pelo ambiente local. É difícil dissociar Messi de Barcelona ou imaginar um cenário em que estrela, time e cidade tivessem o mesmo sucesso se estivessem separados. O jogador ficou conhecido como camisa 10 do Barcelona antes de ser um astro em sua seleção e convive até hoje com as cobranças para ser ídolo nacional.
Depois da derrota para o Chile, na decisão da Copa América, Messi chegou a sugerir que seu período com a camisa da Argentina pode ter acabado. Se confirmar isso, perde a equipe nacional e perde o futebol de seleções. Entretanto, fica aqui mais uma marca: num gesto de amor altruísta, o camisa 10 considera a possibilidade de ser uma espécie de problema para seu time e abre mão dos valores individuais em nome da chance de ver o país voltar ao topo do pódio.
Não acho que a aposentadoria de Messi seja duradoura, mas a atitude revela mais do que uma simples frustração acumulada. É um sacrifício de alguém que sempre teve de lidar com uma carga muito maior do que a real. Ídolo do Barcelona, Messi sempre teve de ser mais argentino do que os argentinos. Quando atingiu o auge, sempre teve de conquistar títulos pela equipe nacional para ser finalmente equiparado a Diego Maradona.
Cristiano Ronaldo também chorou. Chorou inicialmente no primeiro tempo da decisão da Eurocopa, após ter sofrido falta dura de Payet. A entrada do jogador francês causou um problema no joelho do camisa 7 da seleção portuguesa, que perdeu ali sua grande referência técnica. Ainda assim, os lusitanos venceram por 1 a 0 – gol de Éder na prorrogação – e conquistaram no último domingo (10) o maior título da história do futebol do país. Findada a partida, Cristiano Ronaldo desabou no gramado e chorou.
O choro de Cristiano Ronaldo depois do jogo não foi uma atitude preocupada com telões, marketing ou imagem. Foi uma representação física de alguém que se esforçou muito para estar no nível de jogadores mais capacitados tecnicamente. Foi uma explosão de alguém que sempre foi questionado pelo comportamento e que teve de lidar com cobranças que nada tinham a ver com a eficiência ou a qualidade de seu trabalho.
Ao contrário de Messi, Ronaldo sempre foi orgulho nacional. Entretanto, isso nunca foi suficiente. Assim como o argentino, o jogador do Real Madrid era o não-vencedor e simbolizava um sucesso individual a despeito dos defeitos coletivos da seleção.
Porque nós nos acostumamos a contar as histórias a partir dos vencedores, afinal. Buscamos personagens que tenham histórias de redenção e sucesso como se o esporte permitisse esse tipo de glória a um número grande de personagens. Não é assim, infelizmente.
É aí que entra Kevin Durant, terceiro maior cestinha da história da NBA (em média) e o maior definidor da liga profissional de basquete dos Estados Unidos nas últimas temporadas. O camisa 35 ficou sem contrato com o Oklahoma City Thunder e podia escolher onde jogar na próxima temporada. Cortejou algumas das principais equipes e escolheu o Golden State Warriors, duas decisões consecutivas (e um título conquistado).
A adição de Durant faz de Warriors o favorito obrigatório para a próxima temporada da NBA. O jogador escolheu justamente a equipe que o havia eliminado na final de conferência do campeonato anterior e se juntou a Stephen Curry e Klay Thompson, dois dos maiores arremessadores de todos os tempos. Escolheu o time que provavelmente dependeria menos de seus talentos para ser candidato a algo na liga.
A decisão de Durant abriu um debate extenso na NBA sobre o comportamento dos grandes astros. A liga não convivia com uma transferência tão polêmica desde que LeBron James resolveu deixar Cleveland para ser campeão no Miami Heat. Afinal, num ambiente em que todas as atitudes são submetidas a um escrutínio sem paralelo, qual é o significado de um astro escolher o “caminho mais fácil” para tentar ser campeão?
Se tivesse ido para qualquer outro time, Durant conviveria com questionamentos sobre ter deixado o Oklahoma City Thunder. Como escolheu Golden State Warriors, transformou a mudança em um debate sobre “ganhar a qualquer preço” ou “escolher o lado mais forte em uma briga”.
E a comparação entre as três histórias mostra como o esporte é cruel. Durant poderia ter feito outra opção e poderia passar a vida sem chance de ser campeão da NBA. E no futuro, quando nos lembrássemos dele, falaríamos de um jogador de qualidades e o colocaríamos abaixo dos atletas que acumularam anéis de campeões.
Messi poderia ter mais sucesso se desse razão às críticas que ouvia no início da carreira na seleção e optasse pela Espanha. Era uma peça de talento individual que os ibéricos não tiveram sequer em seu período de maior sucesso. Cristiano Ronaldo também poderia ter abraçado a figura do craque isolado e se conformado com as limitações de sua equipe. Fez o contrário: mesmo depois de ter sido substituído, ficou no banco de reservas e participou ativamente do jogo.
Durant pegou o caminho mais curto, e isso reflete um pouco a crueldade de quem analisa o esporte. Ele pode não ser campeão no futuro imediato, mas buscou no Golden State Warriors uma chance de ser maior do que era no Oklahoma City Thunder.
Esportivamente, a carreira dele pode até ser maior nos próximos anos. As mãos de Durant podem até se encher de anéis e o rosto dele pode ter um sorriso constante por estar em um time que oferece prazer de estar em quadra. Contudo, Durant perdeu uma enorme chance de ser um personagem maior do que vitórias e derrotas. Perdeu uma chance de mostrar que o esporte pode ser muito mais do que isso.
Foi isso que fez Tim Duncan nesta segunda-feira (11), ao “anunciar” que havia se aposentado. Foi um comunicado oficial do San Antonio Spurs, na verdade, sem uma frase sequer do maior jogador da história da franquia. Após 19 temporadas e cinco títulos, ele preferiu sair de cena com discrição e sem os arroubos do ano derradeiro de Kobe Bryant, ala-armador que transformou a temporada do Los Angeles Lakers em uma turnê de despedida.
Duncan é um exemplo raro numa época de superexposição do esporte e dos atletas. Não é uma figura midiática, não faz estripulias fora de quadra e raramente é lembrado por algo além das conquistas – nem mesmo por lances plásticos, por exemplo. É o personagem que preferiu sempre as vitórias e que fez isso em silêncio, sem vaidade ou individualidade.
Os choros de Messi e Cristiano Ronaldo podem ter muito de relação individual com o jogo. A decisão de Durant também. O que Duncan nos mostra, porém, é que não adianta olharmos apenas para a primeira camada. O esporte pode ser feito de pequenas conquistas individuais, mas precisa ser sempre visto um pouco além do impacto inicial.