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A primeira vista (sobre o real valor da vitória)

Talvez em virtude de nossa educação e de como fomos acostumados com as conquistas, nós (in)felizmente preferimos o sensacional e o extremamente visível, o que afeta a maneira pelo qual julgamos as pessoas, suas ações e a forma como chegamos às conquistas. Existe pouco espaço na nossa memória para pessoas que não apresentam resultados visíveis ou para aqueles que se concentram no processo ao invés do resultado.

Todavia, aqueles que alegam que preferem o processo aos resultados, não estão dizendo toda a verdade, pois ainda advém da espécie humana. Ouvimos com frequência a meia mentira de que treinadores e jogadores não trabalham pela glória. Outra absoluta verdade, está no fato do futebol ser um esporte que gera um fluxo constante de auto-satisfação: o gol, a assistência, o drible, a bola roubada, o passe, ver o que foi treinado acontecer, passar o adversário, superar o obstáculo, vencer, ou seja, qualquer forma de competição em si. Mas isso, também, não significa que treinadores e atletas não desejam alguma forma de atenção, nem que não estariam melhor se fossem um pouco divulgados. E como diria um amigo: “quem vence conta a história”.

Porém, o que está atrás da nossa mania (hábito/cultura) de dar suprema importância ao resultado é o que os pesquisadores (psicologia) chamam de felicidade hedônica (prazer imediato que dura pouco). Exemplo: Ganhar tudo (4/5 títulos) em uma temporada e nada nas próximas 5, não proporciona o mesmo prazer que ter um título a cada ano durante 5 temporadas.

As conquistas de hoje não sustentam, por si, as conquistas do futuro. O problema de recompensas irregulares não está na derrota, mas, sim em como avaliamos nossa vitória. Saber exatamente o motivo pelo qual ganhamos, saber esse que envolve conceitos técnicos sobre os acontecimentos (comportamentos coletivos e individuais) e não sobre fatores “místicos”, internos ou externos, ao processo que controlamos (de uma forma ou de outra controlamos as nossas ações, treinadores e jogadores). A interpretação do jogo requer conceitos técnicos fundamentais sobre o jogo, interpretar sem conceitos não é interpretar, é qualquer coisa, menos interpretar! Se pretendemos um determinado “futebol”, devemos saber construí-lo. Não podemos ter algo que não sabemos como alcançar. Como, também, não podemos tomar para si a “paternidade” de algo que foi gerado espontaneamente.

Saber o(s) “motivo(s)” e como foi o processo ao longo dos 90 minutos, te oferece subsídios “táticos” (técnico+fisico+estratégico+comportamental) para estruturar o “processo” de desenvolvimento (periodizar metodologicamente treinos e a semana) da equipe para a próxima partida/temporada, assim o placar apenas se transforma em algo visível e duradouro no tempo, um produto para a memória.

Em minha percepção, a felicidade (sucesso) no futebol depende muito mais do número de instâncias de sentimentos positivos ao longo do jogo/temporada/processo do que a intensidade deles quando eles acontecem. O que cria, a partir disto, uma “influência positiva”, coletiva e individual na forma como iremos gerir os problemas e as virtudes ao longo do processo (jogo/período/temporada), aumentando a probabilidade de êxito no(s) próximo(s) obstáculo(s). Ter um jogo/temporada constante taticamente (técnico+fisico+estratégico+comportamental) te traz subsídio mais concreto para acreditar na vitória futura (curto/médio/longo prazo) do que lampejos de “algo positivo”. Em outras palavras, vitória, antes de tudo, é vitória. Estar ciente de como foi é mais importante do que ela por si só. Assim, para se ter uma vida agradável, deveríamos espalhar essas “pequenas” “influências positivas” ao longo do tempo (jogo/temporada) da maneira mais homogênea possível. Muitas notícias modernamente boas são preferíveis a uma única notícia muito boa.

O problema, obviamente, é que não vivemos em um ambiente em que os resultados são obtidos de forma regular. As vitórias surpreendentes dominam boa parte da história do futebol brasileiro. É uma lástima saber que a estratégia adequada para o ambiente atual possa não oferecer, a priori, recompensas internas e reações positivas a curto prazo. Como se diz: “Viver com esperança, é sofrer”.

Neste contexto, faço referência a Unai Emery, atual treinador do PSG. Que comandou o Sevilla nas últimas 3 temporadas, em 3 conquistas consecutivas da Europa League, obtendo um aproveitamento de 51% (2015/2016), 70% (2014/2015) e 58% (2013/2014) ao longo destas temporadas. Trago um vídeo que editei da Construção Ofensiva sobre Pressing, do PSG ante Real Madrid, em um amistoso nesta temporada. Um padrão de comportamento coletivo que podemos esperar do PSG ao longo dos jogos nesta temporada de 2016/17.

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Crise técnica do futebol brasileiro

Olá, prazer! Meu nome é Danilo Benjamim, sou formado em Bacharel em Treinamento Esportivo e trabalho com futebol há cerca de 10 anos. Atualmente sou treinador do sub-11 e auxiliar do sub-20 do Coritiba FootBall Club.

Minha trajetória no futebol começou desde bem cedo, através de meu pai (o Benê), agradeço a ele por ter me apresentado a este esporte tão fascinante. Como 99% dos garotos no Brasil, tentei ser jogador profissional e consegui no máximo chegar às categorias de base, o que não diminui o amor pelo esporte ou o desejo de competir profissionalmente.  Decidi, então, ir à faculdade, realizar cursos e capacitar-me (continuamente) para ser um profissional do esporte.

Iniciei no Paulínia Futebol Clube, sob o comando do Prof. Dr. Alcides Scaglia. Neste clube, atuei como professor na escolinha, treinador nas categorias de base e auxiliar no profissional, até ter a oportunidade de participar de um processo seletivo conduzido pelo Prof. João Paulo Medina no Coritiba, o que resultou em minha vinda ao clube em março de 2015.

Para finalizar minha apresentação, quero ressaltar que desde o início da minha carreira com a chamada “paixão nacional” busco conduzir minhas ações baseado no conhecimento científico e em minhas experiências com o jogo. Diante disso, para começar nossas discussões neste espaço, pergunto: você concorda que o futebol brasileiro viva uma crise técnica?

A ideia de uma “crise técnica” no nosso futebol tem sido alimentada em diversas discussões, seja naquelas de mesa de bar até os debates acalorados da mídia esportiva, e sustentada pelos recentes e sucessivos insucessos dos clubes brasileiros em campeonatos internacionais e da seleção brasileira. A ideia de crise ganhou ainda mais força após o 7×1, a má campanha nas eliminatórias e a eliminação ainda na 1º fase da Copa América. Argumentos para sustentar esse pensamento não faltam e num primeiro momento, ao se olhar para o cenário, sustentá-lo parece ser uma opção bem atrativa.

Apoiar esta ideia significa concordar que “já não temos tão bons jogadores como antigamente”, algo que vai diretamente contra o histórico do futebol brasileiro, que em todas as décadas teve jogadores de notório destaque mundial. Será, então, que a “fonte secou”?

Vamos olhar para o ranking oficial de seleções da FIFA (a intenção não é discutir seus critérios):
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Os dados da população de cada país são fornecidos pelo THE WORLD BANK, este ainda mostra que, em média, a divisão entre homens e mulheres é de 50%. Agora vamos pensar sob a lógica de que, quanto maior o número de tentativas (população) maior a probabilidade de acerto (conseguir bons jogadores). Sob esta lógica, o Brasil que tem mais que o dobro da população de homens de todos os demais países do ranking, deveria estar no topo e com folga, visto que tem muito mais chances de possuir bons jogadores, o que, como mostra o ranking, não acontece. A que isso se deve?

Um dos princípios da probabilidade diz que “experimentos aleatórios (obter bons jogadores, no nosso caso) apresentam resultados imprevisíveis”, mesmo com uma enorme vantagem na amostragem. Segundo o senso comum, esta imprevisibilidade de resultados tem sido cruel com o futebol brasileiro, pois considera que nossa geração de jogadores não seja tão boa como as do passado. Porém, pergunto-me e também a você, leitor, por que esta imprevisibilidade não tem sido tão cruel com as demais seleções, visto que elas têm uma probabilidade menor em função de sua menor população? Que aspectos desta imprevisibilidade diferem no Brasil em relação aos demais países para que nossos resultados tenham sido tão abaixo dos demais? O que os outros tem feito para conseguir resultados melhores? Será que a geração de jogadores deles é tão superior à nossa?

Amigo leitor, minha intenção é gerar reflexão e discussão sobre o nosso atual cenário, que, indiscutivelmente, não é bom, mas acredito ser um tanto injusto e minimalista colocar a responsabilidade numa possível “crise técnica de uma geração menos talentosa de jogadores”. E você, o que pensa a respeito deste assunto?

Aguardo sua opinião certo de que este é apenas o primeiro tema que vamos tratar, ainda discutiremos bastante sobre metodologia de treino, formação do jogador e da equipe, cenário do futebol brasileiro e mundial. Conto com a sua contribuição!

Grande abraço!

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Organiza”ação”: ordem através da ação

Caros, antes de tudo, deixe me apresentar. Thiago Duarte, atualmente no cargo de auxiliar tático (dito analista de desempenho, para alguns, mas esta distinção é por si só (alg)uma(s) nova(s) coluna(s)) do Sport Club do Recife. Trabalho com futebol desde 2003, percorrendo diversas áreas e diversas categorias. Formado em Educação Física pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Com algumas Pós-Graduações, entre elas uma passagem pela Universidade do Porto (Portugal), onde fui orientado por Julio Garganta, e obtive aulas sobre metodologia do treino do Prof. Vitor Frade. Sou um apaixonado e aficcionado pela organização do jogo e do treino, onde penso que tudo pode ser alcançado com o treino e sempre há uma solução organizacional para gerar e corrigir problemas. Meus “olhos” estão sempre caracterizando e procurando falhas/virtudes no sistema, no setor, inter-setor(es) e na relação com o adversário, durante o jogo.

Seguindo a máxima dita por Vitor Frade: “quem sabe só de Futebol, nem de Futebol sabe”; tenho como referência para meus pensamentos e convicções, autores como: Julio Garganta, Vitor Frade, Edgar Morin, Teodorescu, Tavares, Go Tani, Antonio Damasio, Nietzsche, Le Moigne, Proust, Greco, Gréhaigne, entre outros… tentando sempre encontrar o método ideal…

Penso que seria interessante, neste primeiro “encontro” falar mais sobre organização do jogo e treino.

      “O “Futebol” é feito de ideias, o bom Futebol de boas ideias e o mal futebol de más ideias ou de nenhuma ideia”- Julio Garganta.

Primeiramente, se torna imprescindível iniciarmos por uma distinção na forma de pensar e perceber as ideias que predominam em cada indivíduo, na sua observação e detecção de um determinado fenômeno em um momento específico. No começo ou final de cada discussão, sempre acabamos nas ideias, nos gostas e/ou preferências de gestão técnica, da estratégia, do comportamental individual e coletivo. Contudo, não podemos negar que algumas ideias tem uma melhor eficácia (resultado) que outras, por vezes com menos eficiência (processo), chegando ao ponto final com o menor “custo” tático possível (e aqui quando falo tática me refiro sempre ao todo (físico, técnico, estratégico e psicológico) o que é diferente de estratégia. Mas enfim, deixe-me falar um pouco de organização perante minha percepção.

Organização é o resultado da interação/relação entre ordem e desordem em um sistema, que formam por si só um novo sistema organizado e organizante. Isso em todos os sistemas existentes, também na organização coletiva da equipe de futebol. De uma forma simples, ao organizar uma equipe devemos pensar no que queremos para ela (ordem/princípios do treinador) e o que cada atleta pode nos oferecer (desordem/criatividade dos atletas). Tendo em vista que a construção de uma organização, causa inquietação e indagação, é preciso estabelecer o equilíbrio entre ordem (princípios do treinador) e desordem (criatividade dos atletas) afim de se criar uma organização que ao mesmo tempo controle o jogo, gere e resolva problemas.

No intuito de elucidar, para quem gosta de receitas, quanto mais ordem (princípios do treinador) há na construção do jogar, mais a equipe vai estar “ordenada”, “rígida”, “mecânica” e vai ter determinado comportamento (previamente estabelecido) em um certo momento do jogo. Por outro lado, quanto mais desordem (criatividade dos atletas) há na construção do jogar, mais a equipe vai estar “desordenada”, “desorganizada”, “frágil”, “caótica”, e não irá apresentar um coletivo integral, no qual a equipe segue uma linha comum de jogo.

O que a organização perde em coesão e rigidez ao se complexificar, ela ganha em flexibilidade, em aptidão a se regenerar, a jogar com o acontecimento, com o acaso, com as perturbações.” Edgar Morin.

Morin, na sua coletânia de “O Método” fala em organização complexa. Penso que o alto nível do futebol se encontra em qualquer lugar neste pensamento. Uma equipe organizada de forma complexa, onde ao mesmo tempo obedeça os princípios táticos que regem o comportamento coletivo e individual e consiga agregar todas as habilidades de cada atleta. Uma organização que tenha um equilíbrio, não estável, mas sim contextual (conforme as exigências ao longo do jogo), entre ordem (princípios do treinador) e desordem (criatividade dos atletas), considero, assim, uma equipe “flexível”, “regenerável”, “reorganizante” e “organizante” (aquela equipe que consegue controlar o jogo com e sem bola).

Porém, não podemos esquecer que o futebol é o confronto de duas equipes, ou seja, de dois sistemas, com previa exigência. Alguns falam em “plano de jogo”. Contudo, esse encontro causa uma nova organização, entre dois sistemas. Ao final, esse confronto será favorável a uma equipe ou a outra, claro que em condições normais.

Todavia, toda organização (no futebol ou não) comporta diversos níveis de subordinação quanto aos seus componentes. No entanto, o desenvolvimento dessa organização, não significa necessariamente crescimento das imposições das leis impostas sobre os atletas; a verdadeira organização, dita complexa, se estabelece nas “liberdades” (e não podemos confundir com libertinagem) dos indivíduos que constituem a equipe de futebol. Há sempre, em todos os sistemas (mesmo nos que excitam criatividade) ligações, entre as partes, e coerções que impõem graus de restrições e servidões. O todo (equipe), nesse sentido, é menos que a soma de suas partes. Pois, no futebol determinamos e desenvolvemos especializações, hierarquizações, servidões e repressões.

O sistema “futebol” é ao mesmo tempo mais, menos e diferente que a soma de seus atletas (suas partes). Mas, também é verdade que, fora do sistema futebol, os atletas são menos, eventualmente mais, de que qualquer forma do que eles seriam dentro da equipe de futebol. Mas por quê? Porque cada atleta tem dupla identidade. Uma identidade dentro e outra fora do “sistema futebol”. Ele tem uma identidade própria e participa da identidade da equipe (o jogar que se pretende). Por mais diferentes que as identidades de cada atleta possam ser, eles ao constituírem um sistema, têm pelo menos uma identidade comum de vinculação à identidade da equipe e de obediência as regras organizacionais.

Torna-se necessário compreender as características de cada atleta. A equipe deve ser uma unidade, pois ela é formada por atletas que são diferentes, porém inter-relacionados. Cada atleta dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas elas devem ser construídas e organizadas (por isso, é imprescindível pensar a ordem através da ação; Organiza”ação” e não a ação através da ordem).

Contudo, não se pretende a total subordinação das ações individuais às coletivas, ou seja, o que se quer é que cada atleta encontre não sozinho, mas sim guiado (verdadeiros treinadores conseguem isso), dentro desta concepção de organização coletiva, o espaço necessário para refletir a sua própria personalidade/identidade, improvisação e criatividade. Pretende-se assim, assegurar a coordenação e a cooperação dos seus comportamentos, pois parece ser este o aspecto que consubstancia o aumento da eficácia da equipe.

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Volantes e meias

O Brasil venceu o Japão no sábado (30), em Goiânia, no último amistoso do futebol masculino antes da estreia nos Jogos Olímpicos de 2016, que serão disputados no Rio de Janeiro. Sobretudo no primeiro tempo, foi uma atuação auspiciosa da equipe comandada por Rogério Micale. Mas foi também uma demonstração do quanto a evolução do paradigma praticado no esporte mais popular do país depende fundamentalmente de uma disseminação sobre mudanças de conceitos. E nesse processo, a comunicação exerce um papel fundamental.

O time montado por Micale no início da partida tinha Thiago Maia, Rafinha Alcântara e Felipe Anderson no meio-campo. “Apenas um volante”, disse o narrador global Galvão Bueno em pelo menos três ocasiões da primeira etapa. “Thiago Maia está acostumado a ser segundo volante no Santos e na seleção atua como primeiro homem de meio-campo”, adicionou o repórter Mauro Naves durante os 45 minutos iniciais.

Micale tem sido intensamente incensado por suas ideias ofensivas, pelo nível de seus treinos e pelo time que havia montado no Mundial sub-20 do ano passado – o Brasil perdeu para a Sérvia e ficou com o vice-campeonato. Uma das premissas que o treinador tem tentado incutir na seleção sub-23 é exatamente o comportamento dos meio-campistas. “Ele costuma dizer que joga com três meias”, avisou Mauro Naves durante a transmissão da Globo no sábado.

Enquanto ficarmos procurando volantes e meias ou tentarmos dispor os jogadores em mesas táticas ou quadros, seguiremos aquém do entendimento necessário sobre o que está acontecendo com a seleção. No sábado, a única voz dissonante na transmissão da Globo foi o comentarista Casagrande, que fez pelo menos duas intervenções para dizer que “é melhor evitar rótulos como ‘volante’ ou ‘meia’ no futebol moderno”.

Ora, seguindo a lógica de que o meio-campo é dividido entre volantes e meias, qual é a posição de Iniesta no Barcelona e na seleção da Espanha? E qual era a função de Xavi, talvez o jogador mais inclassificável do futebol nos últimos anos?

Quando pediu a contratação de Paulo Henrique Ganso, o técnico argentino Jorge Sampaoli, que assumiu o Sevilla, disse que entendia o brasileiro como um armador. Para convencer os dirigentes espanhóis a investirem no meia, comparou o que ele pode entregar à equipe às funções de Pirlo durante grande parte da carreira: alguém que sempre enxerga o jogo de frente, distribui passes laterais e dá sustentação à saída de bola.

A reação imediata da maioria da mídia brasileira foi discordar da visão de Sampaoli. Vários comentaristas disseram que faltaria competitividade a Ganso para atuar como primeiro homem de meio-campo e que o jogador contratado do São Paulo percorreria uma faixa pequena do gramado para alguém com tantas funções defensivas.

Na época em que era técnico de Ganso no São Paulo, Muricy Ramalho cansou de dizer que o jogador precisava entrar mais na área. Cobrava definição de jogadas, passes terminais e gols do camisa 10. Dizia que isso era fundamental para que as pessoas percebessem o quanto ele era relevante.

O futebol moderno tem espaço para o “craque visível”, é claro. Não faltam exemplos de jogadores que são terminais, definem lances e são reconhecidos por isso. Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, que têm dominado as recentes eleições de melhor do mundo, são apenas dois bons exemplos disso.

No entanto, a evolução do futebol brasileiro passa diretamente por uma compreensão sobre os “craques invisíveis”. Enquanto medirmos a qualidade de um jogador apenas pela quantidade de gols, assistências ou desarmes, perderemos chances de ter uma noção completa sobre a importância que esses atletas têm no contexto.

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Um ex-treinador do Corinthians fez certa vez uma comparação sobre Paulinho e Elias, jogadores que se alternaram como titulares no meio-campo alvinegro. Disse que o primeiro, quando orientado a pressionar a bola, ajudava no combate ao lateral direito rival, ajudava no combate aos meio-campistas e conseguia uma dobra para tomar a posse do lateral esquerdo. O segundo esperava, acompanhava a trajetória da bola e interceptava o passe do meio-campista para o lateral esquerdo. Os números podem igualar as ações dos dois, mas são atitudes totalmente dicotômicas para o jogo como um todo. Ainda que ambos cumpram o objetivo, há uma distância significativa em aspectos como preenchimento de espaço, desgaste e pressão sobre o rival.

Ganso nunca vai ser um jogador como nos acostumamos a entender os “volantes”. Nunca vai ser combativo, pressionar todos os rivais que estiverem com a bola ou funcionar como alicerce para um sistema defensivo. Nunca será sequer o homem posicionado à frente dos zagueiros para fechar trajetórias naquele setor. A questão é: essa é a única forma de alguém desempenhar aquela função?

Se quisermos cobrar evolução do futebol brasileiro, precisamos nos livrar de conceitos do passado. Já passou da hora de entendermos que jogadores desempenham papéis que vão além de números, pranchetas ou mesas táticas. O futebol, como o mestre Tostão cansou de escrever, é bem mais complexo do que isso.

Tostão também costuma dizer que uma das maiores carências do futebol brasileiro atual é a de armadores que atuem de uma área até a outra. Atletas que enxerguem a partida de frente, distribuam a bola, façam o time controlar o ritmo e proporcionem situações para os atletas agudos serem efetivamente decisivos. Alguém que faça no Brasil o que Xavi passou anos fazendo na Espanha, o que Schweinsteiger cansou de fazer na Alemanha ou o que Pirlo proporcionou durante anos à seleção italiana.

No Brasil, contudo, não nos acostumamos a formar armadores com essa característica. Desde a base, trabalhamos transição em velocidade até a bola chegar “limpa” aos meias. Volantes tomam a bola e carregam até um setor em que os criativos possam apenas criar. Por isso, em vez de Xavi ou Iniesta, passamos anos forjando atletas como Ramires (nada contra o ex-meio-campista do Chelsea, mas ele é um exemplo de alguém que faz transição em velocidade e funciona menos quando tem demanda de um repertório diferente).

Por isso, o papel da mídia em situações como a que Micale propôs no sábado é um pouco educativo. E educar nesse caso não é posicionar atletas numa mesa tática ou mostrar onde acontecem os lances ensaiados, mas dizer ao público que se acostumou com um futebol estático o quanto esses conceitos precisam mudar.

O futebol brasileiro precisa evoluir em entendimento de jogo se quiser voltar a ser competitivo em âmbito mundial. É preciso saber o que se quer para depois correr atrás disso.