Foi extremamente forte o discurso de Peter Siemsen, presidente do Fluminense, na noite da última quarta-feira (21). O time carioca tinha acabado de perder por 1 a 0 para o Corinthians em Itaquera, e com isso havia sido eliminado da Copa do Brasil. Em vez de falar sobre o jogo ou sobre as consequências da queda no certame nacional, contudo, o mandatário tricolor abordou apenas um aspecto do duelo: a arbitragem. Em determinado ponto do solilóquio, chegou a fazer uma cobrança pública direcionada a dirigentes. “Acorda, CBF”, disse Siemsen em tom provocativo. E se a Confederação Brasileira de Futebol efetivamente acordasse? Será que ele estaria preparado?
Siemsen é, vale dizer, um gestor experiente. Tem nível de conhecimento superior à média dos principais cartolas do futebol brasileiro. E pode até estar certo sobre lances da partida de Itaquera, mas a ideia aqui não é debater o mérito em cada impedimento ou possível infração – programas esportivos já gastam horas suficientes com esse tipo de discussão. O ponto é: a quem serve esse tipo de cobrança inócua? A que se presta essa reclamação rasa, sempre motivada por avaliação pessoal?
A CBF precisa acordar, sim, e não apenas por questões relacionadas ao nível de arbitragem. É uma entidade alicerçada num modelo falido de gestão, com problemas que vão de falta de transparência até a risível situação de Marco Polo del Nero, presidente que não viaja por temer ser preso pelo FBI.
Durante os anos de gestão no Fluminense, o que Siemsen fez para mudar esse diapasão? De que formas atacou o status-quo da CBF e que tipo de articulação tentou fazer para transformar aspectos nevrálgicos da gestão do futebol?
Reclamar como o presidente do Fluminense fez, independentemente do mérito, é totalmente ineficaz. Siemsen jogou para a torcida e tentou desviar o foco após uma eliminação que pode afetar todo o planejamento da equipe para a próxima temporada.
Se estivesse realmente preocupado, o presidente do Fluminense reuniria outras equipes e debateria modelos possíveis para a arbitragem – ou para qualquer outro tema – do futebol brasileiro. Pensaria em soluções coletivas e usaria essa representatividade para emplacar essas ideias na CBF. O modelo de administração da entidade cerceia o poder dos clubes, é verdade, mas o caminho para qualquer implosão dessa estrutura passa por um ambiente mais inclusivo. Enquanto cada um brigar apenas pelo próprio prato de comida e vociferar apenas quando faltar farinha em seu pirão, o todo seguirá padecendo.
É fácil dizer que meu time perdeu por um erro de um árbitro. Difícil é pensar nos motivos para aquele profissional ser suscetível àquela falha. Houve problemas na preparação? Há como minimizar isso? Não falo apenas de tecnologia ou de evoluções necessárias para um mercado de cifras tão vultosas, mas de mudanças na base.
O pior é que Siemsen não é caso isolado. Na próxima rodada da Copa do Brasil haverá outros, e nas partidas seguintes do Campeonato Brasileiro, com o desfecho cada vez mais perto, as platitudes sobre arbitragem também ganharão corpo.
Para o time, é fácil culpar a arbitragem. Para o torcedor, é fácil culpar a arbitragem. Para a mídia, é fácil explorar essa falta de empatia e gastar horas dissecando cada lance em câmera lenta, sem contexto ou frieza na análise. É um ciclo em que todo mundo se beneficia de um inimigo comum e pouco palpável. Falar sobre a “arbitragem” como instituição, sem ter uma proposta ou uma discussão mais densa, é apenas tergiversar.
Como tantos que o antecederam na reclamação, Siemsen queria desabafar, desviar o foco de um resultado negativo ou incutir nos responsáveis pela arbitragem uma pressão para partidas seguintes. Não havia ali qualquer viés positivo ou benéfico para o futebol como um todo.
Do ponto de vista de comunicação, Siemsen pode ter até adotado uma estratégia eficiente. No entanto, é um discurso extremamente pontual e egoísta. Não há desejo de que a CBF acorde em alguém que brada “Acorda, CBF!” instantes depois de uma eliminação e retoma o trabalho normalmente no dia seguinte.
O futebol brasileiro não precisa de gente que peça para a CBF acordar. O futebol brasileiro não precisa de gente que demonstre indignação com arbitragem. O futebol brasileiro precisa de gente que faça algo para mudar isso.