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Administrando erros…

Quantas vezes você assistiu a um jogo onde os jogadores só trocavam passes para o lado sem objetividade? Ou a única forma de progressão dos zagueiros era o famoso “chutão” em direção ao campo adversário? Ou então, atacantes que quase nunca arriscam um drible, uma jogada individual? Qual o seu sentimento quando vê equipes/jogadores muito conservadores?

Acredito que todos (pelo menos eu!) apreciem ver equipes/jogadores que buscam fazer o diferente, que prezam por um jogo onde prevaleça a criatividade, a ousadia, que se arriscam. Imaginem: o que seria do mundo hoje se grandes navegadores não tivessem se aventurado no mar? Ou se Alberto Santos Dumont não tivesse desafiado as leis da física pela sua ânsia de voar?

Se é notório que grandes invenções e descobertas da humanidade partiram da ousadia de alguns homens e que a grande maioria dos amantes do futebol apreciam jogadas que primam pela criatividade, coragem, ousadia de seus executores, por que, então, tais atitudes, não são a via de regra do jogo? E sabe o que estes inventores, exploradores e “artistas da bola” tem em comum? O erro! Todos erraram bastante até conseguir alcançar o que almejavam. Não são poucos os relatos de pessoas notáveis que atrelavam suas conquistas aos erros cometidos anteriormente. Michael Jordan disse: “Eu errei mais de 9.000 arremessos na minha carreira. Perdi quase 300 jogos. Em 26 oportunidades, confiaram em mim para fazer o arremesso da vitória e eu errei. Eu falhei muitas e muitas vezes na minha vida. E é por isso que tenho sucesso”. (Nike Culture: The Sign of the Swoosh – 1998).

Sendo assim, por que, em nossos treinos, somos tão incompreensivos e intolerantes com o erro de nossos atletas? E notem, é claro que não devemos ser condescendentes, isso é bem diferente, a busca pela perfeição deve ser diária, mas entender que existem muitos percalços neste caminho, é primordial.

Administrar os erros, entendê-los e transformá-los em acertos, é também tarefa do treinador. Psicólogos atestam que cobranças em excesso, desproporcionais e, principalmente, que não geram reflexão sobre o erro, contribuem para a formação de atletas que dificilmente irão se arriscar, tentar algo novo, que serão diferentes! Termo tão usado para designar aqueles atletas que saem do trivial e que tantos treinadores afirmam desejar ter em suas equipes.

É claro que nem todo erro é bom, que nem todo erro é necessário e é possível criar ambientes de aprendizagem onde este erro seja controlado e direcionado a uma reflexão. Por exemplo, vejamos a seguinte atividade:

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Uma atividade simples, porém, um erro pode gerar grandes prejuízos:

  • O adversário estará sempre próximo a baliza que você está defendendo.
  • Perder a bola ou errar um passe quase sempre irá gerar uma situação de inferioridade numérica.
  • Qualquer perda de bola pode acarretar em um gol adverso.
  • Além da “dura” vinda do treinador e dos companheiros em função do erro.

Porém, ao mesmo tempo, um drible ou passe vertical, pode criar uma situação extremamente favorável de superioridade numérica e desencadear num gol pró. A condução de uma atividade como essa, carregada de cobranças por erros, ou de abordagens do tipo “não se arrisca perto do gol”, “só bola de segurança”, “aí não se brinca” etc, resultam em atletas que terão, na maioria das vezes, como primeira opção o “passe para o lado, de segurança”, que não irão se arriscar para buscar o gol adversário. Agora, se forem realizadas abordagens que encorajem os atletas a buscar superar esse risco, buscar soluções para chegar ao gol adversário, que sejam responsáveis com seus atos, aliadas à manipulação de algumas regras, podem induzir nossos atletas a tomar atitudes audazes, criativas, diferentes!

Imagine a mesma atividade, com o acréscimo das seguintes regras:

  • A cada drible vertical (sentido do gol adversário) a equipe soma 1 ponto.
  • Gols = 2 pontos. Se anotados com a perna não dominante somam mais 2 pontos.

Isso aliado aos estímulos do treinador, iria encorajar a todos a se arriscarem mais, para em determinadas situações, optarem pelo drible, tentar uma finalização com sua perna não dominante, serem mais criativos, ousados, diferentes! Isso não irá eximir da responsabilidade e cobranças em caso de erro destas tentativas, porém, o encorajamento para tais atitudes seria muito maior e viria de companheiros e treinador, já que todos estão cientes dos riscos, porém o ambiente que se cria, é de que os benefícios são igualmente grandes e vantajosos.

O Prof. Dr. e livre docente em psicologia pela USP, Lino Macedo, afirma que “o erro significa que eu poderia ter feito melhor, que não antecipei uma surpresa. O erro é criativo também, a gente aprende com ele, por isso, o professor deve guiar o aluno para jogar no nível correto de sua experiência”. Ofertando a possibilidade de adquirir mais experiência no âmbito do erro e acerto, e das vantagens em se arriscar nos momentos propícios, formaremos jogadores mais capazes, conscientes e corajosos para lidar com os riscos do jogo.

Em um dos trechos do livro “Os números do jogo: Por que tudo o que você sabe sobre futebol está errado”, os autores David Sally e Chris Anderson, nos dizem que:

Os gols são raros no mundo inteiro. São raros nas partidas. Basta pensar que, em média, um time do campeonato inglês marca um ou nenhum gol em 63% de seus jogos, e em 30% deles não marca nenhum. Os gols são raros para os jogadores. Em três temporadas da Premier League entre 2008 e 2011, 861 jogadores entraram em campo – ao todo, foram 30.937 participações individuais. A vasta maioria dessas participações – 28.326, ou 91,6% – terminaram sem que o jogadores tivesse feito um gol; 45% dos jogadores não marcaram um gol sequer nessas três temporadas; e 17.322 participações individuais – 56% – terminaram sem que o jogadores finalizassem uma vez sequer ao gol; em um pouco mais de 80% das vezes, o jogadore finalizou uma ou nenhuma vez.”

A média histórica de gols do Campeonato Brasileiro Unificado (dados futpedia.globo.com) desde a 1º Taça Brasil em 1959 até o Campeonato Brasileiro em andamento de 2016, é de 2,49 gols por jogo. Dada a notória capacidade de produzir excepcionais atacantes que nosso futebol possui, não é uma média tão alta, e sabendo que alcançar a vitória é cumprir a lógica do jogo (marcar mais gols que o adversário), por que não nos arriscar mais nisso?