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As marcas em busca de seu diamante

Quando uma determinada empresa decide patrocinar uma figura pública expoente como são os atletas de alto rendimento, o principal objetivo é transferir os atributos pessoais do ídolo para a sua marca. Esse aspecto de atributos é tão relevante que, nos Estados Unidos, ao invés de utilizar a palavra “Sponsorship” (patrocínio), usam a palavra “Endorsement” (endosso). Ou seja, as celebridades emprestam a sua imagem para apoiar uma marca. Essa aposta mostra-se muitas vezes acertada, gerando um retorno bastante positivo e auxiliando a construção de personalidade da marca. Ao mesmo tempo, sempre haverá o risco de rejeição no caso desse suposto ídolo cometer algum equívoco que prejudique a sua imagem.

Nesse aspecto, vale uma reflexão envolvendo os atletas de todas as modalidades, não somente dentro do mundo do futebol. Assim, podemos entender casos com diversos significados. Se avaliarmos o ranking dos atletas mais bem pagos no mundo, realizado pela Forbes em 2016, vemos jogadores de futebol na liderança pela primeira vez na história e, pela segunda vez, um atleta de esportes coletivos, fato que somente ocorreu na década de 90 com a lenda  Michael Jordan.

A rivalidade entre os dois maiores jogadores do mundo é tão intensa que até mesmo nesse quesito estão em disputa. O português Cristiano Ronaldo lidera o ranking com rendimentos de US$ 88 milhões por temporada, enquanto o argentino Lionel Messi aparece na segunda colocação com rendimentos de R$ 81,4 milhões. São contabilizados aqui os valores recebidos entre salários e patrocínios.

Quando olhamos somente os valores obtidos com patrocínios, excluindo os salários, o líder do ranking é o tenista suíço Roger Federer com rendimentos anuais na casa de US$ 60 milhões. A imagem de multicampeão, atleta exemplar, bom pai, bom marido e cidadão responsável são atributos perfeitos que garantem esse enorme apelo para marcas como Nike, Rolex, Mercedes-Benz, Credit Suisse e Lindt. Sem dúvida, esse é um caso exemplar de um craque gigantesco em seu esporte que extrapola os horizontes e torna-se um ídolo venerado até mesmo por quem entende pouco sobre tênis.

Trazendo para o futebol, o primeiro jogador no ranking de patrocínios é o português Cristiano Ronaldo que aparece somente na 10ª posição, seguido por Messi (13ª posição) e Neymar (15ª posição). Ainda em ascensão, o brasileiro possui um perfil bastante midiático que lhe rendeu US$ 23 milhões no ano somente em patrocínios, apesar de ser questionado por parte dos torcedores por algumas atitudes.

Existe uma linha tênue entre o céu, quando as marcas conseguem alavancar seus resultados com o endosso de atletas, e o inferno, quando esse atleta passa por momentos conturbados que acabam manchando a sua imagem e trazendo ruídos negativos para as marcas patrocinadoras. Vemos esses fatos ocorrendo cotidianamente.

Um caso recente e explosivo aconteceu durante a realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. O nadador americano e campeão olímpico Ryan Lochte mentiu sobre um suposto assalto após uma noite de festa e perdeu todos os seus patrocinadores, gerando um prejuízo ao atleta estimado em US$ 10 milhões.

O caso mais conhecido aconteceu com o americano Tiger Woods. Considerado um fenômeno do golfe, celebrado pelos fãs, mídia e marcas, possuía uma das imagens mais fortes entre todas as celebridades mundiais por representar um talento mestiço de pai afro-americano e mãe tailandesa que conquista o topo do sucesso em uma sociedade com a elite majoritariamente branca. O fenômeno era tão grande ao ponto de torná-lo o atleta mais bem pago do mundo durante 12 anos. Em 2009, uma série de escândalos sexuais tomaram conta dos noticiários não somente esportivos, mas de outros diversos segmentos, tornando o até então queridinho da América em um grande vilão e levando junto a confiança de seis patrocinadores que resolveram rescindir os seus contratos. Juntou-se a isso os fracassos esportivos nos anos seguintes, com falta de resultados expressivos do golfista desde então. O mais incrível é que, mesmo após tantas quedas, Tiger Woods ainda é o 4º atleta que mais rendimentos conquistou com patrocínios no ranking de 2016, atingindo o valor de US$ 45 milhões. A força do personagem e a necessidade de se ter ídolos possui uma subjetividade bastante complexa.

Um caso diferente aconteceu muito recentemente com o piloto mexicano Sergio Peres, da Fórmula 1. Após seu patrocinador Hawkers MX, fabricante de óculos de sol, postar uma piada infeliz relacionando o choro dos mexicanos com a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, o piloto tomou a iniciativa de romper o contrato por considerar uma falta de respeito com o seu país. Trata-se de algo inusitado e, ao mesmo tempo, demonstra a postura do atleta em também cuidar de sua imagem, sem se importar exclusivamente com o seu bolso a curto prazo.

Para fechar e mostrar a força de um atleta para a construção de marca, voltemos ao final da década de 30, aqui mesmo em nosso país. Após uma grande performance durante a Copa de 1938, o nosso maior craque Leônidas da Silva, apelidado de Diamante Negro pela forma elegante e magistral que exibia dentro de campo, recebeu uma proposta inusitada. Em troca de 3 mil réis, Leônidas cederia o seu apelido e a sua imagem para rebatizar o nome de um chocolate da Lacta até então chamado de Chocolate ao Leite com Crocante Lacta. Passados quase oitenta anos, o Diamante Negro ainda é um dos produtos mais vendidos entre os chocolates no país e, mesmo sem planejar, tornou-se um dos maiores sucessos de relação entre atletas e marcas de toda a história.

diamante negro 1939

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O que o torcedor quer

“É possível dividir o Campeonato Brasileiro em três fases: na primeira, as equipes ainda estão tentando entender o que elas querem para a temporada; na segunda, há um marasmo total; quando os objetivos ficam claros e a competição afunila, aí a disputa fica emocionante”. Foi assim que Casagrande, comentarista da TV Globo, reagiu no último domingo (20), durante a transmissão de Palmeiras x Botafogo, quando notou que o segundo tempo vinha sendo disputado em ritmo extremamente acelerado. E isso diz muito sobre o tipo de produto que é a principal competição do esporte mais popular do país.

A reta final do Campeonato Brasileiro escancara erros em processos de comunicação que foram cometidos durante todo o ano. É o fim das máscaras usadas por equipes que passaram meses ignorando sua verdadeira vocação na temporada, mas também é uma demonstração inequívoca de quanto a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e seus parceiros (incluindo os veículos de mídia que dão espaço ao torneio) se satisfazem com poucos meses de emoção em um universo que oscila entre “irregular” e “arrastado”.

O Palmeiras de 2016 talvez seja o melhor exemplo do que é o plano de comunicação do Campeonato Brasileiro. O time comandado por Cuca teve bons momentos no primeiro turno, mas não será lembrado pela excelência técnica ou pelas boas apresentações. Passa longe de ser pragmático, mas tampouco domina as ações em suas partidas. No último domingo, no tal duelo elogiado por Casagrande, esteve perto de perder para o Botafogo em vários momentos. Venceu por ter sido mais letal e resolvido quando teve oportunidade.

O desempenho reflete um pouco o sentimento do torcedor do Palmeiras, clube que não vence o Brasileiro desde 1994. Há enorme carga de tensão em torno da equipe, sobretudo por um histórico recente de decepções – o maior exemplo é a derrocada de 2009. Pergunte a qualquer torcedor alviverde se existe preocupação com o desempenho ou o estilo de jogo da equipe. A resposta invariavelmente vai ser algo como “a preocupação é o título”.

No todo, o Palmeiras é um time que começou o Brasileiro sem ter convicção de suas pretensões a despeito do discurso enfático do técnico Cuca. Depois, engrenou e aglutinou boas alterações. E no fim, quando a briga pelo título já havia se tornado palpável, a preocupação passou a ser “entregar”. É um pouco como uma metáfora do plano de comunicação do próprio Campeonato Brasileiro, um produto amorfo, que tem bons momentos e que no fim vive apenas de concluir o que foi proposto.

O Campeonato Brasileiro podia ser um produto preocupado com maneiras para encantar o consumidor e aumentar o alcance do produto. Em vez disso, porém, CBF mostra apenas os efeitos da ausência de um plano de comunicação que seja eficiente, abrangente e focado no médio/longo prazo. O sistema de pontos corridos foi implantado em 2003, e até hoje isso não foi suficiente para que os responsáveis pelo evento entendam a temporada como um roteiro que pode ter seguidos momentos de emoção.

Se houvesse um plano focado em todo o Campeonato Brasileiro, a “fase do marasmo” poderia ser mais atraente a diferentes tipos de público. A dúvida no futebol nacional, contudo, é até anterior a isso: afinal, qual é o público?

A verdade é que os responsáveis pelo Campeonato Brasileiro não conhecem seus consumidores e ignoram as faixas em que o produto pode se desenvolver mais. Faltam informações básicas sobre perfil, hábitos e preferências, e isso acaba tendo como reflexo a ausência de foco.

Essa talvez seja a grande diferença entre as histórias do Palmeiras e do Campeonato Brasileiro. O time paulista pode adotar um estilo mais pragmático e pensar apenas no título porque é esse o grande anseio de seus torcedores; a CBF não sabe sequer quais são os consumidores da principal competição que ela organiza, e sem saber não há como planejar ações para esse grupo ou direcionar o foco para outros segmentos.

O Campeonato Brasileiro de 2016 não será lembrado como um torneio de nível técnico baixo. Contudo, ainda é possível cortar muita “gordura” da competição. No todo, há uma fase muito grande em que os times sofrem com indefinição, falta de foco ou apenas questões de foco.

Essa postura dos responsáveis pela organização do Campeonato Brasileiro reforça um dos principais problemas de análise de futebol no país. Seguimos pensando apenas em retratos pontuais e ignorando o todo. Seguimos pensando em retalhos.

Atlético-MG e São Paulo são bons exemplos disso. O time mineiro é comandado por Marcelo Oliveira, que foi bicampeão brasileiro com o Cruzeiro e venceu a Copa do Brasil com o Palmeiras. Tem hoje o elenco mais caro do país, mas não embalou em momento algum do Campeonato Brasileiro. Pode fechar o ano como campeão da Copa do Brasil, mas isso é suficiente para uma análise sobre o trabalho?

E o que dizer de Ricardo Gomes? O técnico tem menos qualidade à disposição, é verdade, mas não conseguiu incutir no São Paulo as ideias que a diretoria e a torcida almejavam. Ainda assim, conseguiu uma goleada por 4 a 0 sobre o Corinthians e afastou o risco de queda para a segunda divisão. O saldo é positivo ou negativo?

Enquanto pensarmos apenas em questões pontuais ou em retratos de momentos, seguiremos com uma análise enviesada sobre o que acontece no futebol. Enquanto fizermos isso, seguiremos admitindo a inexistência de um plano de comunicação na principal competição de futebol do país. Enquanto tivermos essa visão fragmentada, seguiremos sem pensar no que o torcedor realmente quer.