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Como começar a construir um time

A discussão é recorrente, mas o início da temporada 2017 colocou o tema novamente no centro dos holofotes. Existe uma dicotomia extremamente marcada entre Fabio Carille, inexperiente treinador que assumiu o Corinthians, e Rogério Ceni, comandante neófito do São Paulo. Os dois mostram que o trabalho de construção de uma equipe de futebol pode começar de diferentes maneiras. Mas quais são as consequências disso, afinal?

Carille optou por um caminho mais conservador. Alicerçou o Corinthians na segurança defensiva e fez isso a partir de uma formação tática que já havia funcionado com Tite, atual comandante da seleção brasileira e treinador mais vitorioso da história recente no time alvinegro. Moldou um time que se movimenta de forma mais previsível e que anota poucos gols, mas tem a melhor campanha do Estadual e já venceu dois clássicos (contra Palmeiras e Santos).

A proposta de Ceni é radicalmente oposta. O ex-goleiro tem construído o São Paulo a partir de movimentações mais fluídas. Jogadores como Rodrigo Caio, Cícero e Buffarini alternam posições durante as partidas, e a equipe muitas vezes tem dinâmicas diferentes de acordo com a necessidade mais urgente. Isso influencia a saída de bola, a construção e o encaixe de marcação, por exemplo. Resultado: o time marca muitos gols, mas também tem uma defesa instável.

O São Paulo de Ceni está longe de ser problemático. É líder do Campeonato Paulista, avançou na Copa do Brasil e tem conseguido estabilidade de resultados a despeito de usar um elenco recheado de garotos. No entanto, e nesse ponto a comparação com o Corinthians é cruel demais, o desempenho é menos regular do que o registrado pelo rival alvinegro.

O Corinthians de Carille é seguro e parece estar sempre distante de uma derrota, mas também dá impressão de estar constantemente longe de vencer. No São Paulo de Ceni acontece o inverso: o time está sempre perto de triunfar, mas vive em constante flerte com os resultados negativos.

A primeira questão advinda dessa oposição é sobre caminhos: Carille e Ceni demonstram que há diferentes abordagens possíveis para a construção de um time e que ambas podem ter percalços e/ou sucesso. É fundamental não cobrar que ambos se balizem por um senso comum e que se mantenham fiéis ao que escolheram, mas isso também depende da convicção de suas diretorias.

Aí entra outro aspecto relacionado à dicotomia entre os treinadores: Corinthians e São Paulo sabem o que querem para esta temporada? Sabem aonde pretendem chegar e estabeleceram parâmetros de desempenho que sejam mais palatáveis do que “conquistar títulos”? Os técnicos receberam essas projeções e participaram de um desenho de planejamento anual?

Nos dois casos, a escolha do treinador tem relação aberta com o contexto político. Rogério Ceni é um ídolo, talvez o maior da história do São Paulo, e a contratação dele é uma espécie de escudo para Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco, atual presidente e candidato à reeleição – o pleito está agendado para abril. No Corinthians, o mandatário Roberto de Andrade tinha um risco considerável de sofrer um processo de impeachment quando escolheu Carille. Era uma solução menos arriscada, com menos rejeição e substituição mais tranquila – se fosse necessária, é claro.

As posturas dos dois treinadores também têm relação com o contexto, é claro. Carille sabe que goza de menos estabilidade no Corinthians e que precisa acumular bons resultados para se segurar no cargo. Ceni entende o quanto é ídolo e o quanto a candidatura de Leco depende dele. Por isso, tem mais espaço para ousar.

Entender o contexto político e como os treinadores se relacionam com isso é fundamental para qualquer avaliação sobre Carille e Ceni. Saber o que os times estipularam como meta também é fundamental nesse processo.

Entretanto, há muita pressa para colar rótulos nos dois treinadores. Carille não é necessariamente um profissional com postura defensivista, e nem Ceni é obrigatoriamente um inovador defensor do futebol ofensivo. Ambos estão trabalhando, buscando estabilidade, mas escolheram caminhos diferentes para começar isso.

E os dois times? Em que Corinthians e São Paulo têm contribuído para construir ambientes favoráveis a seus treinadores? Como os dois têm trabalhado para que o caminho iniciado por seus novos comandantes os levem ao objetivo determinado?

A pergunta pode abarcar diferentes áreas das duas equipes, mas é impossível dissociar a comunicação do processo. Corinthians e São Paulo começaram 2017 com rotas diferentes, mas até aqui fizeram pouco para explicar isso a seus torcedores. Corinthians e São Paulo escolheram essas rotas por motivos diferentes, mas tampouco têm posicionado o público sobre o contexto.

Se essa passividade persistir, os dois times paulistas seguirão dependendo de bons resultados para que os caminhos escolhidos por seus treinadores continuem. É uma linha muito tênue e denota pouca convicção. Mesmo para quem começou bem.