Categorias
Colunas

O mistério da chuteira de Neymar

Neymar recebeu no último sábado (08) seu primeiro cartão vermelho em uma partida do Barcelona. Foi expulso em derrota para o Málaga por 2 a 0, válida pelo Campeonato Espanhol, após ter cometido falta dura em Llorente, aplaudiu o árbitro de forma irônica e pode até perder o clássico contra o Real Madrid por causa do lance. No entanto, não foi esse o episódio mais polêmico envolvendo o brasileiro na partida. O que tem provocado mais discussão na Espanha é o primeiro amarelo recebido pelo atacante, ainda na etapa inicial, por se abaixar para amarrar as chuteiras e impedir uma cobrança de falta dos rivais. Foi cera, estratégia ou ação de marketing?

É fundamentalmente esse o questionamento que tem sido feito pelo jornal catalão “Mundo Deportivo”. No domingo (09), a publicação apresentou um relatório sobre a relação de Neymar com as chuteiras. O atacante teve de amarrar ou trocar os calçados durante as partidas em seis jogos neste ano – foi assim nas últimas quatro apresentações do Barcelona.

Em 1970, Pelé abaixou-se para amarrar as chuteiras antes do início da decisão da Copa. Aquela cena, filmada e veiculada em todo o planeta, foi emblemática: o jogador mais importante do mundo, antes da partida mais relevante daquela temporada. Todos olhavam para o Rei, que calmamente cruzava cadarços de um modelo predominantemente preto da marca Puma. Ainda que isso tenha sido desmentido, era uma ação de marketing da fabricante de material esportivo, altamente interessada naquele momento de atenção total para seu logotipo.

Há outros episódios, certamente, no futebol e em outras modalidades. Não é novidade que as marcas tentem se aproveitar dos momentos de maior exibição das personalidades em que elas investem. Neymar é um ativo da fabricante de material esportivo Nike, que tem no brasileiro um de seus pilares de comunicação e possui uma justa missão de buscar caminhos para obter retorno com o investimento.

Caso a ação de Neymar tenha acontecido a pedido da Nike, portanto, não será exatamente uma novidade. Não será algo inusitado sequer na biografia do brasileiro – ele já esteve envolvido em polêmica similar quando saiu de algumas partidas sem camisa, com calções abaixados, deixando à mostra as cuecas esportivas da marca Lupo.

O grande questionamento nesse caso é a credibilidade das ações de um porta-voz. Neymar é uma estrela e tem ascendência inexplicável sobre uma camada gigantesca da população que aprecia futebol. Não é apenas um bom jogador, mas um bom embaixador. A relação de adoração que muitas crianças têm com o brasileiro é algo que não se fabrica. A combinação de talento, protagonismo e carisma, porém, perde muita força se abdicar da autenticidade.

O mercado de comunicação no Brasil adotou nos últimos anos uma caça aos influenciadores. A verba de publicidade de empresas e agências, que anteriormente era colocada apenas nos grandes players, paulatinamente foi transferida para as pessoas que acumulavam seguidores – e retorno – em mídias sociais. Comprar um segundo no intervalo comercial da TV Globo segue sendo um bom negócio para muitas marcas, mas o país viu recentemente o estabelecimento de uma concorrência entre os veículos tradicionais e os canais muitas vezes feitos por uma pessoa, muita audiência e pouco conteúdo. Sobretudo porque esse modelo provou ser um caminho mais curto para ditar regras de comportamento e orientar tendências de consumo.

Depois de o investimento em influenciadores ter se consolidado, porém, esse mercado já começou a ter algum desgaste. Há até escolas para formação de personalidades – principalmente para o ambiente digital –, mas esse processo nem sempre considera o ponto mais básico: o que os candidatos ao estrelato têm a dizer.

Porque a personalidade que mexe com um público verdadeiramente relevante pode emanar de redes sociais, reality shows ou de jogos do Barcelona. A questão não é a origem, mas o que essas pessoas têm a oferecer e o quanto podem se mostrar reais para o público.

Se o grande desafio de Neymar em campo é provar que pode se enfiar no panteão atualmente polarizado por Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, fora das quatro linhas o brasileiro precisa urgentemente ganhar credibilidade. Ele pode até fazer publicidade quando amarra as chuteiras ou tira a camisa; o que não pode é ser questionado como se todas as atitudes fossem premeditadas e providas de segundas intenções.

É a mesma questão que permeia a relação do mercado de comunicação com os tais influenciadores. Há pesquisas que mostram que a publicidade identificada é bem menos eficiente, é verdade, mas isso é uma relação direta e de curto prazo. No longo termo, nada vende melhor do que a credibilidade.

Por isso, o grande desafio de qualquer marca é identificar oportunidades de exposição – as chuteiras ou as cuecas de Neymar, por exemplo – sem que isso crie no público a ideia de que aquelas reações foram fabricadas. Não vale apenas para ele, mas o camisa 11 do Barcelona, o nome da vez em qualquer campanha publicitária no Brasil, é hoje um dos melhores exemplos disso.

No último fim de semana, o goleiro Bruno Fernandes também voltou a disputar uma partida de futebol profissional. Condenado por crimes como assassinato e ocultação de cadáver da ex-amante Eliza Samudio, o jogador vestiu a camisa do Boa Esporte em jogo disputado em Minas Gerais. Há uma lista infindável de absurdos nesse episódio, mas uma cena específica chamou atenção: sete anos depois de ter sido mandante do sequestro do próprio filho, fruto do relacionamento com Eliza, ele entrou em campo de mãos dadas com uma criança.

Não, ninguém aqui tem condição de julgar Bruno ou que pena deve ser a ele impingida. Tampouco há uma restrição à ressocialização dele – se a Justiça entender que o goleiro deve sair da prisão, um caminho fundamental para ele é encontrar um trabalho e ter condição de voltar a fazer a profissão que sabe.

A discussão aqui não é sobre o personagem Bruno ou sobre o retorno dele ao futebol profissional. A questão é especificamente a presença de uma criança de mãos dadas com o goleiro na partida do último fim de semana. Que tipo de verdade a cena transmitiu? Quem conseguiu ver aquilo e achar que o goleiro é realmente uma pessoa melhor?

Se houver qualquer dúvida, basta comparar a cena com as entrevistas coletivas de Bruno após ter saído da prisão. Ele não pediu desculpas, não falou em arrependimento e sequer pensou em como poderia amenizar os prejuízos causados por suas ações. Aquele personagem passa alguma verdade ao dar as mãos a uma criança?

Não existe fórmula mágica em comunicação. No entanto, um bom caminho para o sucesso no longo prazo é saber aproveitar as características e opiniões reais de um porta-voz. Independentemente do contexto, nada vende mais do que a realidade.

Categorias
Colunas

Estado de emergência

Os campeonatos estaduais chegam a sua fase final cercados de grandes dúvidas sobre a qualidade e interesse do consumidor em relação ao seu produto.

O campeão estadual não tem sido, por lógica, elevado a favorito para o campeonato nacional. Não podemos nos esquecer, por exemplo, que o campeão mineiro de 2016 foi o América Mineiro, que acabou rebaixado no Brasileiro. O campeão gaúcho foi o Internacional, também rebaixado no Brasileiro. Em 2015, o Vasco sagrou-se campeão carioca e, no final do ano, amargou um novo rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro.

É fato que algumas medidas foram adotadas para que os torneios estaduais reduzissem a sua duração de tempo e número de jogos, após manifestações realizadas pelo movimento Bom Senso F.C.. Porém, o impacto para a geração de maior qualidade ainda não prosperou.

Estádios vazios, jogos cansativos, clubes priorizando outras competições e poupando seus principais atletas até mesmo em grandes jogos. Esse é o cenário dessas competições locais. Os clubes que disputam a Libertadores, como Botafogo e Atlético Paranaense, têm jogado grande parte dos jogos do Carioca e Paranaense com suas equipes reservas ou mistas. Claro que para o clube e para a torcida, é sempre legal ser campeão, mas é praticamente unânime que ambos preferem priorizar outras competições, mesmo que isso acarrete em campanhas medíocres dentro de seus Estados.

O calendário brasileiro e sul-americano permanece muito inchado e desorganizado. Somente por aqui os clubes realizam jogos durante as datas FIFA, destinadas aos confrontos entre seleções. Na última janela de jogos FIFA, inclusive clássicos foram disputados. Em São Paulo, houve a disputa entre São Paulo x Corinthians e, no Rio, Botafogo x Fluminense.

Como passar credibilidade ao seu público consumidor, se os times correm o risco de estarem desfalcados de seus principais atletas? O resultado não pode ser diferente, é fracasso na certa. Nesse clássico carioca, o público presente foi de 6 mil torcedores, gerando o maior prejuízo do campeonato, no total de R$ 370 mil.

Os estaduais merecem o nosso respeito. Durante décadas, foram aclamados e elevados ao mesmo patamar de importância do campeonato brasileiro. Os times do interior eram mais fortes e apresentavam ao país novas promessas. Hoje lutam para sobreviver, sem conseguir se planejar pelo fato da maioria não ter um calendário anual de jogos, mantendo seus times durante apenas um semestre.

É essencial que uma nova fórmula seja encontrada, tanto para gerar interesse dos grandes, como também para dar vida aos pequenos. Alguns consideram até mesmo a hipótese de extinção dos estaduais. Acredito que haja espaço para enxugar um pouco mais a participação dos grandes nos torneios, beneficiando a qualidade do espetáculo e entregando um produto melhor para os torcedores e amantes do bom futebol.