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Onde está a história do futebol feminino?

As disparidades entre o milionário universo do futebol masculino e o futebol jogado por mulheres não são nenhuma surpresa para quem está rotineiramente envolvido com o esporte. O que poucas pessoas se perguntam ainda é onde está a história das mulheres nos esportes. O futebol é o esporte mais praticado no país e é de conhecimento público a vida e história de muitos clubes, jogadores e seleções masculinas, mas quase nada se sabe sobre o futebol feminino, principalmente o praticado por aqui.

As mulheres foram proibidas constitucionalmente de praticar alguns esportes, entre eles o futebol, durante mais de 30 anos no Brasil. Mesmo após a legalização da modalidade feminina, as atletas não podiam se profissionalizar e não havia incentivo para as mulheres praticarem o esporte. Ao pesquisar sobre a história do futebol feminino no Brasil, é perceptível a falta de fontes e materiais que trabalhassem o tema como esporte profissional.

Na década de 80, com o fim da proibição do futebol feminino, surgiram várias equipes de mulheres. Segundo consta na revista Placar de 1984, edição 738, havia 3 000 times espalhados por todo o Brasil. Por parte da mídia esportiva em geral, havia ora o silêncio, ora a objetificação. Manchetes apelativas, fotos das atletas seminuas e uma necessidade constante de reafirmação da feminilidade como negação da homossexualidade. As reportagens, em maioria, apontavam como as jogadoras eram vaidosas, “ainda que gostassem de jogar futebol”, e se preocupavam muito mais em elogiá-las por seus atributos físicos do que pela habilidade no esporte. É difícil encontrar material da época que tivesse, de fato, o compromisso de divulgar o futebol feminino como modalidade esportiva.

O cenário tem mudado, mas lentamente. Ainda hoje, os principais programas esportivos, constantemente, tratam como se apenas homens os assistem e, ao falar das mulheres atletas, focam em sua vida familiar e maternal. Se a atleta atender aos padrões beleza, a objetificação acontece quase que como um ritual: inúmeras entrevistas enaltecendo a beleza daquela mulher que, por acaso, joga futebol, basquete, rugby, etc. Por isso mesmo, quando o assunto é a mulher torcedora, não são raros os quadros que se dizem esportivos falem as “musas” dos times brasileiros.

Os relatos das mulheres que fizeram a história do futebol feminino são a maior fonte que pesquisadores e jornalistas esportivos têm para conhecer e entender a modalidade. Por isso, é importante dar voz a essas jogadoras que fazem e fizeram história no futebol. É preciso entrevistar as atletas e construir desde já a memória do futebol feminino. Infelizmente, nem todas as guerreiras que estiveram à frente na luta pela legalização e profissionalização do futebol feminino estão disponíveis hoje para reconstrução e documentação dessa história, mas trabalhos biográficos da vida das jogadoras da primeira geração do futebol feminino são feitos nas universidades brasileiras e nos trazem um pouco dessa memória viva. Nesse contexto, é importante exaltar a importância do CEME – Centro de Memória do Esporte, da Escola de Educação Física da UFRGS, coordenado pela professora Silvana Goellner, e que tem desempenhado um papel fundamental na luta pela visibilidade e reconhecimento do futebol feminino, em meio a esse cenário de tanta negligência com o futebol jogado por mulheres.

Há ainda poucos materiais na grande mídia que seja capaz de mudar a consciência coletiva sobre a modalidade e, nesse momento histórico, as mídias alternativas representam uma das principais ferramentas de divulgação de conteúdo relacionado a gênero e esportes.

Um bom exemplo recente dessa construção de espaços às mulheres desportistas é a série “Mulheres do Futebol” do site A Bola que Pariu, da qual faço parte, um veículo independente onde mulheres torcedoras cobrem seus times e expressam suas paixões, lutas e conhecimentos sobre o futebol. O projeto, que pode ser acessado através deste link http://abolaquepariu.com.br/2017/03/mulheres-do-futebol/, consistiu em 18 entrevistas com mulheres de diferentes áreas de atuação – atletas, ex-atletas, treinadoras, pesquisadoras, ativistas e profissionais da comunicação – registrando suas histórias, vivências, conquistas, experiências e dificuldades.