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O Principado em busca de sua Coroa

A grande surpresa da fase semifinal da Champions League que será disputada a partir de hoje é, sem dúvida alguma, a equipe do Mônaco, até então pouquíssimo cotada para chegar tão longe e que vem sendo a grande sensação do torneio.

A história do clube é bastante peculiar, começando pelo fato de receber o mesmo nome de seu minúsculo país, localizado entre a França e Itália. Mônaco é o segundo menor país do mundo, separado apenas pelo Vaticano. A sua população é de 35 mil habitantes, incapaz de encher qualquer grande estádio do futebol mundial.

Por motivos óbvios, não há um campeonato nacional em Mônaco, sendo que o clube é afiliado à Federação Francesa de Futebol e, portanto, participa das competições em território vizinho. No cenário francês, merece destaque, sendo um dos clubes de maior expressão, onde conquistou 7 títulos nacionais da Ligue 1 e 5 Copas da França.

O grande feito internacional do clube em sua história foi chegar à final da Champions League na temporada 2003-04, ficando com o vice-campeonato, após eliminar os galácticos do Real Madrid nas quartas de final e o ascendente Chelsea na semifinal. O título ficou com o FC Porto de José Mourinho. Esse momento histórico foi sucedido por anos difíceis e uma grave crise institucional, com o clube sendo rebaixado para a 2ª divisão do Campeonato Francês, em 2011.

Essa queda possibilitou uma grande revolução na forma de gerir o clube, com o Principado abrindo mão do controle acionário para a entrada de investidores estrangeiros. A partir desse momento, o Mônaco passa a ser gerido por um bilionário russo, que injetou muito dinheiro na reformulação do elenco, retornando à elite do futebol francês em 2013. A expectativa era que, com o poder de investimento que tinha em mãos, o clube logo chegaria ao topo do futebol europeu, ainda mais após grandes contratações realizadas com valores superiores a 100 milhões de euros.

Porém, essa estratégia durou apenas um ano. Na temporada seguinte, as grandes estrelas foram negociadas e a equipe passou a apostar em jovens promessas. Essa mudança repentina ocorreu pela nova legislação fiscal que obrigava o clube a pagar até 75% de impostos sobre os grandes salários e também pelo altíssimo custo do divórcio envolvendo o seu proprietário russo com a sua então esposa, avaliado em cerca de 5 bilhões de dólares.

O plano adotado a partir desse momento e em vigor durante a atual temporada tem superado qualquer expectativa e garantido um enorme sucesso. Além de estar na semifinal da Champions League, também ocupa a liderança do Campeonato Francês.

Em termos comparativos, o time que representa o país com a imagem de local mais luxuoso da Europa, é o mais “pobre” entre os quatro semifinalistas da Champions e também entre os demais pertencentes à elite do futebol europeu. Enquanto o todo-poderoso Real Madrid possui uma receita de 620 milhões de euros, o seu rival Atlético de Madrid outros 229 milhões de euros e a forte Juventus o total de 341 milhões de euros, o Mônaco trabalhou nessa temporada com uma receita de 64 milhões de euros, dez vezes menor do que o Real Madrid e abaixo até mesmo dos maiores clubes brasileiros.

A receita específica de patrocínio não ultrapassou os 15 milhões de euro, enquanto os direitos de transmissão garantem a maior fatia do bolo, com 45 milhões de euros.  O valor restante de 4 milhões de euros é proveniente da venda de ingressos, sendo esse um fator de desequilíbrio, uma vez que o Mônaco representa o clube com a pior média de público do Campeonato Francês entre todos os participantes, com média de 8.700 torcedores por jogo, muito por conta da localização do estádio e de grande parte dos seus torcedores residirem em outras localidades distantes do Principado.

O potencial de fazer dinheiro com a venda de grandes revelações desse time é garantia de sucesso no final da temporada. As especulações envolvendo os maiores e mais ricos times ingleses e espanhóis por nomes como Mbappé, Bernardo Silva, Mendy, Bakayoko e Lemar certamente reforçarão o caixa monegasco.

O título de gestão mais eficiente da temporada já tem dono. Porém, o grande sonho é conquistar o reinado europeu da Champions League e marcar o nome do Mônaco na história do futebol mundial.

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A Libertadores é uma mentira

Joseph Goebbels disse que “uma mentira contada milhares de vezes torna-se verdade”, e Jacques Lacan tem uma série de referências à capacidade de fixação de qualquer informação repetida insistentemente, independentemente da veracidade. O futebol tem uma lista de mentiras tão recorrentes que serve como cenário perfeito para ilustrar os dois casos: basta pensar no que aprendemos a entender como “clima de Libertadores”.

A Copa Libertadores é o principal campeonato de clubes do continente sul-americano, mas nem sempre recebe tratamento condizente com esse status. Trata-se de uma disputa subvalorizada, assaltada por décadas de dirigentes corruptos, omissos, incompetentes ou membros de todos esses grupos.

Só isso justifica as histórias de guerra e absurdos que constroem a história da Libertadores. Times acuados em estádios rivais, ameaças a jogadores e árbitros, objetos ameaçados na direção do campo e toda sorte de assédio que ultrapassa qualquer limite. A cena que costuma descrever melhor a competição é um atleta, antes de cobrar um escanteio, protegido por escudos policiais para não ser atingido por artefatos oriundos da arquibancada.

E não, esses elementos não fazem parte do jogo. É uma falácia o “clima de Libertadores”, admitido durante décadas. Atletas são profissionais, e o mínimo que se pode esperar de um profissional é que ele tenha um ambiente adequado para desenvolver seu trabalho. Exigir rendimento de alguém sujeito à lista de coisas impostas por essa competição beira a sandice.

Uma sandice, aliás, que engloba todos os aspectos do jogo da Libertadores. É inadmissível um campeonato com tanto assédio moral, com tantas ameaças físicas e psicológicas, com fatores que se sobrepõem ao desempenho técnico. Até aspectos como altitude deveriam ser discutidos em nome de uma competição mais equânime e condizente com critérios técnicos.

A valorização da técnica é uma das bases das ligas esportivas dos Estados Unidos. É por isso que todos os principais campeonatos do país trabalham com limites de gastos, tetos salariais e divisão planejada de recursos.

O futebol pode até ser um território inóspito para conceitos como teto salarial, mas não pode ser tão alheio ao conceito incutido nisso. Competições como a Liga dos Campeões da Uefa e a Premier League já têm fóruns para discussão sobre distribuição de receita. Nos dois casos, a ideia é ter uma distância menor entre os rivais. Fomentar a rivalidade também é uma forma de colocar sob holofotes o nível técnico do evento.

Todo esse contexto é fundamental para discutir o que aconteceu na última quarta-feira (26), data de Peñarol x Palmeiras. Houve confusões entre atletas e torcedores em Montevidéu, e todos os episódios tiveram em comum a total falta de uma política de controle.

É fundamental que exista uma discussão ampla sobre Peñarol x Palmeiras. Felipe Melo foi vítima de ofensas racistas? Quem agrediu quem? Quais atitudes colocaram em risco a integridade física de outras pessoas? E o mais importante: por que não houve um controle adequado de riscos?

Há ainda o caso dos portões. Se o Peñarol os fechou para impedir que seguranças do Palmeiras acessassem o gramado, é um crime. Se não for punido, a responsabilidade por isso passa às mãos da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol).

Qual tribunal terá condição de fazer uma análise isenta e minuciosa do que aconteceu em Montevidéu, com as devidas punições a todos os envolvidos? Quem cobrará para que isso aconteça? A resposta, baseada em anos de experiência, é que a Conmebol não vai fazer esse papel. Vai preferir a omissão, como fez em casos como o de Kevin Spada.

A Justiça uruguaia ao menos puniu três jogadores do Peñarol pelo que aconteceu no jogo de quarta-feira. Matías Mier, Nahitan Nández e Lucas Hernández terão restrições para participar de partidas e eventos esportivos, bem como limitações para viajar. É o mínimo que se espera, mas não pode ser limitado aos três.

A questão é que a Conmebol é uma entidade historicamente omissa e permissiva, e os clubes que disputam a Libertadores seguem valorizando um campeonato balizado por esses conceitos. O principal evento esportivo de clubes na América do Sul não prioriza o que acontece em campo, infelizmente.

A Libertadores não elege o melhor time da América do Sul. Isso é uma mentira. Determina apenas o mais capacitado para lidar com todos esses fatores extracampo. E nem sempre isso é questão de mérito.