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Jogo de localização

O jogo de localização é um termo criado pelo treinador espanhol Juanma Lillo, atual treinador do Atlético Nacional da Colômbia. Procurei me aprofundar em algumas referências, escrever algumas inquietudes e compartilhar algumas ideias de reflexões que tive com meus amigos Willian Batista de Almeida (ex-treinador do Atibaia sub-17 de São Paulo) e Kevin Vidaña (atual treinador do Atarfe sub-19 da Espanha), ambos conhecedores do tema. A ideia da coluna é desbravar globalmente essa forma de entender o jogo para em futuras publicações pormenorizar alguns aspectos.

Crédito: Higuita e Lillo no Atlético Nacional da Colômbia| Reprodução: Twitter
Crédito: Higuita e Lillo no Atlético Nacional da Colômbia| Reprodução: Twitter

 

Bem, no futebol há várias formas de jogar e enxergar o jogo. Nenhuma melhor que a outra, apenas com ideias e convicções distintas. O jogo de localização é uma delas e tem seus ideais excêntricos. Primeiramente, entende que o jogo é dos futebolistas, e os futebolistas não atuam simplesmente, eles inter-atuam, se inter-relacionam formando uma unidade coletiva. Isso cria uma linguagem intencional-interativa que permite uma comunicação dinâmica entre todos.

Em seu artigo “A lógica interna e o jogo de localização”, Kevin Vidaña deixa claro que “o jogo de localização tem suas bases estruturais e funcionais na lógica interna do jogo, que não suporta mais ideologia que a sua própria. É um conjunto de normas conexas entre si, a fim que seus propósitos de atividades não se produzam de forma isolada, dispersa ou fracionada, e nos indiquem a intencionalidade do jogar”.

De forma geral, o termo localização vem de uma fusão entre posição e situação. Investigando no dicionário, percebemos que o termo posição tem uma relação sinônima com postura, já o termo situação tem a ver com circunstância calhada de algum lugar ou para algum lugar. Ambas se relacionam invariavelmente, e uma coisa sucede a outra previamente-posteriormente e positiva-negativamente.

Assim, um jogador pode estar fora de posição mas em boa situação, ou pode estar na posição em uma situação ruim, por alguns motivos invisíveis e outros visíveis, tais como: variabilidade do jogo, oposição do adversário e leitura individual. Mesmo com isso, pode ainda ter vantagem naquele instante. Porém, uma coisa sucede a outra, e a verdadeira pujança só acontece com o domínio da relação entre posição e situação e isso acaba delineando e desenhando a energia varonil do jogo de localização.

Então, de nada adianta um jogador estar bem situado ou em uma determinada posição, seja ela no recomeço a frente da linha, entre os jogadores da linha, no lado forte ou contrário da linha ou nas costas da linha, se não existir intencionalidade coletiva cinética, e especialmente liberdade organizada entre todos os jogadores, seja no jogador que intervém e nos outros 10 jogadores, para que possam simplesmente interagir uns com os outros, com a bola, o tempo, o espaço, superando o oponente e provocando uma conjecturada superioridade.

E a implicação dessa superioridade é simples: visa desorganizar a defesa adversária. E há um paradigma em cima disso. O jogo de localização é muito maior que simplesmente gerar superioridade numérica, tocar a bola, trocar de faixa ou corredor. Também não é uma simples sucessão de passes ou apenas realizações de passes. Ele envolve interações com passes, conduções, enganos, dribles, transportando consigo maiores probabilidades de eliminar adversários com criatividade contextual. Assim realmente vai gerar desequilíbrios vantajosos e dinâmicos.

Tais interações são geradas por uma intencionalidade fulgente, com conteúdos, com uma série de condições estruturais e funcionais, que ditam o jogo de localização, garantindo o momento posterior ou o contínuo do jogo. O local onde estou, para onde vou, onde quero estar, onde devo estar, onde meu companheiro está, para onde vai, se sou beneficiado ou devo beneficiar o companheiro, evidenciam a situação e a posição agindo como uma fluidez unitária, uma transcendência funcional que se ordena organizadamente e espontaneamente desordena o adversário através do contínuo do jogo, por meio da transformação dos espaços e os ajustamentos naturais dos jogadores.

E, essa forma de jogar, os jogadores devem saber o que fazer e também devem criar o que fazer. Se há um processo de início, progressão e finalização, com referências comuns, como distâncias de relação, escalonamentos, perfilamento corporal, fixações dos adversários, há muitos pormenores que a forma de desenvolvimento do jogo de localização pode enriquecer o jogador e a inteligência da criação liberta. E o interessante também é que a relação entre o estar situado e o estar posicionado por mais próxima que pareça ideal, ao mesmo tempo é imprevisível, já que não existe o ideal, pois muitas interações apenas acontecem e são eficazes para aquele instante. Por isso, saber o que é a essência do grande jogo e sua lógica interna, é imprescindível para o jogo de localização.

Saída em primeiro momento do Barcelona – foto retirada do artigo “A lógica interna e o jogo de localização” de Kevin Vidaña
Saída em primeiro momento do Barcelona| Reprodução: foto retirada do artigo “A lógica interna e o jogo de localização” de Kevin Vidaña

 

Para o treinador espanhol, Oscar Cano, profundo entendedor do jogo de localização, “todas as interações com bola, seja em condução, passe ou drible, fazem-se para atrair o adversário. Uma temporização de 2,3 segundos prendendo a bola às vezes deixa a priori o adversário organizando, mas libera alguém livre para ser um futuro receptor. É uma referência contínua para desajustar e separar o rival e que o rival libere espaços para a equipe progredir, receber atrás das linhas de pressão e quebrar linhas com rupturas curtas e longas pelos desajustes conseguidos. Perceber onde os companheiros estão e suas repercussões, atendendo aos movimentos, as fixações, como vão movendo a defesa para buscar o companheiro melhor condicionado, viajando todos juntos, toda equipe, formando um bloco ofensivo, gerando superioridade, é o segredo dessa forma de enxergar o jogo”.

Então não se trata de posicionar para apenas gerar uma suposta superioridade estática em alguma região do campo, ou seja, não se trata posicionar por posicionar, da mesma forma que não se trata de passar a bola por passar, de movimentar excessivamente por movimentar; trata-se de estar bem localizado, e estar bem localizado é estar no momento e no timing certo dentro do espaço, no tempo certo sem estar cedo demais ou atrasado. É dar um sentido para todos os movimentos sem mecanizar, pois ao mecanizar supostas vantagens e espaços, pode-se tirar a essência coordenativa das interações naturais que fluem dentro das transformações dos espaços onde a vantagem realmente ocorre em cima do oponente.

E falar de interações naturais mais proveitosas pode ser uma “anti-tese”, pois a natureza não entende de interesses e aproveitamentos, desconhece a concepção “eu”, desconhece o significado de “utilidade”. Como saber o que é verdadeiramente útil ao jogo?

Por isso, a chave do jogo de localização é simples: conhecer a lógica interna do jogo, a natureza do jogo, estar bem situado e estar bem posicionado no timing certo, fazendo a bola mover-se de diferentes formas para novas localizações evitando o uso excessivo de movimentos mecanizados, especialmente de aproximação e apoio, reconhecendo a verdadeira hora de aproximar, afastar, parar, correr, frear e acelerar. Isso vai proporcionar aos jogadores relações para que identifiquem o manejo individual do tempo, espaço e da velocidade para cada instante. Isso fará com que cada jogador se conheça melhor e conheça melhor seu companheiro, o que vai fazer o jogo ficar singularmente coletivo e transcender a visão da troca excessiva de 650 passes curtos por jogo ou usar a posse de bola para apenas passar a bola.

Abraços a todos e até a próxima quarta!