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Respeitar a individualidade do jogador

Como treinador há 12 anos, cada vez mais, passo por experiências que fortalecem uma tese: nos 90 minutos, dentro do jogo, temos uma parcela mínima de atuação, ao mesmo tempo, podemos prejudicar e muito o andamento individual dos jogadores com demasiadas intervenções; também no processo semanal de treino, dependendo do que fazemos, podemos perder muitos talentos.

Claro, temos um papel decisivo nas escolhas globais e na forma como organizamos a equipe. O problema crucial é não se despir do ego de ser treinador, de realizar algumas intervenções marqueteiras e negligenciar que o jogo é dos jogadores na hora que a bola rola.

E isso tudo cria um paradigma que cada vez mais assola meus pensamentos: o que realizamos diariamente vêm diminuindo a capacidade individual do jogador?

A vida moderna do treinador, o acesso a muita informação vaga, os modismos, e especialmente a vaidade intrínseca a profissão, direcionou-me para essa pergunta acima, já que atualmente o protagonismo em cima do treinador está gigantesco, sobrenatural. O treinador tem se sentido onipotente. Mas poucos enxergam que isso arrasta algumas mazelas que afeta especialmente a dimensão individual do jogador.

E a dimensão individual nada mais é que a descoberta do jogador com seu próprio talento e a observação do treinador para desenvolver esse talento. Essa interação vai um pouco de encontro com as ideias de Ken Robinson em seu livro “O elemento”, onde afirma que “esse talento parte de uma cadeia de quatro elementos desenvolvidos de forma interdependente: capacidade natural, paixão, atitude e contexto”.

O jogador com sua capacidade natural, se primeiramente estiver inserido em um contexto adequado, cercado de pessoas pacienciosas, que querem desenvolver essa capacidade, com o passar dos dias vai reconhecendo sua potencialidade, o que tem de melhor, o que faz bem e com naturalidade. Essa identificação vai desenvolvendo cada dia seu talento de jogo. Isso criará também uma paixão pelo jogo e um compromisso com seu talento e automaticamente com a equipe. Também criará um espírito de atitude que o fará ter um compromisso individual para desenvolver outras capacidades. Ou seja, o jogador começa conhecer sem perceber cada vez mais sua individualidade.

Mas o problema atual, é que a capacidade individual de cada jogador, muitas vezes é suplantada pelo ego do treinador, em querer ganhar a qualquer custo, achar que o jogo se fabrica apenas por ele, por suas ideias ou por uma poção mágica de jogo.

A valorização excessiva da atuação do treinador, especialmente no sentido exacerbado de criar uma forma de jogar sem olhar para a capacidade natural dos jogadores, cria argumentos incongruentes e disparatados com a verdadeira atuação. Sobretudo na formação, devemos ter muito claro que precisamos ajudar os jogadores a ampliarem seus talentos.

Como treinadores, carregamos uma mochila de aprendizagem enxergando cada jogador com suas peculiaridades. Por isso, reforço que nosso papel não é tentar fazer os jogadores virarem reflexos do que pensamos ou ordenamos, mas sim que se desenvolvam individualmente e que lutem por sua autonomia.

Agora, se quisermos que os jogadores sejam fabricados como séries de produtos enlatados, convencidos que a uniformidade e o perfil único de atleta resolverão todos os problemas, acabamos tirando o brilho natural e o conteúdo individual que cada jogador arrasta consigo.

É conveniente que os treinadores saibam que qualquer tarefa feita, que qualquer atitude estranha, arrastará sequelas positivas ou negativas nesse desenvolvimento individual do jogador. Por isso, muitas ideias, muitas frases prontas que parecem modernas podem ser limitadoras e outras mais simples podem ser libertadoras.

O treinador da seleção argentina de voleibol, Julio Velasco, fala “que o prazer do treinador há de ser o prazer de um artesão, não o de um industrial. Somos artesãos do ensino e da formação do desportista. O treinador deve ser feliz com o progresso do esportista, não com o objetivo final que se consiga. Deve ser feliz pelo processo e não pela vitória. Isso deve encher de satisfação. O primeiro prazer é ver crescer os jogadores. E o segundo é a vitória que se obtém com esses jogadores”.

Abraços e até a próxima quarta!