Penúltimo colocado, o São Paulo já bateu nesta temporada o recorde de rodadas na zona de rebaixamento em Campeonatos Brasileiros disputados no sistema de pontos corridos. Foram apenas 24 pontos somados em 23 rodadas, com seis vitórias, seis empates e 11 derrotas, além da segunda defesa mais vazada do certame nacional (35 gols sofridos). A crise é profunda, permeia diversos setores do clube e oferece cada vez menos perspectiva de recuperação em curto prazo. Mas se é difícil melhorar a situação, dois jogadores mostraram no último fim de semana que erros no processo de comunicação podem aumentar – e muito – o buraco em que o clube se enfiou.
A celeuma começou, na verdade, na quinta-feira (07). Zagueiro revelado pelo clube, Rodrigo Caio deu entrevista coletiva e foi questionado sobre a queda de desempenho do meia peruano Cueva, dono da camisa 10. Respondeu com elogios ao companheiro, ressaltou sua capacidade técnica, mas lembrou que o futebol moderno não admite times que tenham jogadores menos participativos. Encerrou a tese com a frase que marcou a conversa com jornalistas: “Ele precisa se ajudar”.
No sábado (09), Cueva foi reserva do São Paulo que empatou por 2 a 2 com a Ponte Preta no Morumbi e perdeu uma chance de deixar momentaneamente a zona de descenso. Entrou no segundo tempo e participou pouco do duelo, mas foi interpelado por jornalistas assim que passou pela zona mista do estádio. Cenho fechado, respondeu apenas um “fala com o Rodrigo Caio”.
Discutir quem tem razão é uma boa dose de oportunismo, ainda que a crítica de Rodrigo Caio coubesse mais em um ambiente fechado. Entre um e outro, o melhor comentário partiu do meio-campista Hernanes, autor de sete gols em sete jogos desde que voltou ao São Paulo. O jogador tem sido a grande referência técnica da equipe nesta temporada, mas também se destaca pelo comportamento. Questionado sobre a crise de relacionamento, tentou colocar panos quentes: “Um bateu, outro apanhou: é um empate”.
Desentendimentos e diferenças de perspectiva entre atletas são comuns, assim como acontece em qualquer ambiente profissional. Qualquer um que já tenha vivenciado o dia a dia de uma empresa, independentemente da proporção do negócio, tem histórias a contar sobre pessoas que não se davam bem ou erros internos de avaliação.
Há dois aspectos a serem considerados na discussão Cueva/Rodrigo Caio, portanto: 1) como a sociedade se sente confortável para exigir de jogadores de futebol um comportamento que não consegue impor nem para si e 2) como os jogadores do São Paulo, a despeito de conviverem há anos com essa patrulha, agiram de uma forma que contribuiu sobremaneira para a pressão externa. Graças às frases de um e de outro, criou-se no clube uma agenda sobre o comportamento do elenco. A situação chegou a ponto de dirigentes terem comparecido ao treino de segunda-feira (11) a fim de discutir com atletas o que tem acontecido com o ambiente tricolor.
O principal legado da discussão entre Rodrigo Caio e Cueva, portanto, é que o São Paulo passou a conviver com pressões externas para que a roupa suja fosse lavada. Isso expôs uma cobrança irreal que existe sobre jogadores de futebol e também mostrou como um simples problema de comunicação pode colocar todo um trabalho em direção errada.
É nesse sentido que a discussão sobre o que aconteceu no São Paulo remete a um episódio protagonizado por jornalistas do canal fechado Sportv. Tudo começou quando Tim Vickery, britânico que é comentarista habitual da emissora, criticou a relação de profissionais de imprensa no país com jogadores de futebol. Segundo ele, existe um fator social que fomenta alguma dose de desrespeito da mídia com os atletas, algo que não existia na Premier League até bem pouco tempo e que tem começado a surgir também por lá.
Quando formulou o raciocínio, Vickery usou um bordão do narrador Daniel Pereira, que costuma dizer algo como “presta atenção no serviço”, como exemplo de profissional de imprensa que se sente habilitado a cobrar publicamente o jogador de futebol. O locutor respondeu na rede social Twitter, disse que não passa de uma brincadeira e lembrou que também usa a expressão quando comete erros. Luiz Ademar, comentarista que também trabalha na casa, respondeu a essa postagem lamentando o tom usado por Vickery e as críticas recorrentes que ele faz, na visão do companheiro, sobre o conteúdo produzido pelo canal.
Existe uma patrulha exacerbada sobre comportamento de atletas e o ambiente que se cria em cada time, evidentemente. Existe uma falta de critério em análises comportamentais, com exigências que muitas vezes não são compatíveis com outros segmentos. A natureza dessa diferença pode ser algum tipo de preconceito, mas também é possível que contenha enorme dificuldade para assimilar algo além do lugar comum.
O São Paulo precisa de ajuda, mas essa ajuda não precisa ser necessariamente voltada a dirimir problemas entre os atletas. Em vez de discutir se os funcionários se gostam ou o que um diz sobre o outro publicamente, o clube deveria se preocupar com problemas como a montagem do elenco, a diretoria perdida, as comissões técnicas que pouco acrescentam e a possibilidade cada vez mais real de queda à Série B do Campeonato Brasileiro. Diante de um cenário de tantos problemas, preocupar-se com o que acontece entre duas peças da engrenagem é bem menor do que entender por que essas mesmas peças têm rendido aquém do esperado. A análise sobre o caso também poderia ser bem mais prolífica se considerasse esses aspectos.
Você pode dar razão a Rodrigo Caio, a Cueva ou a ambos, mas uma coisa é indiscutível: o São Paulo perde com essa história, e não porque dois de seus jogadores têm uma rusga. Ah, tem outra coisa indiscutível: não é apenas o clube que perde quando a imprensa se sente no direito de patrulhar. Há erros de comunicação de todos os lados, mas a discussão mais relevante do episódio é o quanto podemos ser bedéis de nós mesmos.