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As consequências da pressão

O 1˚ desafio no jogo e na equipe de futebol é de organização, é de “tática”. E quando falo de tática, falo de coletivo, falo de equipe. O futebol é um jogo coletivo, uma afirmação que insistimos em “esquecer”. A prática desse esporte é coletiva. Mas, por hora, ficamos tão abismados com as repostas que alguns jogadores dão em campo que logo pensamos que a solução está no individual, na “criatividade do jogador brasileiro”. Que individualmente podemos resolver toda e qualquer adversidade que o jogo oferece. “Com vontade e técnica, nossos problemas estarão resolvidos”. É preciso parar para pensar. É preciso parar para pensar, de forma idêntica, em alguns jargões que se usam e nem sempre se conhecem os seus verdadeiros sentidos/significados e os efeitos que eles trazem, ou podem trazer. Não pretendo aqui ter o atrevimento de “saber qual o significado” ou o resultado desse tipo de pensamento com exatidão. Porém, ambiciono levantar algumas reflexões sobre aquilo que observo acontecer em algumas partidas e/ou equipes.

“A melhor defesa é o ataque” . Sempre escutei essa frase com o sentido de atacar sempre o adversário. Mas e quando não temos a bola? Sempre pensei que seria para pressionar e tentar recuperar, constantemente, em qualquer ponto e a qualquer custo, a bola. Contudo, com alguns anos de prática e observação, fazendo frequentemente reflexões e anotações (principalmente para ter uma comparação e um estudo a longo prazo, anos…), ou seja, pensando muito sobre isso, percebo que a frase mais apropriada seria: “A melhor forma de não defender bem, é atacando”. No sentido de “não saber defender bem”. Quando não se sabe defender bem, se ataca (com ou sem bola). Defender bem no sentido de demonstrar que sabe defender, que domina este momento da partida. Que a equipe está preparada para não ter a bola. Não quero entrar aqui nas formas de defender (zonal, individual, etc.), mas defender bem seria gerenciar o espaço que o adversário pretende/pode usar. No momento que o adversário tem a posse e o controle dela (estando apta a circular a bola no campo ofensivo) a equipe que está defendendo sabe evitar a progressão do adversário/bola no campo (espaço) e saber proteger (o quanto antes) a sua meta.

Como citado anteriormente, o jargão “A melhor defesa é o ataque” me remete ao pressing/pressão alta constante quando não se tem a bola. Só para constar, penso que a diferença entre “pressing” e “pressão” está na forma que eles são feitos, coletiva ou individualmente, respectivamente. O comportamento de sempre tentar recuperar a bola traz, de maneira geral, dois possíveis resultados: conseguir mais vezes ter a posse de bola; estar mais propenso a vulnerabilidade de progressão do adversário. Ao meu ver, quando o jogador sai da posição para pressionar gera um espaço na sua estrutura defensiva, e se isso não for muito bem concatenado com os outros jogadores dessa estrutura, tende a se criar uma situação de vulnerabilidade defensiva para a equipe. Claro que pode-se pressionar com eficácia tanto individual como coletivamente, mas para isso, precisa-se saber muito bem o que se está fazendo e, principalmente, pensar o pressing/pressão como parte de um “todo” maior e mais complexo. Onde todos os momentos do jogo estão ligados de forma única.  Onde não há separação, uma coisa faz parte do outro a tal ponto que separá-las seria o primeiro passo para sua ruína. O jogo é um sistema dinâmico causalidade não linear (Júlio Garganta).

Claro que essa é uma conclusão estritamente própria. Minha para com as minhas convicções. Uma estratégia, excelente diga-se de antemão, para “mascarar” as dificuldades que os problemas que o momento defensivo traz para a equipe e para o treinador, é ter um comportamento agressivo com e sem bola. Assim, teoricamente, teria mais volume de ataque e estaria pressionando mais quando o adversário estivesse com a bola. Reparem que ambos os comportamentos, a ligação com o individual está muito mais “forte” do que com relação ao coletivo. Aliás, pensar individualmente é mais fácil que pensar coletivamente. E ai que se engana quem pensa que o treinador deve ensinar os jogadores a jogarem futebol. O treinador, e aqui falo treinador como qualquer membro da comissão técnica, não somente o técnico, deve ensinar os jogadores a jogarem como equipe, de forma coletiva. Estimular os jogadores, trazendo a tona o potencial de cada um para o bem do coletivo. Conseguindo, ao mesmo tempo, o crescimento individual e coletivo, um alavancando o outro.

O sintoma mais evidente da ignorância, é o atrevimento. E, culturalmente falando, somos um país de atrevidos. Ocasionalmente mesmo não sabendo fazer muito bem, fala-se que sabe pois acha-se que sabe. E “a melhor defesa é o ataque”  passa muito por isso. Atacar no sentido de ser a “melhor” estratégia possível, às vezes, sendo e pensando como se fosse a única. Ao meu ver seria como “colocar a sujeira para debaixo do tapete”. Evidente que o ataque rápido e a transição são situações/problemas inerentes ao jogo e precisamos saber o que fazer nestes casos. Como, também, podem fazer parte de forma essencial, na concepção de jogo do treinador ou na filosofia de jogo do clube. Todavia, não podemos simplesmente negar a existência e os problemas que outros momentos da partida causam para a organização da equipe e do jogo. Caso contrário, a organização da equipe fica frágil e facilmente abalável. Oscilando ao longo do jogo e a cada jogo.