Morreu Marielle Franco, a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, e essa morte diz muito sobre o nosso tempo. Foi um daqueles episódios extremamente significativos, marcantes, que sinalizam uma série de coisas – e se você acha que “o cadáver não é diferente de um cadáver comum”, por favor, acho melhor parar por aqui. O assassinato não tem nada de ordinário, sobretudo pelas circunstâncias que o envolvem, e entre as muitas discussões possíveis está justamente o discurso de ódio como ferramenta de comunicação.
A morte de Marielle está diretamente ligada ao extremismo, à solução que ignora limites éticos ou morais, ao uso da violência como resposta quando a comunicação não funciona, à necessidade de ter um tom superior ao do receptor; é a mensagem imposta, virulenta, cujo fim ignora totalmente os meios; é a versão mais extrema do “bateu, levou” e dos direitos cerceados.
Agora transponha isso para o futebol. Em quantos episódios você já viu um jogador, treinador, dirigente ou torcedor responder de forma violenta a um erro ou mesmo a uma ação proposital de um rival? Em quantas dessas situações a reação apenas aumentou o tom da celeuma e criou um confronto ainda maior / mais denso? Em quais episódios isso realmente funcionou e encerrou o assunto?
Poucos, para ser bem complacente. Em geral, vale a regra tácita dos conflitos entre torcedores organizados: nós reagimos e armamos algo contra vocês porque vocês fizeram algo a alguém que é importante para nós. Nós pensamos e agimos com sangue frio porque nos consideramos vítimas de um primeiro ataque. Essa espiral de violência cria uma onda de vitimismo e de atos cada vez mais drásticos. Se alguém morre, respondemos com mais mortes; se há vingança, respondemos com mais vingança.
Por isso, eventos como o que aconteceu na semana passada são fundamentais como marcos. São oportunidades para que clubes e federações se posicionem de forma assertiva e mostrem o que pensam ou os valores que perpassam a construção de suas marcas. Pior do que uma instituição que adota posicionamentos anacrônicos, é uma entidade que não se posiciona.
Também é essa a explicação de ter sido tão significativa a ação de policiais militares de Belo Horizonte e Porto Alegre. Segundo relatos de torcedores, em jogos de Estaduais nas duas cidades os oficiais retiraram faixas que falavam sobre Marielle. Em ambos, a explicação foi algo como coibir manifestações políticas. Quem faz isso ignora o contexto ou simplesmente não entende o quanto o que aconteceu é maior do que disputas partidárias / eleitorais.
A necessidade de um posicionamento em episódios assim também atinge os atletas enquanto formadores de opinião. O assassinato poderia ser estopim para revoltas, críticas, protestos e eventos organizados para realmente afetar a estrutura do esporte nacional. Isso deveria ser sentido em outros âmbitos, discutido por outros públicos.
Neymar – quem diria? – foi um exemplo positivo no caso. Ao contrário da infeliz homenagem ao físico Stephen Hawking, o atacante acertou em tom e conteúdo ao falar sobre Marielle. Foi conciso, mas agiu como em raros momentos.
O triste evento do Rio de Janeiro mostrou a enorme necessidade que a população brasileira tem de se posicionar e de lutar por direitos que vão muito além da simples justiça – ainda mais a justiça no sentido de “olho por olho, dente por dente”. O futebol tem chance de fazer parte desse processo, até pelo grau de influência que a modalidade tem na sociedade local.
Ou então é possível que todos fiquem parados, anestesiados, vendo a caravana passar como fazem nas discussões sobre o futuro da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Num período em que a sociedade clama por mudanças, que tipo de postura você espera do seu clube ou do seu ídolo?
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