Bem-vindos ao nosso “Entre o Direito e o Esporte”. Nessa segunda sexta-feira de setembro nós vamos continuar a nossa conversa sobre o que a gente acha “Entre o Direito e o Mercado”. Ou seja, vamos dar uma olhada com mais calma no começo dos tais dos “direitos econômicos” na transferência de um jogador profissional de futebol. Um terceiro que não o seu clube e nem o jogador do seu time. Um terceiro que “compra” uma fatia dessa pizza que é a ida de um jogador do seu clube daqui para outro time – ainda mais de lá de fora.
E, para fazer que nem João e Maria, deixo aqui os pedaços de pão para a nossa coluna de hoje: vamos começar com a ideia de “estabilidade contratual vs. transferência”, ou seja, por que importa se um jogador sai do seu clube antes do fim do contrato? Depois vamos dar uma olhada na “realidade local: endividamento vs. necessidade de caixa”, em outras palavras, como estão os nossos clubes por aqui? Aí então vamos conversar sobre a ideia de “oportunidade de negócio: direitos econômicos como TPO”, ou para que isso importa(va) para o mercado?
Bora lá?
“O meu time vendeu aquele reserva por EUR 3m, boa!”. Bom, antes de começar… transferiu e não vendeu, por favor! Aqui a regra geral é tranquila: o contrato é feito para ser cumprido – a questão que fica é o “até quando?”. Imagina que o seutime trouxe para o profissional um craque que era da base, um craque da base que era “problema”, um “problema” que era uma joia bruta. Essa joia bruta tinha 3 anos de contrato, não vingava e o seutime transferiu o menino em troca de 3 milhões de euros. E aí?
O atleta profissional de futebol masculino no Brasil, em geral, só é liberado para outro time quando o contrato de trabalho (CEDT) dele com o seu time acaba ou se o seu clube e o jogador entrarem em um acordo. Com base nessa ideia de “mútuo acordo”, e aqui por exigência legislativa, pode ter o que a gente chama de “pré-fixação de valor de liberação prévio” que é o long para “cláusula indenizatória desportiva” (antiga “cláusula penal” que veio quando acabou o “passe”).
“Tá, mas e eu com isso?”. Lembra que o jogador saiu por EUR 3m do seu time? Então, isso foi um “mútuo acordo” e pode ter sido o pagamento dessa “cláusula indenizatória desportiva” (se for o pagamento da “multa contratual”) ou um “meio termo” que os dois clubes concordaram (o que é mais comum para quem não é “Diferente”, como diz o influencer jurídico-desportivo). Seja como for, o artigo 18 do Regulamento sobre o registro e a transferência de jogadores da FIFA diz que nesse contrato deve ter o nome do intermediário que está envolvido na negociação.
“Beleza… mas a gente já conversou um pouco sobre isso antes. Né, não?”. A resposta simples é: sim. Só que a gente ainda não parou para ver como isso aparece no mercado do nosso futebol! E, pois é, o direito entra aí como parte do nosso dia a dia que fica entre o “endividamento dos clubes” e a “necessidade de caixa”. Imagina que o seu clube tem uma dívida “monstro”. Imagina que o seu clube tem um monte de jogador “até que bom”. Imagina… o que o seu clube faz? Isso, “transfere os meninos todos” para fazer o caixa girar.
Essa nossa realidade tem dois fatores essenciais para que a gente pense no mercado do nosso futebol. E a nossa primeira parada é o histórico endividamento por parte dos clubes brasileiros, como a gente pode ver na série de Análise Econômico-Financeira dos Clubes Brasileiros de Futebol realizada pelo Itaú BBA. Segue o exemplo da publicada em 2017:
Essa dívida que continua “subindo menos rápido” vai parar no dia a dia do seu clube com “menos dinheiro em caixa” e maiores dificuldades para “conseguir” esse dinheiro na hora em que precisa. Pensa em um amigo seu. Esse seu amigo quer comprar um carro. Esse seu amigo precisa de um empréstimo para comprar esse carro. Esse seu amigo já tem uma dívida com parcela em atraso (esqueceu de pagar o último mês) no banco. O banco vai cobrar juros “mais baixo” ou “mais alto” que o normal? Isso, mais alto! E aí um empréstimo de R$ 40k que custaria R$ 60k para pagar em 2 anos vai custar R$ 75k. Isso pode virar uma bola de neve sem gestão financeira… o que, por diversos motivos, aparentemente aconteceu no futebol brasileiro.
E, assim, um dos “jeitinhos” de fazer caixa dos nossos clubes foi o que…? Isso mesmo! Transferir os jogadores do seu time antes do contrato de cada um deles terminar. Ou seja, chegar em um “mútuo acordo” (pré-fixado ou não) com outro clube para que aquele atleta vá para a… outra equipe. E, como a gente vê nessa série histórica aí de cima, é mais comum do que a gente pensa:
Essa nossa realidade de fazer caixa com transferência para cobrir o dia a dia do clube levou até a Receita Federal a “penhorar” (pegar antes do tempo com um processo judicial) os valores de transferências (futuras) de atletas de futebol – e isso já no início da década. Agora, se isso era uma prática tão comum do nosso futebol… será que não tinha um mercado para isso?
Pois é, tudo é uma “oportunidade de negócio” – só depende do ponto de vista. E o futebol brasileiro não “escapou” dessa regra geral quando a gente pensa na transferência de jogadores profissionais de futebol. Imagina que o seu clube tem essa “dívida monstro”. Imagina que o seu clube precisa “fazer caixa” agora para trazer uma estrela para o ano que vem – ou manter a estrelinha. Imagina que o seu clube vai precisar pagar juros de 331% ao ano (um empréstimo de BRL 1m vira mais de R$ 4 milhões em 12 meses!) para pegar esse dinheiro com um banco. E aí?
Essa realidade entre o “endividamento” e a “necessidade de caixa imediato” dos clubes brasileiros criou uma oportunidade de investimento (será?) para quem se interessasse em agir na “bolsa (informal) de valores do futebol brasileiro” que era o nosso mercado de transferência (onde surge “um Neymar por janela”). Aliás, é quase como a antiga “BM&F”… começou com uma “bolsa de mercadorias” (e dói dizer isso) e virou uma “bolsa de mercadorias e futuros”.
“Oi, pera, como?”. Isso mesmo! Que nem a gente faz com soja na B3, por exemplo. Resumindo e muito tudo isso: é onde o investidor busca uma commodity (como boi gordo, café e soja) antes dela “estar pronta” e revende depois – indo desde uma simples compra de “futuro de soja com liquidação financeira”, passando pelas “opções” do mercado, e chegando até em “operações estruturadas” complexas. Tudo isso tinha (ou tem?) no nosso futebol.
“Me dá um exemplo?”. Opa… imagina que estamos em setembro. Imagina que o seu time está lutando contra o rebaixamento. Imagina que o salário está 2 meses atrasado. Isso está afetando (é claro) o objetivo do seu clube (e a vida de um monte de gente). O seu clube não quer pagar tanto assim para um banco… aliás, o seu time não quer é pagar nada (não tem dinheiro mesmo, né?). O que faz? Sabe aquele agente (intermediário) amigo? Então! Negocia com ele 30% do que receber na transferência daquele jogador (que ele já agencia) em troca de “caixa para pagar salário do time” – se o intermediário vai repassar esses 30% para outra pessoa aí é “problema dele”, ao menos quando o seu clube pensa nessa hora.
Quer outro? Imagina que é novembro. Imagina que o jogador do seu time quer uma casa de praia para passar o ano novo. Imagina que ele é muito bom,mas ainda vai jogar a Copinha em janeiro. Detalhe: quando ele for jogar por outro time vai receber 20% do valor recebido pelo seu clube pela transferência. E aí… compra, pega emprestado, ou troca? Isso, troca com o próprio intermediário 15% por um apartamento no Guarujá (péssimo negócio hoje em dia).
“Entendi, e tudo isso pode?”. Lembra, hoje falei do que podiaquando a vida era mais simples e só tinha o artigo 18 do RSTP/FIFA – e não existia nem o 18bis que vamos ver semana que vem, e nem o 18tre da outra semana. Então lá atrás foi assim que começou toda a história do “jogador pizza” e das “fatias de terceiros” na transferência de um jogador daqui para lá– terceiros que não um clube ou o próprio jogador.
“Tá… volta um pouco. Você acabou de comparar um jogador com… soja?! É isso mesmo?”. Não amigo, não é isso. Imagina que você queria comprar uma casa. Imagina que você pegou um empréstimo no banco para comprar essa casa. Imagina que você tem uma dívida com esse banco para comprar essa casa. O banco é dono de você ou da sua dívida?
Agora imagina que os juros desse banco não eram lá tão “bons” quanto você gostaria. Você foi em outro banco. Esse outro banco te ofereceu juros “melhores”. E você optou pela tal da portabilidade e viu a sua dívida transferida de um banco para outro. Essa é uma modalidade de investimento (pasme) por parte dos bancos, ou seja, é uma escolha de investimento quando um banco “compra” (portabilidade) a sua dívida de outro banco. E, de novo, eu te pergunto… o banco é dono de você ou da sua dívida?
No futebol, a regra geral era a mesma. Assim como o banco não é dono de você, mas é da sua dívida. Aqui o “investidor” não é dono do jogador, mas é do valor da transferência. Já que “comprou” esse “recebível” (os tais dos “direitos econômicos”) de alguém como um “investimento” (de alto risco, com certeza). O atleta continua com o seu time, assim como a soja continua no chão da terra do agricultor enquanto isso.
E é assim que o direito desportivo aparece no que a gente acha entre o clube e o mercado. A “venda e compra” de direitos econômicos é diferente da transferência dos “direitos federativos” de um jogador. E, mais, é (era?) um jeito do seu clube fazer caixa e “manter o nível”. Pode ser até que não fosse a maneira ideal, mas era um jeito. E foi assim que começou a “era da pizza” no nosso futebol.
Por hoje é isso, um ótimo final de semana a todos! E convido vocês a ficar comigo no “Entre o Direito e o Esporte” nesse setembro. Semana que vem vamos continuar a nossa conversa sobre aquele tal do “jogador pizza”, focando no artigo 18bis do RSTP/FIFA – “influência de terceiros em um clube”. Combinado? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Obrigado e até semana que vem!
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