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O que a Libertadores vende?

Disputada no último domingo (09), em Madri, a decisão da Copa Libertadores de 2018 foi um bom resumo de muitas das características positivas e negativas do principal torneio de clubes do futebol sul-americano. É difícil imaginar que isso aconteça, mas um olhar para todo o contexto do jogo em que o River Plate superou o Boca Juniors seria extremamente relevante para entender o que pode e o que precisa ser feito no continente. O momento seria ideal para uma autoanálise.
A decisão da Libertadores, afinal, foi disputada na Espanha depois de o ônibus que levava jogadores do Boca para a partida final ter sido apedrejado por torcedores do River. Não havia condições de realizar o jogo na Argentina e garantir a segurança dos atletas, o que é uma vergonha. Não houve uma punição condizente com um episódio dessa magnitude, o que é outra vergonha.
O River que chegou à decisão, aliás, disputou sete partidas da edição 2018 da Libertadores com um jogador em condição irregular. A situação foi notificada pela Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) em seu site, acompanhada de um aviso de que não haveria punição porque não houve denúncia em tempo hábil. Se existia possibilidade de o erro ser percebido por um rival, o texto encerrou. Depois, na mesma Libertadores, o técnico do River, Marcelo Gallardo, ignorou punição da Conmebol e foi ao vestiário orientar jogadores.
A Libertadores de 2018, portanto, coroou um time que usou um jogador irregular, comandado por um técnico que trabalhou a despeito de estar suspenso, cuja torcida atacou jogadores rivais – o regulamento não é claro quanto a isso, mas admitiria sanções como a suspensão da partida final. Se a Conmebol fosse dura, poderia ter dado o título ao Boca Juniors e aplicado uma punição exemplar ao River.
Em vez de punir o River Plate, a Conmebol escolheu lucrar. A ida da decisão a Madri tem a ver com motivos mercadológicos – era fundamental encontrar um local que bancasse a conta, o que alijou praticamente todas as possibilidades de manter a partida na América do Sul. Depois de flertar com Miami (Estados Unidos) e Doha (Qatar), a entidade que comanda o futebol no continente fez a escolha mais irônica. Chamada Libertadores para homenagear os heróis da independência das antigas colônias espanholas na América do Sul, a competição acabou sendo disputada na Espanha.
O jogo despertou interesse local, foi assunto na mídia espanhola e lotou as arquibancadas do estádio Santiago Bernabéu. Além disso, atraiu personalidades como o argentino Lionel Messi, que defende o Barcelona e esteve em um dos camarotes. Tudo isso num ambiente com “cara” de futebol sul-americano, com torcidas inflamadas muita vibração.
Em campo, porém, chamou atenção, sobretudo no primeiro tempo, o alto número de passes errados. Boca e River fizeram uma partida tensa e tentaram tocar a bola, mas mostraram muito mais competitividade do que proficiência no fundamento. Se sobrou emoção no segundo tempo e na prorrogação, faltaram aspectos como compactação, pressão sobre a bola em setores específicos e capacidade de movimentação entre as linhas dos rivais.
A decisão da Libertadores de 2018 expôs os problemas de gestão do campeonato como um todo, a falta de capacidade de gerir um evento e garantir a segurança dos atletas e o nível técnico. Em contrapartida, mostrou emoção em campo e nas arquibancadas num patamar superior à média dos principais jogos da Europa.
Além disso, a decisão da Libertadores disputada fora da América do Sul serviu apenas a interesses econômicos dos dirigentes sul-americanos e dos responsáveis por levar o jogo a Madri. Os responsáveis pela gestão do futebol no continente souberam transformar um momento de vergonha em uma oportunidade de faturar, mas não passaram nem perto de aproveitar essa chance. Não houve patrocinadores específicos para o mercado espanhol ou um trabalho de comunicação voltado a fortalecer as marcas de Boca, River e Libertadores na Europa, por exemplo. Não houve um projeto que soubesse quais atributos poderiam ser comercializados em âmbito global.
O futebol sul-americano não é o futebol europeu, mas tem muito a oferecer ao Velho Continente. Para isso, porém, é fundamental que os organizadores saibam o que vender e como vender. Mesmo que a oportunidade para isso seja uma das maiores vergonhas da história do esporte.
 

 

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São Paulo sem perspectiva de vitória. E não por acaso

O Campeonato Brasileiro terminou com um gosto amargo para o torcedor do São Paulo. Todo resultado deve ser contextualizado. Um olhar simplista e distante pode considerar de bom tamanho um quinto lugar. Porém, se verificarmos com mais profundidade o que acontece no Morumbi é possível constatar que o Tricolor ainda não está pronto para voltar a vencer.
Um clube é campeão não por acaso. Vários fatores implicam na bola bater na trave e/ou sair ou entrar. Seria fácil apontar, por exemplo, que o São Paulo troca muito de técnico. Oras, o Palmeiras também troca e tem vencido campeonatos. O detalhe, entretanto, é a maneira atabalhoada e sem critério com que os treinadores saem e chegam ao São Paulo e o fato de nenhum profissional conseguir vencer pelo clube. Se no rival palmeirense, Marcelo Oliveira, Cuca e agora Felipão conseguiram ser campeões o último que triunfou no Morumbi foi Muricy Ramalho há mais de dez anos. Será que o problema é treinador ou o que se passa dentro da instituição?
O São Paulo se mostra um clube perdido pela falta de perfil em tudo: treinador, jogador e até de dirigente. Quantos executivos de diferentes personalidades e currículos passaram recentemente pelo Morumbi e quais conseguiram de fato construir algo importante? Desde Raí com sua história de ex-atleta, passando pelo empresário Vinícius Pinotti e pelo estatuário Ataíde Gil Guerreiro, nenhum dominou o ambiente e conduziu o time a conquistas.
Da demissão de Diego Aguirre a efetivação de André Jardine tudo se mostrou muito amador. Jogador de futebol tem sempre um apurado entendimento do contexto que ele está inserido. Não há como esconder de ninguém quando um clube está desorganizado. Está nítido que Jardine não terá respaldo algum. Como nenhum treinador teve nos últimos anos. Sem metodologia, sem avaliação criteriosa, continuará imperando a cultura resultadista: ganhou é bom, perdeu não serve. Não prevejo um 2019 diferente do que foram os últimos anos do São Paulo.
 

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Sobre as tensões da intensidade no futebol

Mladen Krstajic, técnico da Sérvia: seleção que mais correu (em média) durante a Copa do Mundo. Mais intensa? (Divulgação: Yahoo)

 
Leio despretensiosamente o livro Romancista como vocação, de Haruki Murakami, e nele encontro a citação por onde começamos hoje. Aqui, Murakami faz um belo apontamento sobre, veja só, os malefícios da inteligência elevada para um romancista. Muitas vezes, os raciocínios mais amplos e acurados podem ser antagônicos à lógica do romance:

“Porém, penso que as pessoas muito perspicazes ou dotadas de um conhecimento vasto e extraordinário
não são as mais adequadas para escrever romances. Essa atividade – de narrar uma história –
deve ser executada a uma velocidade baixa. A sensação que tenho é de que a velocidade da escrita
é um pouco maior do que a de uma caminhada, mas menor do que a de um passeio de bicicleta.
O funcionamento básico do raciocínio de algumas pessoas é adequado
para essa velocidade, mas o de outras, não.”

Este trecho, confesso, me causou uma impressão bastante particular. Não apenas porque me parece um argumento bastante bom, mas porque me trouxe à lembrança uma ideia que tento desenvolver há tempos, sem sucesso. Basicamente, me incomoda a doutrina, adquirida pelo futebol contemporâneo, da velocidade desenfreada, da rapidez como sinônimo de eficiência, das tomadas de decisão quase que instantâneas – tudo aquilo a que nos habituamos, em geral, a chamar de intensidade.
Posso estar equivocado, mas imagino que o termo intensidade tenha suas raízes fincadas no treinamento. Vejo a intensidade como a irmã gêmea do volume. Para além da quantidade de treino (volume), é preciso atentar para a qualidade (intensidade) dos estímulos, de modo que um treinamento qualquer seja adequado para os objetivos do praticante ou da equipe.
Evidente que, por absoluta incompetência, não pretendo me alongar sob o ponto de vista fisiológico. O que acho particularmente interessante é o empréstimo do termo, porque quando falamos de intensidade associada ao jogo jogado, parece haver uma outra relação, não exatamente próxima da qualidade, mas sim do tempo. Quanto mais rápida são as ações, mais intensas. Relação inversamente proporcional, portanto.
Tudo isso me soa ainda mais curioso quando fazemos, conscientemente ou não, interpretações deste conceito de intensidade a partir dos campeonatos estrangeiros, especialmente da Premier League– que talvez tenha se tornado o grande baluarte da intensidade no futebol contemporâneo. Não raro, há quem diga que assistir a um jogo do Campeonato Brasileiro e outro da PL significa, em linhas gerais, assistir a duas modalidades diferentes, tamanha a diferença. O jogo brasileiro seria lento, monótono, enquanto o jogo inglês (longe de ser apenas inglês, diga-se) seria rápido, quase alucinante. Isto, por si só, não seria um problema, se não trouxesse no pacote uma ideia que soa bastante perniciosa: quanto mais intenso, melhor.
Não, é claro que não. E a consequência prática disso, repare bem, é que aquele empréstimo do termo intensidade parece perder o próprio sentido, porque não mais se aplica nem na sua origem. Se, no treinamento, intensidade remete à qualidade, parece agora que falamos de quantidade, no sentido temporal – quanto menor (o tempo), melhor! Mas, na ânsia de controlarmos o tempo e a suposta intensidade, me parece que perdemos gradativamente a capacidade de mensurar a qualidade do jogo, de senti-lo na sua inteireza, de saboreá-lo, nas acelerações mas também nas pausas, no passe para trás, na paciente circulação da bola. A intensidade não seria, portanto, uma conjunção de quantidade e qualidade, na justa medida?
Ao mesmo tempo, repare como os treinadores e treinadoras que parecem realmente diferentes percebem, com alguma facilidade, que o jogo se traduz em uma série de aparentes contradições. Ataco bem para defender melhor, ataco de um lado para finalizar do outro, goleiros são os primeiros atacantes, centroavantes os primeiros zagueiros, e etc. Neste sentido, também não haveria intensidade na (suposta) lentidão? Por isso, soa bastante salutar a fala de Juanma Lillo, citada no ótimo Pep Guardiola – A Evolução, da Editora Grande Área:

“Se não se usa o tempo para jogar, é difícil que a equipe avance idoneamente para dominar o adversário.
É preciso passar a bola na hora certa, no lugar certo e no momento certo.
Do contrário, quanto antes a bola vai, antes ela volta, mas com um acréscimo:
ao ir, a bola vai sozinha; porém, quando volta, tem o costume de retornar com eles, os rivais…”

É deste tempo que falamos! Não do tempo curto, mais fast que food, mas de um tempo outro, entre o caminhar e a bicicleta, um tempo ótimo: passar a bola na hora, no lugar e, especialmente, no momento certo. Não se trata de uma velocidade desenfreada que parece, em alguma medida, reproduzir uma certa ansiedade epidêmica, que também se expressa no futebol, mas se trata de saborear a posse, as acelerações e pausas, desde que elas exprimam uma ideia, uma intenção coletiva. Intensidade, afinal, vem do verbo intendere, tornar reto, tornar firme, esticar. Mas na medida exata.
De modo que estar tenso não é exatamente difícil.
In-tenso, por sua vez, parece um desafio mais elaborado.
 

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Tempo DE Campeão: Palmeiras

Palmas para a Sociedade Esportiva Palmeiras, 10 vezes campeã brasileira de futebol. Título incontestável. Bom trabalho sendo conduzido dentro e fora de campo. Pelo que se sabe e o que parece, está blindado de polêmicas, especulações e declarações duvidosas, características corriqueiras de outros tempos em que o clube era um vulcão prestes a entrar em erupção. Em outras palavras, há um trabalho bastante entrosado entre atletas, comissão técnica, gestores e demais colaboradores do clube.

Característica fundamental para um bom ambiente de trabalho. Bom ambiente de trabalho naturalmente leva a uma maior produtividade das pessoas. O bom ambiente, somado à produtividade, naturalmente conduzem aos bons resultados. A manutenção deles é grande desafio e depende de fatores que, muitas vezes, não estão no controle.

Pois bem, o clube tornou-se o maior campeão do Brasil e está em paz com a torcida. Há quem diga que o patrocinador é o principal responsável por tudo isso. Ledo engano. O Palmeiras possui uma taxa de ocupação bem alta em seu estádio. Ora, os ingressos para o Allianz Parque estão longe de serem baratos. O palmeirense é, entre os torcedores, um dos que mais consomem produtos oficiais do clube. Há sim uma garantia financeira pelo principal anunciante da camisa, mas ao mesmo tempo um trabalho bastante profissional para garantir rendimentos ainda maiores.

Sociedade Esportiva Palmeiras: decacampeã brasileira. (Foto: Itaperuna Gospel FM)

 

Este panorama nos leva a acreditar em um próspero cenário para a gestão do esporte no Brasil, e, em específico, o futebol. Que bom que esta impressão tem acontecido pelo exemplo. Claro que nem tudo são mil maravilhas. As instituições devem ter dezenas, centenas, inúmeros problemas. Palmeiras, Flamengo, Internacional (para citar apenas alguns, os que terminaram esta temporada no topo da tabela) têm sido referências. Bahia, idem.

Portanto, pouco a pouco percebe-se esta tendência. Muito pouco a pouco, mesmo. Ainda há muito para melhorar. O profissionalismo do trabalho das instituições tem mostrado resultado e tem dado o exemplo. Com uma cultura voltada para o mercado, a fim de satisfazer resultados financeiros e esportivos, a tendência agora é de querer melhorar a cada temporada. Oxalá continuem assim.