Nesta terça-feira, esta mesma Universidade do Futebol promoveu um encontro presencial para os alunos do curso Gestão Técnica no Futebol, no Museu do Futebol, em São Paulo. Os encontros já se tornaram tão recorrentes quanto a palavra futebol na oração anterior – e quanto mais falarmos dele, melhor. Este colunista esteve presente ao evento, mas gostaria que a conversa de hoje, por arrastamento, tomasse outro rumo.
Vejamos.
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É bem verdade que as facilidades virtuais permitem, de algum modo, que possamos nos comunicar à distância e em tempo real. Podemos pensar, como já nos advertiram diversos pensadores, sobre os efeitos que tamanho imediatismo causa na nossa percepção do mundo – consequentemente, na nossa percepção sobre futebol -, mas é inegável que essa agilidade permite que nossa comunicação seja simplificada, superando as distâncias de tempo e espaço. Este texto, por exemplo, é fruto da mesma facilidade.
Por outro lado, ainda que se mostrem atalhos úteis, não é possível afirmar que as tecnologias substituam o contato pessoal. O virtual nos traz pedaços, faíscas do humano. A vida vivida, por sua vez, apresenta o humano por inteiro. E é nessa inteireza, nessa riqueza humana do debate, que me detive com alguns dos colegas ontem, durante o dia, no Pacaembu. Ao futebol brasileiro, além do hábito de oxigenar-se (ainda que nossos ares se purifiquem aos poucos), também é preciso cultivar o hábito dos encontros presenciais. Nós precisamos nos reunir e conversar pessoalmente sobre futebol em uma base regular.
Repare que eu disse conversar, não exatamente falar sobre futebol. Por quê? Porque estes espaços, em primeiro lugar, são espaços de escuta. São espaços de abertura e respeito para aqueles que, hoje, nos dão seus ombros – como disse ontem o colega René Simões – de modo que então nossa vista seja privilegiada. Mas, para isso, é preciso repensar profundamente este discurso, cada vez mais arraigado, de irrefletida romantização da modernidade, acompanhada de uma violenta negação do passado, como se o caminho para o futuro precisasse de uma grande borracha imposta sobre o espelho retrovisor. Não conheço um registro sequer de indivíduos, grupos ou sociedades que evoluíram a partir da absoluta indiferença ao que são ou ao que já foram. Com o futebol não seria diferente. Mas será que estamos suficientemente abertos?
Se não, talvez sejamos vítimas deste hábito, comum ao nosso tempo, de encarar os debates como espaços a serem dominados (logo, vencidos). Entrar em uma conversa fechado, estribado, não seria uma ofensa à própria natureza antagônica do debate? Pois foi parte do que vi, nestes últimos dias, nessa discussão sobre as terminologias utilizadas por nós, profissionais da área, que causam desconforto em alguns dos colegas. Veja bem, é claro que outros tempos são acompanhados de outros hábitos e, também, de outras linguagens. Da mesma forma, o refinamento intelectual é importante para quaisquer atividades – idem para o futebol. Mas ainda não consigo enxergar onde está a necessária dose de modéstia nos diagnósticos que fazemos vez por outra. É razoavelmente ingênuo, por exemplo, afirmar que novas terminologias são sinônimos de ‘progresso’ futebolístico. A ideia de linearidade associada ao tempo (como se o seguinte fosse necessariamente melhor do que o anterior) não é em nada ‘moderna’. Pelo contrário, no futebol, onde as relações de causa/efeito, são absolutamente frágeis, exatamente pelo equilíbrio instável inerente ao jogo, a linearidade ganha cada vez menos força. Da mesma forma, como já conversamos em outras oportunidades, é importante ter algum cuidado com a romantização irrefreada do discurso científico, que enxerga a ciência como uma ferramenta inequívoca e universal para a resolução pasteurizada de quaisquer problemas – inclusive os do futebol. Se assim fosse, em primeiro lugar, o estudo já seria dispensável (não é). Em segundo lugar, existem olhares para além da ciência. Será mesmo que a filosofia de um Nietzsche, a literatura de um Shakespeare, de um Machado de Assis ou Nelson Rodrigues, a música que nos toca, a reza que rezamos e a vida vivida, nenhum deles científicos, todos importantes para a humanidade em geral, seriam realmente dispensáveis ao olhar do futebol? Ao invés de afirmar que se sabe, talvez a sabedoria pura resida na postura socrática – saber que não se sabe. A ignorância reconhecida é mais sábia do que a pretensa inteligência.
Daí a importância dos debates presenciais, para dissolver nossas certezas, mediar as contradições. Este sim é um dos caminhos seguros para o progresso (progresso moral!). Não para nos criar em polêmicas cegas, mas para cultivar as raízes de um debate sério que, primordialmente, vá ao encontro de uma determinada agenda. Qual é a grande agenda do futebol brasileiro hoje em dia? Quais são nossos objetivos? – se a resposta for ganhar, talvez estejamos em um caminho estreito e pobre – Qual é o perfil que esperamos dos nossos atletas, treinadores, profissionais em geral, mesmo da imprensa esportiva? O que une o futebol brasileiro e o separa dos outros? Quais os caminhos que queremos para o futuro próximo e distante?
São perguntas que me ocorrem e que, imagino, não ocorrem apenas a mim.
Resta agora debater.