Nos últimos anos, temos visto vários clubes de futebol brasileiros travarem embates com a justiça desportiva.
O mais conhecido deles, talvez aquele que fez com que os clubes dessem maior importância à sua área jurídica, pode ser considerado o caso da reviravolta no rebaixamento para a série B do Campeonato Brasileiro de Futebol, em 2013, protagonizado pelo Fluminense Football Club (“Fluminense”), do Rio de Janeiro, o qual acabou se salvando na via judicial.
Este acontecimento se deveu a um erro da Associação Portuguesa de Desportos (“Portuguesa”), que, por conta de um jogador escalado irregularmente, conforme decidido pela justiça desportiva, perdeu alguns pontos, assumindo assim o lugar do clube carioca na zona de rebaixamento do campeonato.
Ainda no Campeonato Brasileiro de 2013, pode-se revisitar outros casos de relevância, que não tiveram desfechos tão positivos para os requerentes, quando dois clubes brasileiros passaram por punições severas por situações inusitadas.
Ocorre que a Associação Desportiva Recreativa Cultural Icasa (“Icasa”) e o Botafogo Futebol Clube (“Botafogo – PB”) foram excluídos das Séries B e C do Campeonato, respectivamente, por acionarem a Justiça Comum, no lugar da Justiça Desportiva.
O Icasa, motivado justamente pelo fato de Fluminense ter se mantido na série A do Campeonato, conforme mencionado acima, após esgotadas as instâncias na Justiça Desportiva, decidiu recorrer à Justiça Comum, solicitando sua vaga na Série A, alegando a escalação irregular de um jogador do Figueirense Futebol Clube, de forma análoga ao realizado pelo Fluminense, em partida da Série B ocorrida no ano de 2013. Sem sucesso.
Já o Botafogo-PB, teve sua exclusão motivada por ter se valido de uma ação judicial de um vereador para jogar em seu estádio, que fora interditado pelo STJD.
Assim, após os supracitados acontecimentos, um assunto começou a pairar nos programas esportivos e ser amplamente debatido dentre a sociedade civil.
Afinal, os times de futebol podem ou não recorrer à Justiça Comum? Aos conhecedores do direito, a resposta para essa pergunta parece simples: Não. Isso porque a Justiça Comum não tem competência para julgar o mérito das decisões da Justiça Desportiva.
A Federação Internacional de Futebol (“FIFA”), após os acontecimentos mencionados, emitiu uma nota, alertando os clubes brasileiros que não toleraria o uso da Justiça Comum para resolução de questões esportivas.
Nos casos analisados, a instituição considerou as questões discutidas como problema interno, passível de resolução tão somente por autoridades competentes à Confederação Brasileira de Futebol (“CBF”), e, caso se esgotem os recursos na Justiça Desportiva do país, a única via possível a novo recurso seria a Corte Arbitral do Esporte, na Suíça, conforme o Art. 66 do Estatuto da FIFA.
Também no Estatuto da entidade, em seu Art. 68, é prevista a proibição do uso da Justiça Comum para a resolução de conflitos esportivos, podendo esta opção ser aceita somente para casos específicos avaliados e autorizados pela própria FIFA.
Contudo, fato é que podem existir argumentos contrários a tais decisões, como, por exemplo, a ideia de que as mesmas seriam inconstitucionais, eis que seguindo a interpretação do Art. 217 da Constituição Federal, em seu §1º, tem-se a conclusão de que o Estado pode interferir em decisões relativas às competições esportivas.
Ademais, cabe relembrar as várias denúncias de corrupção já ocorridas contra a CBF, algumas sendo provadas, levando, inclusive, ao banimento do futebol, pela FIFA, do ex-presidente da confederação, além do famoso caso da “Máfia do Apito”, em que ocorria a manipulação de resultados no futebol brasileiro.
Tais situações geram uma série de incertezas sobre a índole e funcionamento do órgão máximo do futebol brasileiro.
Por outro lado, permitir que a Justiça Comum interfira no mérito das decisões do tribunal desportivo, poderia ser visto como diminuição e negação dos motivos que levaram à criação de uma legislação própria para o esporte.
Nesse sentido, restou-se cediço que os únicos casos em que a Justiça Comum intervirá em decisões da Justiça Desportiva, serão aqueles considerados extremos, em que as decisões lesem ou ameacem o direito de forma ampla. Neste aspecto, nas palavras do autor Luiz Antônio Grisard: “A Justiça Desportiva é a instância não judiciária, constitucional e legalmente instituída para dirimir os conflitos de interesse que se situem entro de seus limites de competência”.
A chamada Lei Pelé (Lei 9615/98), ainda, cuidou de regrar e enfatizar ainda mais este ponto. Em seu artigo 50, ela afirma que o processo e julgamento das infrações disciplinares das competições devem ser definidos de única e exclusivamente em Códigos de Justiça Desportiva.
Assim, pode-se chegar na conclusão de que, apesar de amplas discussões e polêmicas, o assunto encontra-se bem regrado pela legislação desportiva brasileira e pela legislação da FIFA. E, portanto, resta-se pacificado que a Justiça Comum só poderá intervir em casos de violação ao direito e em casos já avaliados previamente pela FIFA, devendo os casos envolvendo o futebol ser, à priori, encaminhados à Justiça Desportiva.
*Em coautoria com Fábio Gonçalves Soares, membro da equipe societária do escritório Lacerda Diniz e Sena.
*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol