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Fundamentos na leitura de jogo

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

O fim de semana se aproxima, o momento mais aguardado para a prática do futebol se apresenta e a rotina de acompanhamento quase que de forma inconsciente se repete dentro e fora de campo. Testemunhamos o futebol no modo ativo (jogando) ou passivo (assistindo presencialmente e pela mídia) ao mesmo tempo que trocamos informações quase automáticas em campo, na arquibancada ou no conforto de casa (entretidos com as distrações de uma narração aliada a comentários subjetivos).

Mas, afinal, se buscarmos uma orientação consciente, como seria possível ler e interpretar o que de fato acontece ao longo de uma partida nessa modalidade coletiva e de contato, sobretudo no alto rendimento?

Nomenclaturas, terminologias ou preferências à parte, a leitura em um jogo de futebol ainda pode privilegiar uma orientação inicial essencialmente simples, sem saudosismo, antes de discutir análises que destaquem a sua complexidade. Isto porque, independente do país em que o esporte seja observado, os fundamentos da sua prática permanecem os mesmos. E é justamente ao ressaltar conceitos básicos que podemos facilitar interpretações realistas a cada contexto apresentado em campo, seja em uma construção de jogada, em uma repetição de padrões ou em eventualidades que também compõem a dinâmica do jogo.

Partindo pelos fundamentos, toda e qualquer leitura de jogo (ou jogada) demanda consideração a três variáveis essenciais: a bola, o tempo e o espaço.

A bola, sendo o principal instrumento do jogo, tende a prender a atenção do acompanhamento externo de torcedores, jornalistas e espectadores, enquanto norteia apenas uma óptica nas tomadas de decisão dentro de campo por parte de jogadores e árbitros. Já o tempo, balizado pelas oscilações de intensidade com aceleração, pausa e velocidade, tende a informar o ritmo do jogo e da combinação de jogadas. O espaço, por sua vez, segmentado ainda que de forma imaginária em todo o terreno do jogo, possibilita oportunidades de posicionamento, deslocamento e distanciamento em um esporte marcado por constantes mudanças de direção na prática.

Com base nesse raciocínio, as ações dos jogadores (os reais protagonistas em campo) refletem fundamentalmente três movimentos inter-relacionados: o movimento da bola, o movimento dos companheiros de equipe e o movimento dos adversários. Embora nem sempre testemunhados de forma simultânea, tão logo um desses três movimentos seja ativado, desencadeia-se uma influência imediata sobre os outros dois. A não ser que ninguém em campo queira jogar com a bola.

A eficácia numa troca de passes, por exemplo, depende não apenas da qualidade técnica, equilíbrio e percepção do executor em contato direto com a bola, mas também do deslocamento adequado do receptor, aliado a ausência de interceptação por parte dos seus adversários. Note como a bola, o tempo e o espaço estão sempre em sinergia conforme os atores se movimentam em campo (mesmo aqueles que não participam diretamente onde a bola transita).

Como segundo exemplo, um contra-ataque cuja execução pode ser testemunhada com superioridade numérica ofensiva (espaço) ainda depende da velocidade na jogada (tempo) e da precisão ao circular ou conduzir a bola contra o deslocamento dos adversários até a eventual oportunidade de finalização. Perceba como o movimento na transição defensiva responde à intensidade do movimento de quem ataca (novamente com e sem o principal instrumento do jogo), ilustrando a conexão dinâmica entre a bola, o tempo e o espaço. E se levantarmos outras alternativas que remetam a situações reais de jogo, torna-se possível evidenciar variações em fases de organização, transição e até mesmo bola parada.

No entanto, vale ressaltar que a leitura de jogo é diretamente influenciada pelo ângulo em que se encontra o leitor. Dependendo do campo de visão disponível, a interpretação dos leitores pode apresentar perspectivas distintas sobre uma mesma situação de jogo. Parece confuso? Vamos aos exemplos.

Posicione-se como um treinador (ou membro de comissão técnica) à beira do gramado, por exemplo, e sua leitura sobre os movimentos da bola, dos comandados e dos adversários estará comprometida a um campo de visão horizontal e à mesma altura em que o jogo acontece. E lembre-se que, na função de treinador (ou auxiliar, preparador físico, médico), sua leitura torna viável informar, orientar e até esbravejar, mas não a executar o que de fato se discorre dentro do jogo.

Leitor com campo de visão horizontal (e na mesma altura do jogo)

Agora imagine que você esteja dentro de campo, onde jogadores e árbitros interpretam as variações de jogadas conforme o deslocamento momentâneo de cada indivíduo. Desse modo, a percepção, a antecipação, a tomada de decisão e a execução de cada manobra em campo será influenciada pela dinâmica dos seus movimentos como jogador. Enquanto goleiros e defensores enxergam a maior parte do jogo com um campo de visão vertical e diagonal, por exemplo, meio-campistas e atacantes trabalham exaustivamente com a visão periférica, sobretudo para prever ou antecipar ações durante os deslocamentos, possibilitando oportunidades de ataque.

Leitor com campo de visão periférica (e na mesma altura do jogo)

Por fim, retorne à condição de espectador apoiado por um campo de visão panorâmica, que facilita a leitura das três variáveis essenciais (bola, tempo, espaço) e dos três movimentos inter-relacionados (bola, jogadores da equipe mandante, jogadores da equipe visitante).

Caso o seu ângulo como leitor seja privilegiado pela posição no local da partida ou pela câmera de análise de desempenho, sua interpretação terá a vantagem de uma perspectiva efetivamente panorâmica (enxergando o movimento coordenado de todas as peças no terreno), porém ela ainda sofrerá limitações com relação à dinâmica real dos deslocamentos que acontecem em campo (devido à distância das ações).

Não obstante, caso a sua leitura de jogo dependa de uma transmissão midiática, suas interpretações serão influenciadas pela manipulação das câmeras escolhidas pelo veículo responsável na captação e edição das imagens que chegam ao seu campo de visão (além das distrações provenientes de narradores e comentaristas, que emitem juízo de valor durante a partida, interferindo na sua leitura de jogo).

Leitor com campo de visão panorâmica
Leitor com campo de visão focado na ação com a bola

Portanto, quando as próximas oportunidades surgirem, pratique a sua leitura de jogo independente (ausentando-se de distrações, narrações e comentários). Questione a inter-relação do movimento da bola, junto ao movimento dos jogadores da equipe que ataca e o movimento dos jogadores da equipe que defende. Oriente-se pelas três variáveis essenciais, contextualizando as ações que ocorrem em campo dependendo de onde a bola transita, como o tempo se modifica e qual o espaço disponível de acordo com a execução das jogadas.

Raciocinemos sempre a dinâmica do futebol. Um esporte coletivo e de contato, praticado por seres humanos.