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A estruturação de uma pré-temporada

Crédito imagem: Ricardo Duarte/SC Internacional

Introdução

Objeto de pesadelo e ao mesmo tempo de sonho de preparadores físicos e treinadores. Reclamado por muitos, dominado por poucos. Essa é a pré-temporada! Período em que se espera construir a performance que guiará o plantel ao longo de toda a competição, com suas peculiaridades, necessidades e desafios.

A medida que o desporto profissional evolui, parece cada vez mais impossível acreditar em um período de preparação e a sua eficácia na performance a longo prazo, sobretudo nas modalidades coletivas como o futebol. Podemos buscar a periodização clássica e tradicional para nos confortar com esperanças de adaptações em 4-8 semanas, mas de fato pouco encontraremos de realidade naquilo que está presente na teoria.

A Periodização Tática ou o “Entrenamiento Estruturado”, de Frade e Seirul-lo respectivamente, ou a Football Periodisation de Verheijen parecem nos oferecer respostas ou sugestões para construirmos nossa planificação, sobretudo baseadas nas demandas específicas do jogo e nas qualidades e capacidades necessárias para o desenvolvimento integral dos jogadores, sejam eles profissionais ou em processo de formação.

A realidade para nós profissionais é uma só: Temos pouco tempo (cada vez menos), nossos calendários são congestionados desde o princípio (ao menos espera-se que sejam) e precisamos apresentar soluções, sob pena de passarmos 30 dias a preparar uma equipe para o próximo treinador.

Neste post pretendo discutir algumas questões pertinentes e que conjugam a periodização clássica com a periodização/planificação contemporánea das modalidades coletivas.

Entendendo o Período de Preparação

Ao iniciarmos a temporada, é preciso levar em consideração uma já esperada e bem conhecida quebra no rendimento e queda nos índices físicos dos jogadores (i.e. capacidades de força e metabólica, aumento da % BF) e já termos conhecimento de quantas semanas teremos até o início da competição. Nesse período é preciso que se construa uma espécie de “introdução” para o trabalho que virá pela frente, ou seja, quais serão os elementos que nos guiarão para o início da temporada e sua continuidade.

Nessa introdução, contamos com um breve delineamento da nossa equipe, estruturamos um plano macro de como pretenderemos integrar as 4 principais áreas da preparação (técnica, tática, física e psicológica) e quais serão as nossas métricas para as famosas frases como: “Estamos há 80% da performance que esperamos atingir”. Como parte da nossa responsabilidade, mas também é preciso inserir e termos de forma muito clara ao acesso de todos quais serão os principais objetivos para o nosso plantel, para os nossos atletas individualmente e para o nosso clube.

Apesar de complicado – por se tratar de uma modalidade coletiva competitiva e impaciente – é preciso tentarmos conciliar o que se encontra na literatura ou em nossos casos recentes e estabelecer “preditores de performance”. Uma boa forma de se pensar nisso é realizar uma engenharia reversa do que foi feito nas outras temporadas e os índices obtidos com esses planejamentos, obviamente levando em consideração as diferenças de contexto e individualidade dos atletas.

Após estabelecermos nossos objetivos e relacionarmos isso com todas as informações já conseguidas (onde se incluem testes de performance mais habituais utilizados na modalidade), é preciso entender ou estabelecer qual modelo de planificação de treino iremos utilizar. Aqui começamos a retirar um pouco da imprevisibilidade, com algum toque de sorte, daquilo que é a performance desportiva.

Decisões simples como “mapear” o calendário para períodos mais congestionados, estabelecer percentagens de intensidade ou volume por dia da semana nos diferentes períodos da temporada ou até mesmo construir um modelo de micro(morfo)ciclo padrão para facilitar o planejamento, podem nos ajudar não a garantir o sucesso competitivo, mas a controlar um pouco do que parece incontrolável.

“O modelo de preparação é uma sinopse de todo o plano anual de treinamento. Descreve as principais qualidades quantitativas e parâmetros utilizados na formação e o aumento percentual por parâmetro entre os planos anuais atuais e anteriores. O treinador deve vincular o modelo de preparação a toda a estrutura do plano anual e seus objetivos. Um treinador experiente poderia prever a duração e o número de treinos necessários para desenvolver as habilidades e habilidades necessárias para alcançar os objetivos.”  

Bompa e Haff

É preciso clarificar que nenhum programa ou plano de periodização e planificação é 100% exato, daí por exemplo os novos fundamentos de planificação contemporânea como o sugerido por Paco Seirul-lo, em que a planificação deve ser ativa e se estender por um máximo de 4 semanas, de forma dinâmica e retroalimentada pelas informações de rendimento, adversários ao final de semana e necessidades colocadas pelas alterações no plantel ou outros fatores.

No entanto, é inegável que independente do modelo que utilizemos é preciso ter um plano. Uma excelente maneira de se pensar não apenas a nossa pré-temporada ou o plano de treinos ao longo da semana, é estabelecermos uma linha de evolução a partir da “Lógica Orgânica dos Sistemas Energéticos” ou “Lógica Orgânica dos conteúdos de treinamento”, uma excelente sugestão por parte do autor Forteza de La Rosa, que também identificou limitações na periodização tradicional e o seu uso para modalidades coletivas (assim como Frade e Seirul-lo).

Essa lógica de prioridades parte do princípio de se construir bases de treinamento até o ponto onde é possível e seguro desenvolver as nossas capacidades ou direções condicionantes e determinantes específicas da modalidade. Essa lógica, construída numa perspectiva metabólica, sugere que as nossas bases (resistência aeróbica) ocupem um maior volume em um primeiro momento da preparação, até que se possa evoluir até a potência aeróbica, resistência e potência anaeróbica e finalmente a potência anaeróbica alática. Em uma modalidade onde o metabolismo é misto, parece ser complicado construir uma planificação que atenda a isso, mas através de microciclos estruturados é possível estabelecer prioridades ao longo das semanas e permitir uma boa “brincadeira” com os princípios de estímulo, fadiga e adaptação.