Créditos imagem: sferafc.com.br
Um clube que está se constituindo em uma grande potência na formação de atletas no Brasil, o Sfera F.C., realizou um Simpósio denominado A Copa do Mundo e o Atleta do Futuro, na cidade de Salto (SP), em meados de novembro de 2022. Este evento contou com profissionais de grande gabarito do próprio Sfera F.C. e de outras instituições ligadas ao futebol. Uma das reflexões buscava compreender como será o atleta do futuro. Dentre essas reflexões, eu, na posição de espectador envolvido com o tema, tive a linha de raciocínio que quero compartilhar com vocês a seguir.
O atleta do futuro e de alto rendimento não poderá fugir de um ser humano com grandes capacidades técnicas, táticas, físicas e emocionais em serviço ao jogo. O futebol da elite, competitivo como é, exigirá isso, incontestavelmente. Podemos discorrer mais tarde sobre o que significa ter grandes capacidades, técnicas, táticas, físicas e emocionais, contudo, o que me ocorreu durante o evento foi um pensamento anterior. É o contexto que os atletas do futuro estão submetidos na sua formação e como esse contexto influenciará nessas suas capacidades.
Diferentemente dos atletas do século passado, em que tinham grande parte das horas de prática deliberada em ambientes espontâneos, com grande autonomia de tomada de decisão e apropriação do jogo, os atletas nascidos neste século dependem fundamentalmente das instituições de prática sistematizada para jogarem futebol durante a infância e a adolescência. Essa premissa traz a consciência de que os atletas do futuro dependerão das instituições de hoje (e do futuro). O que é praticado pelas instituições de hoje em diante, mais do que nunca, influenciará diretamente na formação desses atletas que as frequentam, pois são nesses lugares e sob os cuidados e intervenções de seus profissionais que as crianças e adolescentes se desenvolverão para o esporte – e não só. Nessa linha, é possível afirmar, portanto, que os atletas do futuro dependem das instituições, que por suas vezes são conduzidas pelos seus profissionais. Logo, os atletas do futuro dependem dos profissionais que trabalham nessas instituições que os formam.
É interessante pensar desse ponto de vista, pois se analisarmos quem é a maior responsável pela formação de qualquer ser humano, podemos resumir por uma palavra: a cultura. Todos nós somos formados e preenchidos pela cultura que nos cerca, que se une à nossa autonomia enquanto ser humano e nos faz indivíduos únicos, porém com muitas semelhanças entre uns e outros. A cultura dos nossos pais, família, bairro, escola, amigos, cidade, país, ídolos, contexto histórico etc. nos penetra e se tornam nossa, sempre com o filtro chamado individualidade. Quando pensamos que crianças e adolescentes passarão por anos de suas vidas em instituições para se tornarem um atleta de alto rendimento no futuro, devemos compreender que os dois sistemas – instituição e indivíduo – são separados em termos de autonomia, cada um tem a sua própria, contudo, unidos pelo elemento mais permeável de todos, que é a cultura. Por se tratar de indivíduos ainda no começo da vida, estão muito ávidos para serem preenchidos pelo que vem de fora. Querem aprender e apreender o mundo para si. Inevitavelmente a cultura institucional será apreendida por esses jovens, em todos os seus aspectos, em termos técnico-específicos, sobre o treinamento/conhecimento sobre o jogo, mas também sobre outros aspectos como liderança, relação humana, autoconhecimento, modos de lidar com problemas, tradições, linguagens, entre outras manifestações culturais. E o que define a cultura das instituições que formarão esses atletas do futuro?
Quando tratamos de instituições tradicionais, centenárias, existem diversas manifestações intangíveis que perpassam gerações de profissionais e frequentadores daquela organização. Algumas positivas e outras negativas. Todas são difíceis de mudar. Cultura não se constrói ou se transforma por decreto. Mas é fundamental existir pessoas/profissionais que entendam como ela funciona dentro da instituição, pois é o elemento mais poderoso de influência das pessoas que ali estão, inclusive os atletas.
Um ponto estratégico para preservar, construir ou transformar a cultura institucional está situado sobre o processo de recrutamento e seleção. Os profissionais responsáveis por esse processo precisam compreender que as culturas – e dentro delas os valores e conhecimentos gerais e específicos – que cada um dos profissionais selecionados carregarão para dentro da empresa se fundirão à cultura institucional, revigorando-a ou fragilizando-a.
O ato de selecionar os profissionais que formarão a equipe da instituição significa também selecionar quais são os conhecimentos em que os atletas do futuro estarão submetidos se desejarem se formar nela. Profissionais são guiados pelos seus conhecimentos e valores que determinam as suas ações pedagógicas e humanas. A sequência e conjunção dessas ações, coletivamente, formam a cultura na prática.
Neste texto quis evidenciar a forte ligação de alguns elementos determinantes para a formação do atleta do futuro. São eles:
- Os atletas do futuro dependem fundamentalmente das instituições que passarão grande parte da sua formação.
- Os atletas do futuro dependem dos profissionais que conduzirão o trabalho dessas instituições.
- Os atletas do futuro dependem dos conhecimentos e valores que prevalecerão nas diversas ações institucionais que impactarão a sua formação, sendo que o setor de Recrutamento e Seleção tem papel estratégico nessa modulação.
- Os atletas do futuro dependem da cultura institucional que emergir no clube, percebendo que ela é formada por todos esses elementos anteriores, além da colaboração dos próprios atletas, comunidade e caos – conjunto de elementos desorganizados que se unem aos elementos organizados em uma sopa de interações provocando, na maior parte das vezes, imprevisibilidade.
- Dado esse passo atrás, podemos seguir, em breve, para a reflexão de como será o jogo do futuro, a sociedade do futuro, o jovem do futuro e o atleta do futuro em campo e fora dele.